Friday, March 27, 2020

INÍCIOS DE NOSSA MEDICINA


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Por favor, clique nas fotos para vê-las ampliadas.


Frontispício dos Annaes da Medicina pernambucana.


Proêmio dos Annaes da Medicina pernambucana.


Frontispício da Revista medica fluminense.

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O Professor Emérito Guilherme d'Avila Lins,
em foto de Angélica Gouveia, da Secom/UFPB.


O MÉDICO, HISTORIADOR E ESCRITOR GUILHERME GOMES DA SILVEIRA D’AVILA LINS, ACADÊMICO E PROFESSOR EMÉRITO DA UFPB, RESUME OS PRIMÓRDIOS DA MEDICINA NO BRASIL — E, CLARO, TAMBÉM NA PARAÍBA


UMA VERSÃO ILUSTRADA COM AS CAPAS
E/OU FRONTISPÍCIOS DAS OBRAS E OUTRAS
PUBLICAÇÕES CITADAS AO LONGO DO TEXTO

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por Evandro da Nóbrega,
escritor, jornalista, editor, membro do IHGP
(Instituto Histórico e Geográfico Paraibano)
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É este um convite especial que faz a todos Vocês, prezzadas ammigas e dilletos ammigos o veeeelho Druzz de guerra: aproveitem esse tempo de "cativeiro coronavirótico" numa coisa bastante útil — ler um belo texto e muito aprender sobre os primórdios históricos da Medicina na Paraíba e no Brasil, por intermédio de um ensaio especial do médico e historiador Guilherme Gomes da Silveira d'Avila Lins. E o ensaio, desta vez, está fartamente enriquecido por uma coleção de mais de 20 ilustrações que mostram as capas e/ou frontispícios dos antigos livros citados, bem como de outras publicações, a exemplo de revistas médicas de Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro etc.

Não se tratasse de um ensaio re-al-men-te importante, não estaria o degas aqui tomando o tempo de Vocês e lhes recomendando o notável e revelador artigo histórico do professor emérito da UFPB, autor de cerca de 40 livros sobre a História paraibana e sobre a História em geral, afora outros temas de sua predileção.

Lembre-se o leitor que o historiador, médico e acadêmico d'Avila Lins é ele mesmo filho de outro médico, o também saudoso acadêmico Antônio d'Avila Lins, cuja atuação científica e literária também marcou época em nosso Estado. Recentemente, o Dr. Guilherme Gomes da Silveira d'Avila Lins — um dos maiores especialistas mundiais em História Colonial (e que já está concluindo nova e importantíssima obra, sobre a Visitação do Santo Ofício à Parahyba — recebeu das mãos da Reitora Margareth Diniz o diploma de Professor Emérito da UFPB, título que lhe havia sido concedido desde 2003 pelo Conselho Universitário dessa Instituição de Ensino Superior.

Bem, o Dr. Guilherme d'Avila Lins não precisa, claro, de nenhum tipo de apresentação. Mas, se Vocês insistem, aqui estão alguns de seus títulos, antes que lhe passemos a palavra, a fim de que transmita a Vocês o que descobriu sobre os inícios das atividades médicas no Brasil e na Paraíba d'antanho.

QUEM É O DR. GUILHERME
Os tópicos abaixo foram retirados do volumoso "curriculum vitae" do médico, historiador e escritor Guilherme Gomes da Silveira d'Avila Lins:

* Professor Emérito da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), última instituição de Ensino Superior em que lecionou

* Ex-Pesquisador de História do Núcleo de Documentação e Informação Histórica Regional da Universidade Federal da Paraíba (NDIHR/UFPB)

* Sócio-Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB)

* Sócio-Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal (IHGDF)

* Sócio-Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do Mato Grosso (IHGMT)

* Sócio-Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná (IHGPR)

* Sócio-Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo (IHGSP)

* Sócio-Correspondente do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB)

* Sócio-Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe (IHGSE)

* Sócio-Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas (IHGAL)

* Sócio-Correspondente do Instituto Arqueológico Histórico e Geográfico Pernambucano (IAHGP)

* Sócio-Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte (IHGRN)

* Sócio-Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão (IHGM)

* Sócio-Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de Patos (IHGP-PB)

* Sócio Honorário do Instituto Histórico e Geográfico do Cariri (IHGC)

* Sócio Efetivo do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano (IHGP), de que já foi presidente

* Sócio Efetivo do Instituto Histórico de Campina Grande (IHCG)

* Sócio Efetivo do Instituto Paraibano de Genealogia e Heráldica (IPGH), que também já presidiu

* Membro Fundador do Instituto Histórico e Geográfico de Areia (IHGA)

* Sócio Efetivo da Sociedade Paraibana de Arqueologia (SPA)

* Sócio Efetivo da Associação Paraibana de Imprensa (API)

* Membro Efetivo da Academia Paraibana de Medicina (APMED)

* Membro Efetivo da Academia Paraibana de Filosofia (APF)

* Membro Efetivo da Academia Paraibana de Letras (APL)

* Membro Efetivo da Academia de Letras de Areia (ALA)

* Membro Titular do P.E.N. Clube do Brasil (Associação Mundial de Escritores)

* Membro Efetivo do Centro de Investigação Professor Doutor Joaquim Veríssimo Serrão (CIJVS), de Portugal

*  Ex-Pesquisador de História do Núcleo de Documentação e Informação Histórica Regional da Universidade Federal da Paraíba (NDIHR/UFPB)

* etc etc etc.

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UM PROÊMIO AO TEXTO DA CONFERÊNCIA
EM TEMPO: Antes de dar início à leitura de sua palestra sobre a História da Medicina no Brasil e na Paraíba, o Dr. Guilherme d'Avila Lins pronunciou aquilo que chamou de "Algumas Palavras Preambulares", as quais reproduzimos a seguir, na íntegra:

ALGUMAS PALAVRAS PREAMBULARES
  
          “Antes de oferecer o texto que trouxe para esta ocasião, gostaria de dizer poucas palavras preambulares que delineiam alguns sentimentos meus, algo da minha trajetória profissional e do meu perfil universitário aqui arrolado em poucos tópicos. As primeiras palavras são de gratidão a esta Instituição de Ensino Superior e com ela trago a sensação do dever cumprido como um de seus membros menos políticos.

          Se eu tivesse de sintetizar aqui a minha larga vivência nesta Casa destacaria apenas um exemplo: certo dia em 1997 recebi dos meus alunos em sala de aula uma folha de bloco de papel contendo uma mensagem manuscrita e assinada por todos eles onde me nomeavam ali o “Professor do ano” e agradeciam as radicais mudanças do modelo pedagógico-didático (training practice) que ousei introduzir sponte propria no ensino da Gastroenterologia, fato que só foi possível mediante a anuência e a participação conjunta, simultânea e diária dos meus valiosos colegas naquela Disciplina, com os quais compartilho a subida honra então recebida.

          Enfim, à nossa UFPB desejo todo o sucesso possível no porvir que se descortina, sucesso que deve ser acompanhado de uma verdadeira autonomia universitária e, se possível, enriquecido pela plena restauração da Hierarquia do Saber que nos foi solapada há pouco mais de cinco décadas. Por fim, foi aqui que burilei a minha já longa experiência universitária (no meu caso multi-versitária) e que consegui sedimentar minhas convicções universitárias para melhor palmilhar as trilhas que percorri.  
         
          Vamos, pois, àqueles poucos tópicos prometidos.
         
1) Por motivos alheios à minha vontade já são passados dezessete anos desde a outorga deste Título de Professor Emérito da UFPB, o que muito me honra e dignifica, mas, ao longo deste interregno, tive que adiar várias vezes a solenidade de entrega do respectivo Certificado em sessão solene, mas esta aqui já detém toda a solenidade de que preciso. Enfim, somente agora isto acontece para remissão daquela longa postergação, mas, como se diz, é melhor tarde do que tarde demais. De todo modo jamais houve pouco caso de minha parte; foram as vicissitudes da vida que me impuseram esta postergação. Diante disto tenho ao menos algumas palavras de consolo: trata-se uma frase que cunhei há várias décadas e que diz: “Eu não tenho muito compromisso com o tempo, mas sim com a realização”.
         
2) Mesmo sendo esta a sexta Instituição de Ensino Superior em que exerci a docência, ela foi a última delas e as demais foram no Estado de São Paulo.  A UFPB, entretanto, representa a experiência mais marcante da minha vida universitária até pelos desafios que aí encontrei, mas que felizmente pude superar. Embora eu não tenha me graduado aqui e sim na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), conquistei minha naturalidade universitária paraibana ainda nos anos setenta do século passado através de concurso para Professor da Disciplina de Gastroenterologia no nosso Departamento de Medicina Interna, o qual, mais tarde vim a chefiar em duas gestões consecutivas. Quanto a História da nossa antiga Faculdade de Medicina da Paraíba, esta eu conheço razoavelmente bem desde a sua origem já que meu saudoso pai, Prof. Dr. Antonio d’Avila Lins, foi um dos seus fundadores além de ter sido, após a respectiva federalização, Professor Catedrático da 1a Clínica Cirúrgica até atingir a aposentadoria compulsória em 1973, tendo também recebido o título de Professor Emérito.
         
3) Graduado em 1968, minha formação médica se deu ainda sob o manto do antigo regime das Universidades Brasileiras, graças a Deus, o regime das Faculdades dirigidas por Catedráticos, o regime das Congregações das Faculdades compostas por Catedráticos e as respectivas Cátedrasregidas e administradas por Catedráticos, cujos títulos eram conquistados em defesas de teses públicas de repercussão nacional. Só os Professores Adjuntos, Doutores ab initio, (autóctones ou alienígenas) podiam aspirar uma Cátedra. Curiosamente este modelo ainda subsiste em grande parte do mundo civilizado (não norte-americano). As Cátedras constituíam cláusulas pétreas (autônomas) das Faculdades e representavam as Sedes Sapientiae (educacionais e administrativas das Faculdades), simbolizando a Hierarquia do Saber. E por Saber entenda-seProficiência específica e Cultura de um modo geral. Exemplificando, dentre as pouco mais de três dezenas de Cátedras da minha Faculdade de origem, cinco ou seis dos seus Professores Catedráticos eram membros da Academia Pernambucana de Letras e muitos outros eram membros da Academia Pernambucana de Medicina. 

Eram outros tempos. Em certa altura, face ao autoritarismo do Poder Central então outorgado aos brasileiros, viram-se condenadas à abolição as Faculdades (transformadas em Cursos, rebaixadas de “sargento a cabo”) e as Cátedras (nichos de independência e autonomia) inaceitáveis a partir de então pela ameaça que representam ao Regime. Surgiu assim a famigerada Reforma Universitária de 1968 (cuja estrutura organizacional estratificada foi encomendada fora do País), a qual prometia a “modernização” do Ensino mudando só o formato e os conceitos. Na verdade impôs a pulverização da autonomia e do poder das Universidades. Vivia-se a partir daí então a chamada estrutura cêntrica, uma verdadeira “pirâmide de Babel”, polimórfica por definição, pois cada Centro falava vários idiomas e atendia a interesses muitas vezes díspares. Estava fundada a chamada “democracia universitária” que vemos até hoje. 

Nos dias atuais o Professor chega inclusive a correr riscos com os quais jamais sonhou. A “democracia universitária” abriu espaço para os “partidos universitários” que mimetizam o Parlamento que hoje conhecemos. Basta ver a composição dos Centros das Universidades de hoje para ilustrar o que afirmo. Enfim, desta composição polimórfica e díspar não escaparam nem os Departamentos, as únicas peças lúcidas daquele “tabuleiro de xadrez” então criado. Foi bom, sem dúvida, o conceito de Departamento, mas nem sempre sua composição é racional e coerente. Como se pode ver, não foi fácil a adaptação a este “admirável mundo novo” das universidades “modernizadas”, mas, como um ser bem disciplinado, consegui não me afogar nele. Neste particular fui de fato disciplinado, mas serei sempre um rebelde com causa munido da liberdade que a provectude me confere. Noutras palavras, sou uma espécie de fóssil vivo, algo parecido com o peixe celacanto que ainda pode ser encontrado no Oceano Índico resistindo até os dias atuais.
         
4) Mais ainda, sou um fóssil vivo em muitos outros aspectos. Assim me sinto ao ver que aFamília como a conheci também foi abolida. Aprendi que a Família educa e o Professor instrui e dá seu exemplo. Sinto-me ainda um animal virtualmente extinto quando abro um portal das mídias televisivas e um repórter (não identificado) me manda entender o que é o coronavírus ou a hepatite C e, mais deprimente ainda, escrevendo o português mais chinfrim que já vi na minha vida. Enfim, sou do tempo em que numa fila qualquer os homens espontaneamente davam a sua vez às mulheres e aos mais idosos por mera educação doméstica. Sou de uma época em que as mulheres eram cortejadas sem precisar se sentir assediadas se tratadas com o devido respeito.
         
5) É ainda interessante acrescentar que desde o início da minha vida acadêmica (e pelos anos afora) alimentei um hábito correlato e um gosto paralelo. No primeiro caso, quando podia, eu não deixava de assistir as defesas de teses (Doutorado, Livre Docência e Cátedra, além das modernas defesas de Mestrado e Doutoramento). Foram várias dezenas delas, incluindo a do Prof. Salomão Kelner (UFPE) e a do Prof. Euryclides de Jesus Zerbini (USP). Uma experiência extraordinária com muitas coisas para contar. No segundo caso, desde o primeiro ano do Curso Médico desenvolvi o gosto paralelo pela pesquisa e estudos históricos, vela que me ilumina até hoje e que me dá uma satisfação incomensurável. Assim, não me considero hoje parte de um universo de especialidades médicas, mas sim membro do multiverso do qual todos somos parte.
           
6) Certa vez o Prof. Dr. Arno Wehling (ex-Reitor da Universidade Gama Filho e Presidente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro durante 23 anos) me perguntou se eu também fazia pesquisas sobre aHistória da Medicina. Diante da minha negativa, ele comentou: “Entendo, são duas vertentes do conhecimento que para você correm paralelas até o infinito”. Àquela altura não sabia eu que teria de reconsiderar a minha postura. É que há dois ou três anos recebi um convite dos organizadores do IV Conclave Nacional da Federação das Academias de Medicina para ali proferir uma palestra. O resultado representou um traço de união entre aquelas duas áreas do conhecimento, a minha bipolaridade cultural. Dessa maneira resolvi trazê-lo aqui para esta audiência, com as devidas adaptações, como um exemplo deste meu perfil bizarro.

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O texto da conferência explica todas (e cada uma) 
das ilustrações aqui apresentadas. Clique nelas para 
vê-las ampliadas.


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Como vê o leitor, são mais de 20 ilustrações,
que ajudam a entender a importância das
considerações feitas pelo Autor ao longo
de seu ensaio histórico sobre os primórdios
da Medicina em nosso país — e em nosso Estado.

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MÉDICOS E MEDICINA NO BRASIL
(E NA PARAÍBA) DOS PRIMEIROS SÉCULOS


Antes de qualquer coisa quero mencionar ao menos três médicos dentre muitos outros grandes estudiosos da História da Medicina no Brasil. Esta menção representa uma singela mas justa homenagem que lhes dedico aqui nominalmente e também é extensiva aos demais não citados. Em ordem cronológica são eles o pernambucano Leduar [Figuerôa] de Assis Rocha (1904-1994), o fluminense Lycurgo [de Castro] Santos Filho (1910-1998) __- a quem chamo de o “Francisco Adolpho de Varnhagen da Medicina Brasileira”, já que se este último foi o primeiro autor nacional a escrever a mais abrangente História Geral do Brasil, a seu turno aquele ilustre médico fluminense foi o primeiro autor nacional a escrever a mais abrangente História Geral da Medicina Brasileira ___ e, completando esta lista tríplice, temos o paulista não menos importante Carlos da Silva Lacaz (1915-2002).

Vale lembrar que tanto Lycurgo Santos Filho quanto Carlos da Silva Lacaz foram Membros da Academia Nacional de Medicina e, por sua vez, Leduar de Assis Rocha pertenceu à Academia Brasileira de Medicina Militar, à Academia Pernambucana de Medicina e à Academia Olindense de Letras. Enfim, entendo que os pesquisadores da História da Medicina no Brasil, particularmente os que perscrutam as épocas mais remotas, são estudiosos muito especiais do nosso passado já que, por assim dizer, navegam por mares ignotos munidos de imprecisos e vagos portulanos. Se melhor apraz, eles garimpam num particular “sítio arqueológico” do conhecimento dentre os mais escassos em “gemas” de interesse no contexto da nossa História Geral. Enfim, no que tange aos primeiros séculos da Medicina no Brasil, inúmeros são os filões que eventualmente podem apresentar algo de valor nesse tipo de pesquisa porém, muitas vezes, a coleta de real utilidade é diminuta em cada veio analisado.

Perceba-se agora que este tema intitulado “Médicos e Medicina no Brasil dos primeiros séculos” está em sintonia com um fulcral conceito do saudoso Prof. Dr. Lycurgo Santos Filho, para quem é incorreto falar em “Medicina Brasileira” dos primeiros séculos, mas sim em “Medicina no Brasil” dos primeiros séculos. Ademais é impraticável esmiuçar este assunto ao longo do regimental porém exíguo lapso de tempo de que disponho. Precisaria de muito mais. Se é assim, deve-se então considerar este tema exageradamente abrangente para esta ocasião? Não penso dessa maneira. Entendo que este cabeçalho é de fato adequado e serve essencialmente para configurar o racional recorte cronológico a ser abarcado no contexto daquilo que se chama de primeiros séculos da “Medicina no Brasil” e não para sinalizar a abrangência geral daquilo que deve ser obrigatoriamente desenvolvido nesta alocução.

Além disso, este recorte cronológico permite afirmar que, a rigor, a “Medicina Brasileira” propriamente dita só teve seu marco inicial a partir de 1808 na Bahia e logo a seguir no Rio de Janeiro, por ocasião da transmigração da Família Real para estas plagas tropicais. Só então esta terra veio a perder as limitações sociopolíticas da condição de Colônia Ultramarina do Reino de Portugal e Algarves para assumir a condição de Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves sob a égide do Príncipe Regente D. João, futuro Rei D. João VI, o qual, desgraçadamente, apesar do seu importante legado nesta terra ficou sendo mais conhecido aqui como um mero “comedor de frangos”. Basta recorrer à obra Dom João VI no Brasil de Manuel de Oliveira Lima para se aquilatar o profícuo legado desse monarca neste País e, levando em consideração o que mais concerne a nós médicos, registre-se já, entre seus feitos, a criação da Escola Médico-Cirúrgica no Terreiro de Jesus, Salvador, Bahia (1808), juntamente com a Escola Anatômica, Cirúrgica e Médica no Rio de Janeiro e também a Junta Vacínica da Corte (1811). 

Volto-me agora para a questão da periodização da História da Medicina no Brasil, essencial para a contextualização dos mais diversos tipos de pesquisas nessa área do conhecimento e também fundamental para a caracterização dos mais variados momentos da trajetória desse particular ofício ao longo do tempo. Em História a periodização é a difícil tarefa de estabelecer de maneira racional os limites das diversas partes ou recortes que compõem o todo. Na realidade lida-se aí com fronteiras facilmente aparentes ou não e como, em princípio, toda “fronteira” é “litigiosa” se antevê a vulnerabilidade conceitual dos diversos modelos propostos. No que diz respeito à História da Medicina no Brasil optei aqui (com poucas diferenças, em geral terminológicas) por um modelo de periodização inspirado no que foi defendido por Lycurgo Santos Filho, aliás bastante confiável quanto às respectivas demarcações de limites:

1.       – Fase inicial ou da medicina dos físicos (hoje os médicos clínicos) e cirurgiões, barbeiros, barbeiros-cirurgiões, parteiras, boticários, aprendizes, curiosos, pajés e curandeiros [desde o inicio do povoamento e colonização desta terra até os primeiros anos do século XIX, mais precisamente 1808, ano da chegada da Família Real ao Brasil]

1.1.  – Medicina indígena;
1.2.  – Medicina africana;
1.3.  – Medicina ibérica [exercida por profissionais habilitados ou não, cristãos-novos e cristãos-velhos, inclusive por colonos naturais do Brasil];
1.4.  – Medicina jesuítica [exercida por irmãos ou padres enfermeiros com suas boticas]
1.5.  – Medicina do Brasil holandês;

2.       – Fase secundária ou do processo de semeadura de uma Medicina Brasileira propriamente dita [a partir de 1808, desde a fundação das já referidas duas Escolas Médicas, na Bahia e no Rio de Janeiro, sob a influência cultural portuguesa, espanhola e também francesa até cerca de meados do Século XIX. Por esse tempo surgiram pioneiros periódicos médicos no Rio de Janeiro e em Pernambuco como a REVISTA MEDICA FLUMINENSE (1833-1841) e os ANNAES DA MEDICINA PERNAMBUCANA (1842-1844), de que se fez uma reimpressão fac-similar (1977) acompanhada de um estudo crítico de Leduar de Assis Rocha];

3.       – Fase terciária ou de florescimento científico progressivo da Medicina Brasileira propriamente dita [em que se destaca o surgimento da GAZETA MEDICA DA BAHIA (1866-1934), cuja reimpressão fac-similar (1974) deve-se ao Dr. Edgard de Cerqueira Falcão (1904-1987), destacado médico e historiador], bem como surgem por esse tempo os estudos da chamada escola tropicalista baiana (sobre ancilostomíase, filaríase, beribéri, ofidismo etc.) que repercutiram bastante no Sudeste do País, conferindo suficiente massa crítica para a concreta configuração de uma fase efetivamente científica da Medicina Brasileira, a qual se ilustra através de nomes do porte de Adolpho Lutz (1855-1940), Emilio (Marcondes) Ribas (1862-1925), Vital Brazil (Mineiro da Campanha) (1865-1950), Oswaldo (Gonçalves) Cruz (1872-1917), (Manuel Augusto) Pirajá da Silva (1873-1961), médico e historiador, Carlos (Justiniano Ribeiro) Chagas (1878-1934) e tantos outros].

Aqui nos interessa mais de perto apenas aquela longa fase inicial da medicina no Brasil e a ela dispensarei minha atenção com toques pontuais referentes às suas subdivisões sem a preocupação de exaurir o assunto. Mesmo assim, como já ficou dito, é exatamente nesse período mais remoto da nossa História que enfrentamos as maiores dificuldades. Portanto, se nesta breve rememoração histórica ou tosca (re)construção eu não puder utilizar todas as pedras necessárias, espero me valer ao menos de algumas ilustrativas.

Em primeiro lugar é preciso registrar aqui um fato marcante. Incidentalmente, a presença de profissional da medicina na primitiva Terra de Santa Cruz é, a rigor, tão antiga quanto o seu próprio achamento por Pedr’Alvares Cabral em 1500, embora isto não signifique o início da prática médica neste solo tropical. É que naquela esquadra de Cabral viajava uma importante figura, ou seja, o “bacharel mestre Johan físico [médico] e çirurgyano” de El-Rei D. Manuel I de Portugal, o qual foi o autor de um dos três primeiros documentos sobre a dita arribada no Brasil, ou seja, a célebre carta de Mestre João. Aliás, aquela importante figura vem sendo chamada equivocadamente, de Mestre João Emeneslau mas, infelizmente, o último nome decorre de leitura paleográfica incorreta numa expressão latina existente no final de sua carta onde o missivista escreveu em letra do seu tempo: Johannes artium et medicinae bachalarius [João bacharel em filosofia (arte) e medicina] (História da Colonização Portuguesa do Brasil, v. II). Ainda a este respeito diga-se que o Mestre João, espanhol a serviço do Rei de Portugal, parece se superpor a um judeu de nome João Faras, ou originalmente Juan Faras, que teria migrado do Reino de Espanha para Portugal a fim de escapar da abominável inquisição espanhola.

O assinalamento desse judeu (o físico e cirurgião Mestre João) no Brasil de 1500 serve já para prenunciar a significativa afluência de muitos outros judeus e cristãos-novos, oriundos inicialmente da Península Ibérica, os quais vieram a aportar mais tarde nesta colônia (também fugindo da Inquisição, de “livre vontade” sem alternativa ou sob degredo) onde passaram a praticar a medicina que conheciam, fossem ou não habilitados para tanto. Aliás, cresceu bastante a afluência de judeus e cristãos-novos, e dentre eles os médicos, durante o segundo período holandês no Brasil (1630-1654).

No desenrolar deste tópico é preciso ter em mente que aquelas cinco subdivisões da fase inicial da medicina no Brasil (Medicina indígena, Medicina africana, Medicina ibérica, Medicina jesuítica e Medicina do Brasil holandês) têm uma conotação meramente distintiva quanto à sua natureza básica e não um caráter de gradação evolutiva ao longo da história. Dessa maneira, num mesmo determinado momentum, pode-se bem perceber a coexistência daquelas cinco modalidades de prática médica nesta terra (fase inicial) e isto se ilustra melhor ao longo do período holandês no Nordeste (1630 a 1654). Por esse tempo, além daquela coexistência, houve inclusive a assimilação de certos conceitos terapêuticos próprios de uma das cinco modalidades iniciais de atuação médica por outra até menos evoluída. Como exemplo temos um fato ocorrido em 1638.

Como se sabe, em Pernambuco João Maurício, Conde de Nassau-Siegen, tinha ao seu dispor o que havia de melhor na Medicina europeia do seu tempo todavia recebeu no Recife a recomendação para ir à Paraíba (e a aceitou) a fim de beber a água de uma já então famosa Bica dos Milagres, cujo nome provinha de suas extraordinárias propriedades terapêuticas para o mal das pedras, ou seja, a nefrolitíase, de que ele era portador. Pois bem, esse governante do Brasil holandês demorou-se aqui cerca de um mês com esse propósito. Parece que obteve melhora significativa da cólica nefrética já que não se sabe de novos queixumes seus nessa época. Por outro lado, irônica e infelizmente, quem piorou, com o passar do tempo, foi a sorte daquela fonte de água milagrosa. Hoje a Bica dos Milagres é desconhecida da imensa maioria da população desta terra, encontra-se entupida e descaracterizada, além de abandonada pelas autoridades (que há muito anos prometem resgatá-la do limbo a que foi injustamente condenada), em que pese o fato de ter saciado a sede da população desta cidade durante os séculos iniciais da nossa história local com seus mais de 430 anos de idade. A propósito, a importância daquela fonte já era assinalada no ano de 1599 (Livro Tombo do Mosteyro de Sam Bento da Parahyba).

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Retomando o fio da meada, o gentio da costa do Brasil era originalmente robusto e saudável, apresentando poucas doenças naturais. Costumava ser longevo, podendo atingir até 120 anos se a morte não o alcançasse antes nas muitas guerras que mantinha com outras facções indígenas ou contra o invasor europeu que queria modificar seus costumes. Em última análise, foi o elemento branco colonizador, dito civilizado, bem como o escravo africano por este trazido para cá à força que, juntos, vieram a disseminar e formular a nosografia brasileira dos primeiros séculos abrangendo doença infecciosas, dermatológicas, gastroenterológicas, respiratórias, urinárias, ginecológicas, osteoarticulares etc.

O fato é que, ao longo dos primeiros anos e até depois das três primeiras décadas do achamento do Brasil, não faz sentido falar em exercício da medicina nesta terra. Não me refiro aqui aos ritos indígenas praticados com o objetivo de curar os enfermos, os quais continuam vigentes até hoje entre seus pajés, misto de sacerdotes e médicos.

Pois bem, por ocasião das primeiras expedições do Século XVI com a finalidade precípua de explorar esta porção do Novo Mundo ou de policiar as costas do litoral brasileiro, não há notícia concreta de que profissionais da Arte Médica tivessem vindo nelas embarcados. Aliás, é até admissível que a expedição colonizadora de Martim Afonso de Sousa (1530-1533) tivesse trazido colonos desse ofício mas também não há informação segura nesse sentido.

Assim, os primeiros europeus praticantes da Arte de Curar, geralmente cristãos-novos oriundos da Península Ibérica, começaram a surgir aos poucos com a criação das Capitanias Hereditárias (1534). Vamos passá-los em revista rapidamente:

a) acerca da Capitania de São Vicente, segundo Affonso d’Escragnole Taunay, “Em todo o Século XVI não se constata a existência de clínico algum em São Paulo. Em 1597 instalava-se o primeiro serviço médico sanitário com a nomeação do barbeiro Antonio Roiz [Rodrigues] para juiz do ofício dos físicos. Era homem experimentado e examinado e não daqueles empíricos que na vida curavam feridas e faziam sangrias por toda a terra” (Historia da Cidade de São Paulo);

b) na Capitania do Rio de Janeiro, segundo notícia oriunda do Colégio Brasileiro de Genealogia, o primeiro médico foi Francisco da Fonseca Diniz, nascido em 1616 e neto de Aleixo Manuel, o velho, um dos famosos povoadores da cidade de São Sebastião. Sabe-se ainda que ao tempo da fundação dessa cidade (1565) alguns barbeiros foram enviados para lá. Ademais, de acordo com José Gonçalves Salvador, nessa mesma cidade havia o médico cristão-novo Belchior Babington exercendo sua profissão em torno de 1627. Uma década mais tarde achava-se também aí o médico cristão-novo Gaspar Gomes da Costa e o cirurgião cristão-novo Manuel Jorge Feio (Os Cristãos-Novos. Povoamento e conquista do solo brasileiro – 1530-1680). Acrescente-se ainda que em notícia documental divulgada na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo pelo ilustre médico e historiador José Pedro Leite Cordeiro, verifica-se que em 30 de julho de 1637 o licenciado Francisco Marques Coelho havia embarcado para o Rio de Janeiro como médico (Alguns Documentos Sôbre Médicos e Medicina do Brasil Seiscentista);

c) na Capitania de Porto Seguro, por esse tempo, não encontrei ninguém dedicado à Arte de Curar. A partir de agora, com o mesmo objetivo, valho-me de outras fontes antigas desde 1591 até 1595, referentes à malsinada Primeira Visitação do Santo Ofício às partes do Brasil (Confissões da Bahia [1591-92] - Denunciações da Bahia [1592-1593] - Denunciações de Pernambuco {1593-1595} [incluindo Itamaracá e Paraíba] – Confissões de Pernambuco {1594-1595} [incluindo Itamaracá e Paraíba]). Pode-se identificar aí diversas pessoas que se ocuparam com a prática médica nos locais onde moraram:

d) na Capitania do Espírito Santo temos Pero Anriques, cristão-novo, físico e cirurgião;

e) na Capitania da Bahia, registro João Vaz Serrão, cristão-novo, que era cirurgião;

f) na Capitania de Pernambuco cite-se Gaspar Rodrigues, cristão-novo, boticário, Luis Antunes também boticário, Gaspar Fernandes, cristão-novo, barbeiro, Gaspar Rodrigues Covas, cristão-novo, cirurgião, Antonio Trevisan, cristão-novo, boticário, além de outro cristão-novo não identificado, casado com Maria Alvares, que também era boticário;

g) na Capitania de Itamaracá cito Agostinho Lourenço, cristão-velho, barbeiro, assim como Maria Fernandes, cristã-velha mameluca, parteira, Julião de Freitas, cristão-velho mameluco, cirurgião e Fernão Soeiro, cristão-novo, cirurgião (já falecido em 1594);

h) na Capitania da Paraíba, pertencente à Coroa, não se encontra ninguém naquelas fontes porém o saudoso Prof. Dr. Heronides [Alves] Coelho Filho, médico e historiador pernambucano que muito cedo se tornou paraibano, entendia que era médico o famoso cristão-novo Ambrósio Fernandes Brandão, autor do Diálogo das Grandezas do Brasil, obra monumental das nossas letras históricas (Medicina, doenças e médicos nos primeiros anos da Paraíba). O primeiro capítulo dessa obra estava sendo redigido em 1618 e diga-se aqui mais uma vez que, diferente da opinião que certo autor local mal informado tem divulgado, essa data de 1618 nada tem a ver com a publicação original desse texto, ocorrida somente no Século XIX. Como já afirmei noutro local, Ambrósio Fernandes Brandão, nascido em Portugal, foi homem apatacado; mantinha residência em Lisboa e possuiu inicialmente um engenho de açúcar em Pernambuco (São Lourenço da Muribara, hoje São Lourenço da Mata), tendo depois levantado mais três engenhos na Paraíba onde veio a se estabelecer no início da colonização desta terra (Levantamento das publicações do Diálogo das Grandezas do Brasil com algumas notas sobre o seu mais do que provável autor). Enfim, se ele não foi de fato um médico, sem dúvida foi um naturalista de saber enciclopédico. O fato é que a predominância de judeus e cristãos-novos entre os profissionais da Arte Médica no Brasil se estendeu desde os primeiros tempos da nossa colonização até meados do Século XVIII e sua maior afluência parece ter ocorrido durante o domínio holandês em Pernambuco (1630-1654), particularmente entre 1635 e 1638, tema sobre o qual me ocuparei mais adiante de forma superficial.

Do ponto de vista institucional foi somente a partir da criação do Governo Geral no Brasil que chegou com Thomé de Sousa (1549) o primeiro profissional habilitado em Medicina, o cristão-novo Jorge de Valadares, nomeado pelo Rei D. João III com o título de Físico-Mor da Cidade do Salvador e vencimento anual de 24 mil reis acrescidos de 40 reis mensais para seu sustento. Dessa maneira, sua função fundamental era administrativa (regulamentação da atividade médica sob uma fiscalização virtualmente impraticável na época) embora ele não estivesse impedido de exercer o seu ofício. Ao que parece, os moradores comuns dessa cidade, entretanto, não deviam constituir a população-alvo da prática médica do Físico-Mor, mas sim a elite e a nobreza da terra.

O povo de Salvador em geral e também das demais urbes da colônia recorria geralmente aos outros físicos e cirurgiões habilitados, quando dispunham. Menos raros então eram os práticos desse ofício, os barbeiros-cirurgiões, os boticários e os barbeiros que, além de aparar cabelo e barba escarificavam a pele, lancetavam abscessos, extraíam dentes, faziam curativos, tratavam mordeduras de cobras, aplicavam sanguessugas, ventosas e clisteres, possuindo ou não a legalizadora “carta de examinação” conferida por profissional habilitado. Importante é dizer que por esse tempo a grande carência de moeda de contado obrigava o paciente a pagar em produtos da terra o preço previamente ajustado com seu facultativo.

Consta que naquele tempo era incomum enriquecer com esse tipo de atividade. Enfim, o cristão-novo Jorge de Valadares exerceu o cargo de Físico-Mor em Salvador até o ano de 1553. Com o Governador Thomé de Sousa (1549) veio também o primeiro boticário nomeado oficialmente para este ofício no Brasil, ou seja, o cristão-novo Diogo de Castro que auferia o salário anual de 15 mil reis. Igualmente com Thomé de Sousa chegaram os primeiros jesuítas (padres e irmãos noviços) a Salvador liderados pelo padre Manoel da Nóbrega, S. J., os quais começaram não somente sua valiosa obra missionária nesta colônia como também a chamada medicina jesuítica, em geral de melhor qualidade que a já aí exercida, a qual era praticada junto à população indígena e aos colonos da terra, pelos irmãos enfermeiros (alguns cirurgiões) e pelos irmãos boticários. O Padre Serafim [Soares] Leite, S. J., afirma que: “Os três primeiros enfermeiros do Brasil foram o Irmão (depois Padre) João Gonçalves na Baía, e o Ir. (depois Padre) Gregório Serrão em S. Paulo de Piratininga, a quem sucedeu o Ir. (depois Padre) José de Anchieta” (Artes e Ofícios dos Jesuítas no Brasil - 1549-1760). Nessa sua obra o autor relaciona mais de 150 religiosos enfermeiros, cirurgiões e boticários que praticaram a Arte de Curar ao longo daquele período (1549-1760).

Esses religiosos levavam para as aldeias indígenas o que se pode chamar botica de campanha. Já nos Colégios da Companhia de Jesus havia enfermarias e boticas para a assistência à população local. Sabe-se, por exemplo, que em 1760 o Colégio do Pará, ao ser fechado, possuía em sua botica 20 obras de Medicina e mais de 400 remédios nas estantes, além do aparato técnico para sua confecção. Por sua vez a Capitania da Paraíba durante muito tempo ficou privada desse tipo de assistência à saúde por conta da expulsão dos inacianos aí ocorrida em 1593 até o ano de 1683.

Nesse ano a Companhia de Jesus retornou para empreender um estabelecimento pleno na terra e seus padres, além do missionamento de algumas poucas aldeias indígenas, trabalharam na lenta formação do efêmero Colégio de São Gonçalo na Paraíba, fechado em 06 de fevereiro de 1760 com a expulsão dos Jesuítas de toda a colônia. Por outro lado, segundo a mesma fonte jesuítica, a partir do final do Século XVII houve nos Colégios dos Jesuítas também médicos externos (não religiosos) que prestavam atendimento médico, em caráter permanente, sob remuneração, tais como o Dr. Júlio Mário, francês, falecido no Recife em 1685, o Dr. Porfírio Poflitz, médico do Colégio do Pará em 1692, o Dr. Manuel Mendes Monforte, português, cristão-novo, que chegou à Bahia em 1698  e atuou aí até 1721, além do Dr. Manuel Nunes Leal que também atuou depois no Colégio da Bahia.

Continuando o Governo Geral, com a esquadra do segundo governante D. Duarte da Costa, chegou outro cristão-novo, o licenciado Jorge Fernandes, nomeado Físico-Mor em Salvador (1553) com um ordenado anual de 60 mil reis. Vinha ainda um cirurgião chamado Mestre Pedro. Relato agora um fato interessante ocorrido por esse tempo. Em agosto de 1557 o padre Manoel da Nóbrega, S. J., andava bastante doente, ocasião em que escreveu da Bahia uma carta (hoje impressa mais de uma vez) ao padre Miguel de Torres, S. J., em Lisboa, onde dizia que o Físico-Mor o estava tratando. Termina essa carta dizendo: “... porque a mim de-vem-me já de ter por morto, porque ao presente fiquo deitando muito sangue pella boca. O medico de quá [ou seja, o cristão-novo Jorge Fernandes] hora diz que hé vea [veia] quebrada, ora que hé do peito, hora que pode ser da cabeça: seja donde for, eu o que mais sinto hé ver a febre ir-me gastando pouco a pouco.” (Cartas dos Primeiros Jesuítas do Brasil, v. II). Esta carta também mereceu destaque numa obra exemplar de Bella Herson (Cristãos-novos e seus descendentes na medicina brasileira).

Com o terceiro Governador Geral, Mem de Sá, veio em 1557 o Mestre Afonso Mendes, cristão-novo, com o título de Cirurgião-Mor em Salvador nas partes do Brasil, recebendo o ordenado anual de 18 mil reis, valor que depois foi acrescido de mais 6 mil reis anuais para também dirigir a Botica Real em Salvador. Tempos depois, já em 1591, veio à cidade do Salvador outro cristão-novo para servir como Cirurgião-Mor no governo de D. Francisco de Sousa. Recebia para tanto o salário de 16 mil reis.

Enfim, os cargos de Físico-Mor e de Cirurgião-Mor vieram a ser extintos em 1782, dando lugar à Real Junta do Protomedicato que centralizava as respectivas competências através de seus delegados com autoridade inclusive nos domínios ultramarinos. Esta nova configuração perdurou até 1808 quando foi extinta, ressurgindo um regulamento para as atividades do Físico-Mor e do Cirurgião-Mor, cuja jurisdição abrangia o Reino de Portugal e Agaves por meio dos seus delegados.

Trago agora uma curiosidade digna de registro no que toca à Medicina indígena. Esta notícia foi veiculada no Orbe Serafico Novo Brasilico (que em edição definitiva passou a se chamar Novo Orbe Serafico Brasilico) por frei Antonio de Santa Maria Jaboatão, O. F. M. Ele a encontrou num antigo manuscrito franciscano. Vê-se aí uma peculiar crendice terapêutica que ainda não vi ressaltada. Diz respeito aos índios potiguara, antropófagos e inimigos dos tabajara, dos caeté e dos tapuia do interior.

O fato teria se passado numa determinada aldeia potiguara em que um padre da Companhia de Jesus “achou a huma India, já muy velha, e no ultimo da vida. Applicou-lhe primeiro toda a medicina da alma, e vendo-a já bem disposta espiritualmente, e a grande fraqueza em que estava, e o sumo fastio, que mostrava, querendo-lhe applicar também algum alento para o corpo, lhe disse: (fallando-lhe ao modo da terra) minha Avó, (assim chamaõ as que são muy velhas) se eu vos dera agora hum bocado de açúcar, ou algum outro conforto lá das nossas partes do mar, não o comerias ? Respondeu-lhe a velha, e a que já julgava o Padre bem disposta para morrer: Ay meu Neto, nenhuma cousa da vida desejo, tudo me aborrece já, só uma cousa me poderia tirar agora este fastio.Se eu tivera agora huma mãozinha [certamente moqueada] de um Rapaz Tapuya, de pouca idade, e tenrinha, e lhe chupara aquelles ossinhos, então me parece tomára [eu] algum alento {Eis o resultado terapêutico deste curioso remédio]: porèm eu, coitada de mim, já não tenho quem me vá frechar hum destes!”. Dessa maneira o significado da antropofagia, tão própria dos nossos índios, ia além do valor ritualístico de vingança e de incorporação das qualidades do inimigo a ser morto, tais como bravura e coragem; possuía adicionalmente propriedades terapêuticas indicadas em pacientes geriátricos e inapetentes.

Não se pode esquecer aqui da assistência à saúde prestada desde meados do Século XVI, embora ainda de forma precária, nos hospitais das beneméritas instituições pias conhecidas como Casas da Santa Misericórdia ou Santas Casas que também contavam com uma igreja e, quando possível, um hospital (muito mais um albergue para doentes). Aliás, as Capitanias de Pernambuco e de São Vicente ainda hoje disputam a primazia da fundação da primeira Instituição desse gênero no Brasil, às quais se seguiu a de Salvador. Na Paraíba a Casa da Santa Misericórdia foi fundada por Duarte Gomes da Silveira, natural de Olinda, um dos heróis da conquista desta terra e um de seus primeiros colonos. Doou a quantia de seis contos de reis para a edificação dessa instituição pia principiada em torno de 1590, onde reservou para si uma Capela sob a invocação do Salvador do Mundo, levantada na parede lateral da Igreja. Na sua cripta deveriam ser inumados, não somente ele mas também sua família e descendentes. Diferente do que se afirma por aí, esta obra já estava concluída ou virtualmente acabada em 08 de janeiro de 1595, data em que da Igreja da Misericórdia da Paraíba saiu a solene procissão de instalação da Primeira Visitação do Santo Ofício na Paraíba, tendo a frente o Visitador Heitor Furtado de Mendoça.

Mais tarde, no raiar de 1630, Pernambuco sofreu a invasão neerlandesa orquestrada pela Companhia das Índias Ocidentais, a qual se expandiu para quase todo o Nordeste, domínio este que perdurou até 1654. A região ocupada passou a receber grande afluência de judeus e cristãos-novos (dentre os quais, profissionais da saúde), provenientes das Províncias Unidas dos Países Baixos. Essa afluência mais se adensou entre 1635 e 1638. É que a partir de 1635 os flamengos haviam conseguido ultimar o domínio sobre as terras por eles invadidas mediante a conquista da Paraíba (depois de dois fracassos consecutivos), a que se seguiu em Pernambuco a rendição do Arraial (Velho) do Bom Jesus e do Forte de Nazaré, derradeiros focos de resistência ao invasor. A partir daí, de acordo com José Antonio Gonsalves de Mello [Neto], os judeus e cristãos-novos migrados para as Províncias Unidas (oriundos de várias nações inclusive de Portugal) se sentiram estimulados a tentar uma vida nova no Novo Mundo. Assim eles solicitaram licença (além de algum tipo de benefício como passagem gratuita e comida durante a viagem) a fim de residirem no Brasil holandês. Dentre eles haviam barbeiros, barbeiros-cirurgiões e médicos.

Aliás, um deles, Jacob Moreno, acompanhado da esposa, pediu licença e passagem a fim de poderem se estabelecer na Paraíba, onde ele pretendia abrir uma tenda de cirurgia. Outro físico e boticário judeu que veio para Pernambuco se assinava Dr. Abraão Mercado, o mais notável de todos, que vendia medicamentos ao governo holandês. Também médico e boticário no Recife foi o Dr. Musaphia que em 1650 vendeu medicamentos ao governo holandês no valor de 400 florins. Por volta de 1641 o judeu Dr. Nunes exerceu no Recife o ofício de cirurgião. Por sua vez o judeu Luis Mendes também exerceu aí o ofício de cirurgião (Gente da Nação. Cristãos-novos e judeus em Pernambuco). Apenas como curiosidade, o primeiro governante neerlandês (Diretor) da Capitania da Paraíba, Dr. Servaes Carpentier, era formado em medicina entretanto não há notícia de que tenha praticado esta profissão no Brasil. De todo modo, um irmão seu, Gerard Carpentier, foi boticário engajado nas tropas de ocupação desta terra. É importante registrar que durante o período neerlandês o Recife chegou a possuir dois hospitais que estavam sempre lotados.
No ano de 1637 chegou o Conde de Nassau-Siegen para governar no Brasil o território até então já conquistado e o que ainda viesse a conquistar. Era um homem preparado e culto. Aqui estabeleceu um governo politicamente esclarecido além de tolerante, até certo ponto, para com a liberdade de consciência, principalmente em relação aos judeus. Dentre seus acompanhantes de apoio pessoal destacam-se dois nomes ligados à medicina e à história natural. Um deles era o seu físico, Willem Pies (Guilherme Piso), nascido em Leiden, e o outro o naturalista Georg Marcgraf (George Marcgrave), natural de Liebstadt. Numa época de virtual obscurantismo quanto às ciências médicas e quanto à história natural desta terra, esses dois homens trouxeram luzes fundamentais com suas pesquisas nessas áreas. Desgraçadamente, o mundo luso-brasileiro do seu tempo nunca tomou conhecimento da grandiosidade do trabalho que realizaram porque aos olhos de Portugal eram participantes de um projeto invasor além de membros da tida como herética religião cristã reformada. A obra que ambos produziram, independente de sua importância, jamais receberia naquele tempo a chancela das três licenças da Coroa Portuguesa para poder ser impressa. Enfim, essa obra monumental para a sua época foi publicada em Leiden no ano de 1648 e recebeu o título latino de Historia Naturalis Brasiliae e está dividida em duas partes. A primeira parte, da autoria de Willem Pies, é chamada de De Medicina Brasiliensi, e a segunda parte, denominada Historiae Rerum Naturalium Brasiliae. Na primeira parte o autor descreve diversas condições mórbidas encontradas no Brasil como os catarros, os males dos olhos, o estupor dos membros, a bouba, a opilação, o tétano, a hidropisia, o prolapso, os fluxos do ventre, o tenesmo, o cólera, as disenterias, a úlcera e inflamação do ânus (doença do bicho ou bicho del culo [maculo], as lombrigas, a lues, as feridas e as úlceras, os furúnculos e a impigem. Dedica-se também aos medicamentos da terra.
Dando sequência a este assunto, menciono agora apenas algumas obras adicionais de natureza médica que surgiram a partir do século XVII. Aliás, nesta relação não faltam autores cristãos-novos, cujas obras  __  quando acessíveis nestas plagas pois a imprensa no Brasil só começou em 1808 __ serviam de fonte de consulta para físicos e cirurgiões locais dentre os mais interessados. Cumpre, pois, mencionar inicialmente o português médico cristão-novo chamado Simão Pinheiro Morão que morou em Pernambuco onde exerceu sua profissão e aí veio a falecer. Utilizando o anagrama de Romão Mosia Reinhipo ele publicou em Lisboa (1683) o Trattado unico das bexigas, e sarampo. Ao que parece esta é foi a primeira obra da literatura médica brasileira em língua portuguesa. Antes dele, outro médico português chamado Aleixo de Abreu, físico da Câmara Real de Espanha, esteve em Angola onde estudou o escorbuto (conhecido ainda como Mal de Loanda e assim Camões o havia nominado). Enfim, em 1623 publicou em Portugal porém em língua espanhola o Tratado de las siete enfer-medades ...
Assinalo a seguir o médico cristão-novo chamado João Ferreira da Rosa que publicou em Lisboa, no ano de 1694 o Tratado único da constituiçam pestilencial de Pernambuco, dedicado unicamente ao estudo da febre amarela. Alguns anos mais tarde, em 1707, surgia em Lisboa uma obra dedicada exclusivamente ao maculo, denominada Noticias do que he o achaque do Bicho da autoria de Miguel Dias Pimenta, que era familiar do Santo Ofício e residente em Pernambuco, como informa na respectiva página de rosto. Registro agora José Rodrigues de Abreu, outro familiar do Santo Ofício e médico del Rei, além de Cavaleiro professo da Ordem de Cristo (o que vale dizer cristão-velho), o qual  publicou em 1733, na cidade de Lisboa, a obra intitulada Historiologia Medica ... Um cirurgião lusitano que residiu na Bahia, chamado João Cardoso de Miranda, publicou em Lisboa no ano de 1741 uma obra intitulada Relaçaõ Cirurgica, e Medica (reeditada lá mesmo em 1747) onde versava sobre um novo método para tratar o escorbuto ou Mal de Loanda. Há ainda uma obra de natureza pedagógica publicada em Paris, cujo autor, Antonio Nunes Ribeiro Sanches, foi um cristão-novo português, médico, historiador, filósofo, pedagogo e enciclopedista. Trata-se do Methodo para Aprender e Estudar a Medicina (1763). Concluo esta sequência com a obra de José Jacob Plenck, traduzida para o português pelo médico lusitano e cristão-novo Manoel Joaquim Henriques de Paiva sob o título de Doutrina das Enfermidades Venereas...,  dada à luz em Lisboa no ano de 1786.
Por outro lado, durante boa parte do Século XVIII recrudesceu no Brasil a perseguição aos cristãos-novos por ordem da Inquisição de Portugal. Por esse tempo entraram em cena os Familiares do Santo Ofício desta terra a quem, na condição de denunciantes, cabia um terço de todo o patrimônio dos réus (fossem eles culpados ou não). Muitos cristãos-novos foram presos e encaminhados para Lisboa. Segundo Arnold Wiznitzer o primeiro marrano a ser enviado preso para Lisboa foi justamente um médico residente na Bahia chamado Francisco Nunes de Miranda que ouviu sua sentença em 19 de fevereiro de 1701. Além destes, nos anos seguintes houve vários outros médicos e boticários em igual situação (Os Judeus no Brasil Colonial).
Numa outra amostragem do mesmo período, analisada por Anita Waingort Novinsky, dentre os cristãos-novos alcançados pela Inquisição no Brasil houve sete médicos e um boticário que exerciam sua profissão na colônia, os quais vieram a ser presos e enviados a Lisboa onde mais tarde cumpriram suas sentenças penitenciais em autos de fé. Dentre eles cinco médicos eram do Rio de Janeiro (Francisco de Siqueira Machado, João Nunes Vizeu, Theodoro Pereira da Costa, Diogo Correa do Valle e Diogo Cardoso Coutinho; outro era de Paracatu (Antonio Ribeiro Sanches) e o último, Manuel Mendes Monforte, residia na Bahia (citado há pouco como um dos médicos contratados pelo Colégio dos Jesuítas); Já o cristão-novo boticário era de Paracatu (João Henriques) (Inquisição. Inventários de bens confiscados a cristãos-novos). A estes acrescente-se o médico João Tomás de Castro, natural do Rio de Janeiro, que aos 31 anos de idade foi queimado vivo em Lisboa pela Inquisição, como informa Francisco Adolpho de Varnhagen (Historia Geral do Brasil).
Ainda em tempo, não poderia deixar de assinalar aqui que, como nos informa o médico e historiador Dr. Guilherme [Chambley] Studart (Barão de Studart), por volta do início da segunda metade do Século XVIII, chegou à Capitania do Ceará o médico italiano Dr. José Balthazar Augeri, nascido em Piemonte, onde se casou e fixou residência dando origem à famosa família de nome Saboia, apelido patronímico por ele adotado (Datas e Factos para a Historia do Ceará, v. I). Aliás, dentre seus três filhos, um foi o cirurgião licenciado Luiz Carlos de Saboia e outro foi o boticário com carta de aprovação Vicente Maria Carlos de Saboia (IdemGenalogy.com).
Caminhando já para o final, ao longo da segunda metade do Século XVIII, mais precisamente a partir de 1772, ocorreu em Portugal a benfazeja Reforma dos Estatutos da Universidade de Coimbra promovida pelo Marquês de Pombal (daí Reforma Pombalina) que proporcionou um real ganho de qualidade no ensino superior de Portugal, já então muito defasado em relação ao restante da Europa. Essa mudança curricular e pedagógica vinha sendo propugnada por alguns portugueses iluminados que residiam fora da Pátria, entre eles o médico e cristão-novo Antonio Nunes Ribeiro Sanches, há pouco citado. Por esse tempo, diante da proibição de se criar cursos superiores no Brasil, alguns poucos estudantes ricos desta terra já iam em busca deles noutros países da Europa como Espanha (Salamanca), França (Montpellier) e Reino Unido (Edinburgh). Principalmente a partir da Reforma da Universidade de Coimbra (1772) foi crescendo o número de estudantes brasileiros nesta Universidade, interessando mais aqui os estudantes de medicina. Vejamos primeiramente os brasileiros estudantes de medicina em Montpellier no Século XVIII. De acordo com João Vinícius Salgado et al., houve 15 estudantes de medicina em Montpellier entre 1767 e 1791. Sete deles eram oriundos da cidade do Rio de Janeiro (Jacinto Silva Quintão [1778], José da Maia Barbalho [1787], José Camara R. Gusmão [1790], Vicente Gomes da Silva [1791], Manuel Souza Ferraz [1791], José Vidigal Medeiros [1791] e José Joaquim Carvalho [1792]). Quatro outros provinham das Minas Gerais, respectivamente de Vila Rica, Mariana, Juiz de Fora e São Gonçalo do Sapucaí (Joaquim Seixas Brandão [1767], Ignacio Ferreira Camara [1785], Domingos Barbosa Lage [1786] e Faustino José Azevedo [1793]).
Um outro vinha de Salvador (Joaquim Souza Ribeiro [1787]). Quanto a Eleuterio José Delfim, aparentemente matriculado em 1786, não se sabe onde nasceu. Restam ainda dois irmãos tidos como pernambucanos porém nascidos na Paraíba (Francisco Arruda da Camara, homônimo do pai [1790] e Manuel Arruda da Camara [1791]) (Brasileiros Estudantes de Medicina em Montpellier no Século XVIII).
Permitam-me tecer aqui algumas poucas palavras acerca destes dois paraibanos. O primeiro deles teve menos importância, inclusive para o seu próprio irmão, ao que parece. Sua tese de doutorado defendida em 1790 recebeu o título de Positiones nonnullae circa variolarum inoculationem. Não tenho notícia de sua atuação como médico, mas sim como político e proprietário rural. Por sua vez, o ilustre doutor em medicina Manuel Arruda da Camara (muito mais um naturalista) foi inicialmente carmelita calçado sob o nome de frei Manuel do Coração de Jesus Arruda, O. C. C., na época em que estudava na Universidade de Coimbra, matriculado no curso de filosofia (1786) e também no curso de matemática (1787) (Rodolpho Garcia - Estudantes Brasileiros na Universidade de Coimbra – 1772-1872). Sua vida e obra foram estudadas, mais do que ninguém, por José Antonio Gonsalves de Mello [Neto]. Em quase todos os passos acompanho aqui este autor. Não há dúvida de que seu nome correto era Manuel Arruda da Camara (e não Manuel de Arruda Camara).
O fato é que a seguir o vemos sem a identificação religiosa e matriculado no curso de medicina da Universidade de Montpellier. Defendeu a tese Disquisitiones quaedam physiologico-chemicae, de influentia oxigenii in aeconomia animali, precipue in calore, et colore hominum (1791). Sua obras impressas incluem o Aviso aos Lavradores (1792), Memoria sobre a barrilha (1792?), Anuncio dos descobrimentos (1795), Memoria sobre a cultura dos algodoeiros (1797), Dissertação sobre as plantas que dão linhos (1809), Discurso sobre a instituição de jardins (1809) e A almécega e a carnauba (1809) (Manuel Arruda da Câmara – Obras Reunidas). No que concerne aos estudantes brasileiros que estudaram medicina na Universidade de Coimbra temos a publicação já citada, que Rodolpho Augusto de Amorim Garcia fez nos Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro (v. LXII, 1942). Restrinjo-me aqui apenas ao período compreendido entre 1772 e 1808 em que é possível reunir 48 brasileiros que lá se formaram.
A fim de não sobrecarregar esta distinta audiência com a declinação de tantos nomes, menciono somente os médicos mais antigos lá formados naquele recorte cronológico em cada um dos atuais Estados do País: Joaquim José Alves (Mariana – MG)[1772], Francisco de Mello Vasconcellos e Lima (Bahia) [1772], Estacio Gularte Pereira (Rio de Janeiro) [1773], João Francisco de Sousa (Pernambuco) [1777], José Bento Monteiro da Franca (Paraíba) [1787], Matheus Valente do Couto (Pará) [1795], Lourenço Belfort (Maranhão) [1795] e João Nepomuceno da Silva Paulista (São Paulo) [1795] (Estudantes Brasileiros na Universidade de Coimbra – 1772-1872)

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Minhas senhoras e meus senhores: até agora venho usando já em demasia o tempo que me foi concedido; portanto, encerro estas palavras através das quais pude apenas respingar algumas gotas sobre o tema Médicos e Medicina no Brasil dos Primeiros Séculos. Tanto quanto possível, bem ou mal, procurei contemplar o território do antigo Estado do Brasil e do antigo Estado do Maranhão, bem como do Brasil holandês sem esquecer a minha pequenina e querida Paraíba.

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