Thursday, January 28, 2010

ROOSEVELT & VARGAS EM NATAL (RN)

Roosevelt e Vargas em Natal (RN), no dia 28 de janeiro de 1943, em foto do Acervo do CPDOC/Fundação Getúlio Vargas (Clique na ilustração para ampliá-la)


NADA teve a ver com a OTAN o Encontro Roosevelt-Vargas em Natal (RN)...


Nunca se supôs fosse necessário insistir numa obviedade destas — mas declarações recentes na Capital potiguar tornam imperioso relembrar os fatos históricos como eles realmente ocorreram


EVANDRO DA NÓBREGA
Escritor, Jornalista, Editor
http://druzz.blogspot.com
druzz.tjpb@gmail.com


Este material é também gentilmente reproduzido pelos seguintes URLs:

*Blog Cultural El Theatro, de Elpídio Navarro [www.eltheatro.com];

*Portal PS on Line, de Paulo Santos [www.psonlinebr.com]; e

*Jornal A União On Line [www.auniao.pb.gov.br]





Em entrevista recém-publicada em Natal (RN), afirma uma autoridade da Cultura, a certo andar da carruagem (e publica-se a coisa sem verificação), que o presidente americano Franklin Delano Roosevelt teria se encontrado nessa cidade nordestina, em 1943, com o então ditador brasileiro, Getúlio Vargas, "para traçarem um pacto da OTAN" (?!).

Natural que autoridades norte-rio-grandenses, sobretudo natalenses, queiram preservar, com propósitos históricos e turísticos, a tradicional Rampa, local ora praticamente abandonado, embora aí tenham ocorrido as sem dúvida importantes conversações entre Roosevelt e Vargas. Afinal, selaram-se na oportunidade acordos que para sempre mudariam o destino do Brasil. Acordos que tanta relevância e tão profunda influência teriam na vida do próprio Rio Grande do Norte — e, por que não dizer, do Nordeste e do país.

No entanto, daí a se afirmar que de Natal partiram quaisquer entendimentos em torno da... Organização do Tratado do Atlântico Norte vai enorme distância! Se a Rampa vai se transformar efetivamente num ponto turístico, eis algo a se louvar na criatividade natalense. Mas o interesse por mais esse local de romaria turística no Nordeste não se pode basear em meias-verdades ou até em inverdades.

PARA QUE FIQUE BEM CLARO
Para que fique bem clara esta observação — o encontro entre Roosevelt e Vargas em Natal (RN), no dia 28 de janeiro de 1943, nada teve a ver com a OTAN! —, basta dizer, inicialmente, que a Organização do Tratado da Aliança do Atlântico Norte, sendo “do Norte”, naturalmente excluía a América do Sul et pour cause o Brasil.

Com base em Bruxelas (Bélgica), a OTAN surgiria, como já se vê pela designação, em decorrência do “Tratado do Atlântico Norte”, aliança militar assinada em 4 de abril de 1949, entre vários governos, para sua defesa coletiva.

O Tratado (e a consequente Organização) apareceram com o escopo seguinte: se qualquer dos membros da aliança viesse a ser atacado por entidade não pertencente ao grupo, os demais tinham a obrigação de tomar suas dores — com sérias consequências para o agressor, tendo em vista o poder de fogo multilateralmente agregado.

EXPLICANDO DIREITINHO AS COISAS
Em função da posterior guerra da Coréia, a OTAN veio a se transformar numa ainda mais poderosa superestrutura militar e política. Não à toa, os EUA — um dos principais vencedores da II Guerra Mundial, ao lado da URSS, Inglaterra etc — nela figuravam como a maior potência-líder do grupo. A essa altura, já não era possível contar a URSS entre os Aliados. Pelo contrário: Governos europeus temiam uma invasão soviética. E havia problemas, dentro da própria organização, por causa da inegável liderança dos EUA, de modo que a França se retirou da OTAN em 1966.

Governantes franceses nunca quiseram aceitar com fairplay isso de haverem perdido terreno para os EUA, no concerto das nações, em termos de poderio econômico, prestígio e influência global. E, ao mesmo tempo ciumentos e ressentidos, não abriam mão da necessidade de desenvolverem seu próprio programa nuclear.

Mas vamos ver o porquê de o encontro natalense entre o presidente americano Roosevelt e o ditador brasileiro Getúlio Vargas nada ter a ver com qualquer coisa ligada à OTAN. Primeiro, a reunião aconteceu bem antes de se pensar em OTAN. Na capital potiguar, Roosevelt e Getúlio se encontraram em janeiro de 1943 (cerca de seis anos antes, portanto). E de sua agência mútua não constavam, nem podiam constar, quaisquer conversações alusivas ao Tratado do Atlântico Norte.

O QUE FOI REALMENTE DISCUTIDO
Os principais fatos discutidos pelos dois líderes, o dos EUA e o do Brasil, nessa "Conferência de Natal" (também chamada de “Conferência de Potengi”, em alusão do rio do mesmo nome) foram os seguintes:

a) como navios brasileiros haviam sido atacados por submarinos alemães, justificava-se plenamente a entrada de nosso país na Grande Guerra Mundial, ao lado dos Aliados (à frente os EUA);

b) os EUA concordavam em assinar acordos de ajuda militar e de outra ordem para a criação da FEB (Força Expedicionária Brasileira), reunindo forças do Exército, da Marinha e da Aeronáutica;

c) em contrapartida, o Brasil enviaria contingentes (tropas militares) à Europa, em apoio às forças americanas, especialmente na Itália; a participação da FEB não foi extensiva, mas se revelou marcante, inclusive para a tomada de algumas posições alemães em território italiano;

d) o Governo americano concordou em acelerar o processo de industrialização do Brasil, ajudando a implantar a depois célebre CSN (Companhia Siderúrgica Nacional), sem dúvida grande passo para deslanchar a economia nacional;

e) outra contrapartida do Governo brasileiro: permitir a instalação da estratégica base americana em Natal (RN), geograficamente mais próxima das costas africanas e da Europa; é bem verdade que o ponto mais oriental das Américas era e continua sendo o Cabo Branco, no litoral de João Pessoa (PB), mas Roosevelt e Vargas não estavam interessados nessas firulas... "turísticas", de modo que a base aeronaval ficou mesmo em Natal (e, se Você olhar bem o mapa, verá que Natal acha-se de fato mais próxima da Europa que João Pessoa); não se descartava a instalação de outras bases do mesmo tipo, mas, com o término da guerra, isso não foi necessário;

f) os EUA precisavam urgentemente de novos suprimentos de látex, já que a violenta conflagração internacional, com o Japão atento em todo o Pacífico, Mar da China etc, interrompera o fornecimento dessa matéria-prima para a fabricação da borracha, antes feito pela Ásia; o acordo neste sentido acertado entre Roosevelt e Vargas ampliaria consideravelmente a migração de nordestinos para a região amazônica, em busca do “ouro branco” extraído dos seringais; e

g) aos americanos também interessavam, adicionalmente, algumas riquezas minerais brasileiras; era o caso das micas em geral e da xilita (schelita, scheelite etc, importante minério do tungstênio), bem como, no litoral e em trechos de rios, as reservas de areias monazíticas, as quais, com sua rara concentração natural de minerais pesados, constituem rica fonte de monazita, tório (em especial o isótopo 232), urânio, cério, lantânio (com várias aplicações); tanto é que as areias monazíticas da Índia e do Brasil, depois daquelas da Carolina do Norte, destacaram-se na indústria mundial até a II Guerra, entrando depois em cena a Austrália); o tório, cuja demanda viria a decair posteriormente, voltaria a ser importante para a condução de programas nucleares.

SERRAS QUE PERDERAM AS “PONTAS”
Fato testemunhado pelas populações locais — mas aí já ingressando no pantanoso território das lendas — é que, em clima “misterioso”, aviões oriundos da Base Aérea de Natal (RN) levavam grandes quantidades de “terra bruta” das serras e serrotes de Santa Luzia (PB) e adjacências. Serras & serrotes houve, segundo se dizia nas décadas de 1950 e 1960, que antes eram “pontudas” e deixaram de sê-lo, ao término de tais voos...

O que quer que fossem tais “visitas” ao Sabuji e ao Seridó paraibanos, isso se devia, claro, ao já citado interesse pelos minérios que pudessem resultar em componentes úteis ao esforço de guerra. E não esquecer que um município vizinho da mesma região do Sabuji e do Seridó — só que no Rio Grande do Norte, pois se trata de Currais Novos, a 172 km de Natal — abriga a maior mina de xilita da América do Sul, a Brejuí.

NAMORANDO O NAZIFASCISMO
Vargas — sem dúvida, um dos políticos mais importantes e influentes do Brasil, no século XX — estava por essa época embalado por sua própria ideologia pós-positivista ou neo-positivista e por alguns chefes militares brasileiros, os quais namoravam mais ou menos abertamente os regimes fortes da Alemanha (Hitler) e Itália (Mussolini).

Dessa forma, Getúlio desejava inicialmente manter o Brasil neutro na II Grande Guerra. Mas foi forçado, mesmo a contragosto, a romper relações diplomáticas e comerciais com os países integrantes do Eixo (Alemanha, Itália e Japão), aos quais logo depois declarava guerra, em virtude da comoção popular ante 1) o ataque japonês a Pearl Harbour; 2) o torpedeamento de navios brasileiros por submarinos tedescos; e 3) a invencível pressão dos EUA.

E O MIHAIL MANOILESCU?
En passant, relembre-se que o regime varguista ou, para dizer com todas as letras, o Estado-Novo, abraçava muitas ideias do corporativismo fascista italiano e também — como demonstrou pesquisa minha publicada em volume da Coleção “Perfis Parlamentares” da Assembléia Legislativa do Estado da Paraíba — as propostas de um por aqui paradoxalmente obscuro ideólogo corporativista romeno, Mihail Manoilescu (1891-1950).

Esse Manoilescu — mesmo de forma inconsciente para os discípulos e sem nunca haver pisado no Brasil — influenciou muitos empresários, economistas, dirigentes, administradores e políticos brasileiros, graças a traduções de trabalhos seus, feitos em São Paulo e alhures.

O ROTEIRO ROOSEVELT-VARGAS
Os locais em que a dupla Roosevelt-Vargas esteve em 1943, no giro por Natal (RN), incluem o chamado "Pátio da Rampa", de onde partiram os dois, acompanhados de chefes militares e assessores, passando seguidamente pela Ribeira e as Rocas, até alcançarem a então chamada Avenida Junqueira Alves (hoje Avenida Câmara Cascudo).

Esse trajeto igualmente incluiu as ruas ou avenidas Ulisses Caldas, Princesa Isabel, João Pessoa, Deodoro da Fonseca, Jundiaí, Prudente de Morais, Potengi, Hermes da Fonseca e Salgado Filho, até chegar à rodovia (BR-101) e, depois, ao local da Base Aérea de Natal.

UMA OBRA DE OSVALDO ARANHA
Roosevelt não viera a Natal diretamente de Washington ou mesmo dos EUA. Procedia da África e o aeroporto de base militar mais próximo, no Continente americano, era obviamente Natal.

Como resultado de entendimentos prévios, o então ditador Vargas dirigiu-se ao Rio Grande do Norte, chegando à sua capital com outras autoridades e assessores de alto coturno, além de diplomatas, altas patentes militares e adidos americanos.

NO “PARNAMIRIM FIELD”
Num veículo militar, Roosevelt e Vargas visitaram diversas unidades das Forças Armadas, não apenas no Distrito de Parnamirim. Estiveram, assim, no 16º. Regimento de Infantaria, na Base Naval e na Base Aérea (ou, como era mais conhecida dos americanos, “Parnamirim Field”, o “Campo de Parnamirim”).

Esse “campo” — utilizado nos anos de 1940 como base de apoio ao transporte (aéreo e de superfície) de tropas americanas e de suprimentos bélicos para o Norte africano e também para a Ásia — é hoje usado pelo CATRE (Comando Aéreo de Treinamento) na formação de pilotos militares em combates aéreos. Fato muito citado é que, num comboio que se estendeu por três dias, passaram pela Base Aérea de Natal as armas pesadas utilizadas na decisiva batalha de al-Alamein, no Norte da África.

O encontro dos dois principais líderes dos EUA e do Brasil resultara de bem feito trabalho de aproximação devido ao diplomata Osvaldo Aranha, ministro do Exterior brasileiro.

OUTROS PRESENTES AO ENCONTRO
Durante o encontro de Natal, entre outras presenças, além de Roosevelt e Vargas, destacaram-se as

1) do (inicialmente vice-almirante e depois) almirante Jonas Howard Ingram (1886-1952) — não Ingran, ao contrário do que costumam grafar historiadores tupiniquins que, diferentemente dos Brazilianists americanos & britânicos com relação a nós, teimam em não escrever corretamente os nomes das pessoas cujas biografias estudam; pelos esforços do almirante Ingram, comandante das forças do Atlântico Sul e da IV Esquadra dos EUA, com responsabilidades, portanto, sobre as forças de terra, mar e ar no Brasil, essas unidades alcançaram alto grau de eficiência, com a Marinha brasileira ajudando os EUA a manterem, abaixo da linha do Equador, o desejado controle do Atlântico Sul; em 15 de novembro de 1944, por seus feitos, o almirante Ingram seria designado comandante-em-chefe da Frota Americana no Atlântico, com as incumbências de a) assegurar o fluxo de materiais e tropas das Américas até a Europa; e b) destruir os barcos alemães na área;

2) do embaixador americano no Brasil, Jefferson Caffery (1886-1974), que, nessa condição, aqui atuou entre 17 de agosto de 1937 e 17 de setembro de 1944, tendo sucedido ao embaixador Hugh S. Gibson (1883-1954), que servira no posto entre 1933 e 1936, e sido substituído pelo diplomata Adolf Augustus Berle, Jr., embaixador do Brasil entre 1945 e 1946;

3) do cônsul ianque em Natal (RN), Harold Sims (e não Simms, como quase sempre se grafa), que, em 1938, fora vice-cônsul americano em Recife (PE); a fase natalense de Sims viria a ser analisada, em 1990, entre as páginas 28 e 39 do fascículo I no volume 49 do periódico Tennessee Historical Quarterly, nos EUA, pelo historiador William J. Brinker, em seu artigo “Harold 'Mose' Sims: World War II Consul in Natal” [algo como “Harold Sims, conhecido por Mose e cônsul em Natal durante a II Grande Guerra”];

4) do antigo major-general Robert LeGrow Walsh (1894-1985), que —oriundo do Comando Geral da Força Aérea americana em Washington (DC) — se tornou, entre 1942 e 1944, em Natal (RN), inicialmente oficial-comandante e, depois, general-comandante da Divisão de Transporte Aéreo do Atlântico Sul; dentre os presentes ao encontro natalense, foi este um dos oficiais que tiveram carreira mais trepidante, chegando a comandante-geral do Comando Leste das Força Aérea Estratégica dos EUA na Europa e a membro da Missão Militar americana a Moscou; sob o comando desse militar é que Natal passou a sediar o Quartel-General da Divisão Atlântico Sul do Comando de Transporte Aéreo (ainda hoje existe nesse local uma placa alusiva); a partir de 1944, Walsh foi sucessivamente assistente especial do Comando Geral da Força Aérea americana para Assuntos Latino-Americanos (Washington, DC); membro do Birô Interamericano de Defesa da US Air Force; comandante-em-chefe o 12º. Comando Tático-Aéreo em Kissingen (Alemanha); diretor de Inteligência do Comando Europeu, baseado em Berlim, ficando a seu comando a arregimentação de cientistas, técnicos e outros especialistas alemães, para que não caíssem em poder dos soviéticos; somente se afastaria das Forças Armadas americanas em 1953, depois de servir no Comando Conjunto EUA-Canadá e sempre tido em alta conta como piloto, coordenador de ações e combates aéreos, conselheiro militar e observador de táticas militares de ar e superfície;

5) do comandante da Segunda Zona Aérea, brigadeiro Eduardo Gomes;

6) do comandante da Base Naval natalense, almirante Ary Parreira [1893-1945], que, tendo sido seu construtor e dirigente, emprestaria seu nome à atual Base [Base Aérea “Almirante Ary Parreira”];

7) do comandante da 14ª. Divisão de Infantaria, general Gustavo Cordeiro de Farias; e

8) do então Interventor Federal no Rio Grande do Norte, Rafael Fernandes.

NAZIFICAÇÃO DO BRASIL
Não se pode esquecer que a Alemanha de então desenvolvia amplo e ambicioso projeto de nazificação de toda a América do Sul, a partir do Brasil. Escolas em Santa Catarina e noutras partes do país ensinavam alemão como primeira língua; aí e no Rio Grande do Sul, como noutras paragens aparentemente nacionais, pululavam os grupos nazifascistas, muito bem organizados.

Através de diplomatas e comendadores, a Itália também procurava puxar brasas para sua sardinha. Um pequeníssimo exemplo disso foi o presente dado pelo próprio Mussolini à cidade de Natal (RN): a célebre "Coluna Capitolina", assim chamada por provir do Monte Capitólio (Capitolinus em latim, Campidoglio em italiano).

COLUNA CAPITOLINA DE NATAL
Pois bem, essa Coluna Capitolina de Natal — que também serviria de piadas em torno dos "Quintas-Colunas" ou traidores galinhas-verdes do Integralismo tupiniquim de Plínio Salgado — veio, portanto, diretamente de Roma. E isso como agradecimento do regime fascista à boa acolhida (claro, o povo natalense sempre foi superacolhedor) dada pelos rio-grandenses-do-norte aos aviadores Carlo del Prete e Arturo Ferrarin (também Ferrarini). Eles, a 5 de julho de 1928, haviam atingido o território potiguar, aterrissando na cidade de Touros, depois de voo de quase 50 horas e de mais de 7 mil quilômetros, sem escalas, a partir da capital romana. A viagem desenvolvera-se num avião Savoia-Marchetti de prefixo S-64.

A Coluna Capitolina romano-natalense — de quase 6 m de altura — foi inaugurada em 8 de janeiro de 1931. Mas, considerado símbolo fascista pela Esquerda, viu-se derrubada e bastante danificada pelos revolucionários da chamada Intentona Comunista de 1935. Depois de uns tempos desaparecida, viria a ser restaurada e é hoje citada até em sites russos, como recentemente verifiquei. Se muito não laboro em erro, a primeira localização da Coluna restaurada, a partir de 8 de janeiro de 1941, foi a Esplanada do Cais do Porto (bairro da Ribeira), passando depois para a Praça João Tibúrcio. E, finalmente, levaram-na para a Praça Carlos Gomes (Baldo), onde ainda hoje se encontra.

SUÁSTICAS NA PARAÍBA
Por causa disso, não — porque, também na Paraíba, houve caso mais ou menos parecido, envolvendo o então Governador Antônio Mariz. Logo depois de assumir o Governo, mandou-me chamar e me pediu rápida pesquisa entre intelectuais, artistas, historiadores: deveria mandar arrancar as suásticas nazistas existentes no piso de uma sala no Palácio da Redenção? Mais de 80% dos ouvidos manifestaram-se contra a erradicação de tais mosaicos, ali instalados décadas antes por arquitetos/engenheiros ítalo-paraibanos admiradores do regime nazi.

"Paradoxalmente", como ele mesmo me disse, Mariz mandou arrancar, com cuidado, esses azulejos cerâmicos e os enviou encaixotados para o IPHAEP (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Paraíba), onde ainda hoje se encontram — sem visibilidade, mas historicamente conservados. E Mariz me explicou seu argumento irrespondível: “Como iria eu receber aqui, digamos, o embaixador israelense, pisando nesses símbolos nazistas?!”

QUOD ERAT DEMONSTRANDUM...
Mas, enfim, voltando ao tema original deste escrito, é isto aí: o encontro de Vargas com Roosevelt em Natal (RN) nem de longe teve algo a ver com a OTAN — nem mesmo com o Plano Marshall para a recuperação da Alemanha em particular e da Europa em geral...

Tuesday, January 12, 2010

A TRAGÉDIA DO PADRE ARISTIDES TAMBÉM EM ROMANCES




O sacerdote-político — morto por soldados da Coluna Prestes, em 1926, no Piancó, Sertões paraibanos — não está apenas nos livros de História, na Imprensa e nos folhetos de cordel



"[Para que me credencie a defender minha verdade], começo por manifestar a humildade de saber que existem outras verdades — e que elas são tão sustentáveis quanto as minhas; e [...] a única razão pela qual [...] um democrata passa a ter o direito de defender sua verdade é exatamente o respeito que ele manifesta pela verdade alheia." — Mário Covas (1930-2001), em discurso no Senado Federal, no ano de 1989.



Evandro da Nóbrega
Escritor, Jornalista, Editor
http://druzz.blogspot.com
druzz.tjpb@gmail.com



Este material é também gentilmente reproduzido pelos seguintes URLs:


*Blog Cultural El Theatro, de Elpídio Navarro [www.eltheatro.com];


*Portal PS on Line, de Paulo Santos [www.psonlinebr.com]; e


*Jornal A União On Line [www.auniao.pb.gov.br]




Este é mais um daqueles textos que parecem agradar aos leitores e que começam assim: "Poucos sabem, mas a verdade é que...".


Pois bem, pouca gente sabe disto, aqui, na Paraíba, terra onde os fatos se deram — mas a verdade verdadeira é que o padre Aristides Ferreira da Cruz (1872-1926), um dos "mártires de Piancó", não é citado apenas por livros de História, na Imprensa e em folhetos de cordel da Paraíba em particular e do Nordeste em geral.


ÉRICO VERÍSSIMO & DOMINGOS PELLEGRINI


Ele, o padre Aristides, figura histórica mui conhecida dos sertanejos, de há muito também se tornou personagem (meio de ficção, meio de realidade) de pelo menos um par de romances de dois importantes escritores nacionais: o romancista gaúcho Érico Veríssimo e o escritor e contista paranaense Domingos Pellegrini.


Sobre Érico Veríssimo, não carece dizer nada, tão conhecido é dos leitores, mesmo os de hoje. Além do mais, veio a ser pai do escritor e cronista Luís Veríssimo, outro imenso artista de nossas Letras. Mas é talvez necessário aduzir algo sobre o paranaense Domingos Pellegrini, não tão citado em nossas plagas, apesar de já haver lançado uma penca de livros relevantes — e de já ter recebido dois Prêmios Jabuti de Literatura, em 1977 e 2001.


Pellegrini, nascido em Londrina (PR), no ano de 1949, já lançou uma pá de livros, destacando-se especialmente no conto, no romance, na poesia, no livro juvenil. Entre suas obras, a ênfase vai para Terra vermelha (a história da colonização do Paraná); O caso da Chácara Chão; e O homem vermelho (contos), os dois últimos premiados. O multifário Pellegrini — escritor, poeta, jornalista, publicitário, articulista, cronista e figura bem conhecida e amada em Londrina — reside na tal Chácara Chão do título de um de seus livros. E escreve principalmente para o Jornal de Londrina e para a revista Globo Rural, entre outras publicações.


LENDO O “BACHAREL FEROZ”


Érico cita o padre Aristides no romance tripartite O arquipélago [Editora Globo, Porto Alegre, 1961-1962]. Quem leu essa trilogia ainda na década de 1960, pôde intuir: para colocar o sacerdote piancoense como personagem de sua obra romanesca, Veríssimo sem dúvida inspirara-se no imperdível livro Coluna Prestes: Marchas e combates.


Vem a ser o fiel relato feito pelo "secretário" da mais longa marcha revolucionária já vista pela Humanidade, o Dr. Lourenço Moreira Lima. Era ele o "bacharel feroz", de família paraibana, filho do segundo presidente do Tribunal de Justiça do Estado, o desembargador Joaquim Moreira Lima e neto do comendador de igual nome.


Veríssimo deve ter lido a segunda edição da obra de Moreira Lima, saída pela Editora Brasiliense, em 1945, com 631 páginas (a primeira edição, em dois volumes, aparecera em 1931). De todo modo, o Padre Aristides surge, aí, como personagem por assim dizer eventual ou en passant.


O mesmo ocorre com o uso que dele faz Domingos Pellegrini em sua bela história No coração das perobas [Record, Rio de Janeiro, 2002] — embora sua presença tenha real importância para a trama dos dois romances.


PIANCÓ, POR SI SÓ, JÁ SIGNIFICARIA PAVOR


Tupinólogos há que sustentam: Piancó quer dizer ‘evolução’. Para outros, significaria ‘terror’, ‘pavor’, ‘aquele que leva medo aos inimigos’. Tal nome foi dado a um dos chefes indígenas dos coremas que habitavam a região depois conhecida como Vale do (rio) Piancó.


Pavor foi exatamente o que sentiu a então Vila de Piancó, no Alto Sertão da Paraíba, quando, a 8 de fevereiro de 1926, soube da aproximação da Coluna Prestes, que, egressa do Ceará e do Rio Grande do Norte, adentrara o território paraibano. Não era realmente "a Coluna Prestes", mas apenas um pequeno grupo de um dos Destacamentos da própria.


Ao amanhecer da terça-feira, dia 9, praticamente todos os habitantes da Vila tinham dado às de Vila-Diogo — isto é, fugido para as serras, fazendas ou localidades vizinhas, levando pertences.


Ficou em Piancó apenas reduzido aglomerado de civis e militares armados, sob a liderança do polêmico chefe político local, o padre Aristides Ferreira da Cruz. Esse sacerdote estava suspenso das ordens da Igreja Católica, desde 1912, isto é, havia 14 anos, por viver maritalmente com uma moça.


Com amigos, o padre Aristides montou quatro piquetes para receber à bala possível invasão da Vila pelos homens de Prestes.


BANDEIRAS BRANCAS NOS TETOS


Ocorre que, tendo visto bandeiras brancas pelas estradas e em tetos de casas, muitos revolucionários da Coluna achavam que iriam ser recebidos em Piancó sem resistência.


Desta forma é que um pequeno grupo — formado apenas por alguns poucos homens do Destacamento Cordeiro de Farias, sob o comando do capitão Manoel de Oliveira Pires (capitão Pretinho) — desceu a ladeira que dá para a Vila de Piancó. O capitão Pretinho, muito querido pelos revolucionários, ia à frente, a cavalo, vestido à gaúcha, com suas bombachas e lenço vermelho ao pescoço.

Vamos suspender um pouco o relato sobre o que houve na Vila de Piancó para relembrar algo do que ocorrera poucos dias antes, no Ceará e no Rio Grande do Norte, com os Destacamentos da Coluna Prestes, inclusive envolvendo o capitão Pretinho.


FOI DIFERENTE DE CRATEÚS


Poucos dias antes — mais exatamente na madrugada de 13 para 14 de janeiro, na Vila de Crateús (CE), a 354 quilômetros de Fortaleza e cuja quase totalidade da população também fugira espavorida —, esse mesmo capitão Pretinho participara, com muitos outros homens da Coluna Prestes, do cerco à pequena mas importante localidade cearense, onde havia entroncamento de ferrovias.


Nessa ida a Crateús, registrou-se acirrado confronto entre a milícia cearense e os revolucionários, no momento liderados pelo tenente João Alberto, comandante de um próprio Destacamento da Primeira Divisão Revolucionária.


PRETINHO FANTASIADO DE MENDIGO

O capitão Pretinho entrara em Crateús vestido de mendigo, a fim de observar a movimentação das forças inimigas.


No domingo anterior, o padre Juvênio, então vigário de Crateús, advertira sobre a quase certeza de os rebeldes de Prestes passarem pela Vila. Aconselhara aos fiéis que procurassem ficar a salvo de qualquer tiroteio, retirando-se para povoados ou distritos, serras ou fazendas. Poucos ficaram na sede municipal.


De sua parte, o tenente Peregrino, da Polícia Militar cearense, reuniu uma centena de soldados para fazer frente aos possíveis invasores. Esses tinham muita experiência militar e não chegaram de uma vez. Preferiram dividir-se em pequenos grupos, que se acercaram de Cratéus por diferentes pontos.


Mas, de repente, na tarde do dia 16 de janeiro, um dos grupos faz contato com a milícia legalista. Esta, abrigada numa igreja, abriu fogo contra os revolucionários, iniciando-se cerrado tiroteio na Praça da Estação Ferroviária.


Não foi possível desalojar as forças legalistas que atiravam do templo e, nesse “pega-pra-capar”, morreram o tenente Tarquínio e o cabo Antonino, conhecido como Cabeleira, depois sepultados pelos companheiros nos arredores de Crateús (bairro da Boa Vista).


COLUNA PRESTES EM ARNEIROZ


O Destacamento do tenente João Alberto entrara no Ceará nas imediações da cidade de Ipu. Ultrapassara os trilhos da ferrovia para Sobral e ocupara não só esta localidade, como também Nova Russas, Nova Olinda e Crateús.


Quando o grupo de João Alberto partiu finalmente da Vila de Crateús foi para, entre os dias 25 e 26 de janeiro, alcançar a Vila de Arneiroz, no Sertão de Inhamuns, ainda no Ceará e às margens do rio Jaguaribe. Foi aí que se reuniu à outra parte da Coluna Prestes, que chegara à mesma localidade e ficara à espera deles.


Também ali aderiu aos revoltosos o Sr. Pedro Costa, chefe político da localidade de Várzea Alegre, mas expulso dela por perseguição política (mais ou menos como ocorrera bem antes com o padre Aristides, em Piancó, sendo que o sacerdote paraibano, diversamente, era do situacionismo).


NO CEARÁ, MAS SEM JUAREZ TÁVORA


Interessante é que os revolucionários haviam chegado ao Ceará (e dele saído) sem contarem com a presença, em seus efetivos, do único oficial cearense da Coluna Prestes, o capitão tenentista (e também comandante) Juarez Távora.


Ele fora preso pelas forças legalistas logo depois da incursão a Teresina. O capitão Juarez somente voltaria a se reencontrar com seus companheiros de Coluna na segunda quinzena de janeiro de 1927, já em Mato Grosso.


COLUNA VINHA COM 1,5 MIL HOMENS

Em terras cearenses, para fugir à perseguição, confundindo as milícias governamentais e as tropas irregulares de jagunços, os 100 homens comandados por João Alberto tiveram que marchar forçadamente, fazendo até 100 km por dia. João Alberto fez tais movimentações para dar cobertura ao restante dos Destacamentos, que puderam invadir o território cearense, por outras áreas, quase sem resistência, embora por ínvios caminhos.


Duas semanas depois de partir de Teresina, portanto, o comandante João Alberto e seus 100 homens já estavam novamente reunidos, já nas imediações da fronteira com o Rio Grande do Norte. A Coluna Prestes, a essa altura, contava com uns 1 mil 500 homens.


ALGO MAIS SOBRE ARNEIROZ


Saindo de Arneiroz, os revolucionários... Bem, antes de prosseguirmos, façamos pequena pausa. O termo “Arneiroz” merece comentários, por digressivos que pareçam. O termo original era arneiros, plural de arneiro (sinônimo de arnado), significando “terreno arenoso”, “terra infértil”, “terreno estéril”, “terra sáfara”, “terra seca”, “crivo”, “joeira”. Vem do latim arenarius [local de muita areia] ou arenaria [areal, lugar de onde se tira areia].


O étimo faz parte de uma constelação de palavras usadas por escritores como Vergílio, Ovídio, Cícero e outros: arena [areia, lugar cheio de areia, arena, terreno, anfiteatro]; arenae, plural do anterior [mas com o sentido de bancos de areia, deserto, gladiador, palco de circo]; arenaria [areal]; arenosus [substantivo = terreno arenoso]; arenosus, arenosa, arenosum [adjetivo = arenoso, como se lê principalmente na Eneida, de Vergílio]; arens, arentis [adjetivo = seco, ressequido, árido, abrasador, sedento]; areo, ares, arae [do verbo aere = estar seco, ser abrasador, estar com sede]; aesco [do verbo arere = tornar seco, secar, secar-se, perder a umidade]; aridus e ardus [seco] etc.


No latim medieval/português arcaico existia a forma arenariola, diminutivo de arenarius ou arenaria. E em Portugal há localidade com a designação de Arneiros, que se passou ao Ceará, transformando-se depois em Arneiroz.


JUAZEIRO E PADRE CÍCERO


Com o que podemos retornar a nossa história. Saindo de Arneiroz, evitou a Coluna Prestes encontrar-se com os ajuntamentos de jagunços e fanáticos, reunidos em torno do Juazeiro do Padre Cícero Romão e imediações. Para isto, a Coluna teve que marchar em direção ao Leste. A 29 de janeiro, os revoltosos atravessaram a estrada de ferro que liga a Capital cearense, Fortaleza, à dita cidade de Juazeiro. Isto foi feito nas proximidades de Iguatu.


No Ceará, apenas 20 voluntários aderiram aos revolucionários, com eles seguindo caminho, diferentemente do que ocorreu com a família Feitosa, que, apesar de fazer oposição ao governo cearense, recusou o convite de se juntar aos revoltosos em sua marcha pelo Brasil.


“BATALHÕES PATRIÓTICOS”


De qualquer modo, a adesão desses novos voluntários compensava, em parte, a perda de seis companheiros, vitimados pela malária no Maranhão e no Piauí. O maior perigo, agora, entrando no Rio Grande do Norte e, depois, na Paraíba, seriam os jagunços ou milicianos irregulares. Esses grupos, reunidos à Polícia, perseguiam tenazmente os revolucionários, a exemplo dos chamados “batalhões patrióticos” — um dos quais se formara recentemente no Juazeiro do Padim Ciço, reunindo romeiros, devotos e cabras do chefe político Floro Bartolomeu.


Antecipando o que ainda será contado adiante: um contingente desse “batalhão patriótico” — a cavalo, armado até os dentes e com a santa ira provocada pelo trucidamento do padre Aristides — chegou a seguir o rastro do Primeiro Batalhão Revolucionário, já a partir de um dia depois de sua saída do Vale do Piancó.


NO RIO GRANDE DO NORTE


Já no extremo Sudoeste do Rio Grande do Norte — cuja fronteira atravessaram no dia 3 de fevereiro de 1926, nas proximidades de São Miguel —, os revoltosos mudaram de rumo para o Sul, com vistas, em termos gerais, a atingir a Paraíba e, depois, a cidade de Triunfo, em Pernambuco.


Avançaram para o território paraibano, nesta ordem: primeiramente, o Destacamento de Cordeiro de Farias; depois, o comandado por Djalma Dutra; e, finalmente, o Destacamento liderado por Siqueira Campos.


Quando a Coluna alcançou a fazenda Maniçoba [Não confundir com outras fazendas da mesma designação, no Nordeste, como a antiga fazenda Maniçoba das Pedreiras, em Pernambuco], ficou a três léguas de distância da serra do Pereiro, na divisa do Ceará com o Rio Grande do Norte.


O grosso da Coluna subira a serra do Pereiro pela ladeira dos Miuns, enquanto o Destacamento de Djalma Dutra ia pela outra ladeira, a da Esperança, a poucas léguas de distância daquela. A tropa começou a subir as encostas pelas 5 h da tarde, terminando essa subida na manhã de 4 de fevereiro, quando o capitão Pretinho alcançou a Coluna, depois de bater uma força inimiga que se confrontara com seu esquadrão, destacado em serviço de reconhecimento.


A ladeira de Miuns galga pela encosta da montanha (serra do Pereiro) em ziguezagues terríveis — uma autêntica trilha de cabras silvestres, coberta de pedras soltas de todos os tamanhos e coruscando por entre altos penedos pontiagudos. Dá passagem a apenas um homem de cada vez.


RUMO A PATOS (PB), TRIUNFO (PE) & ALHURES


Para isto, e depois de vencida ainda a Serra do Pereiro, onde se registraram escaramuças com milícias e outras tropas irregulares norte-rio-grandenses, teriam os revolucionários que passar primeiramente, já em território paraibano, pelo Vale do Piancó, mais exatamente pela Vida de Piancó.


Em Coremas (que os paraibanos conhecem mais por lá se encontrar o afamado complexo hídrico de Coremas-Mãe d’Água), uma parte da Coluna fez bivaque, para descanso dos homens. Bivaque é quando tropas acampam ao ar livre, em barracas ou abrigos naturais, especialmente árvores — e, em Coremas, havia, como ainda as há, muitas oiticicas, que fornecem sombra e refrescam os campos.

Pretendia a Coluna Prestes, alternativamente, ultrapassar o Vale do rio Piancó e dirigir-se à cidade de Patos, de onde poderiam controlar as estradas principais para Campina Grande, para a Capital da Paraíba e para a fronteira com Pernambuco.


Prestes e demais comandantes esperavam receber em Triunfo (PE) notícias de seus aliados em Recife e na Capital paraibana, que haviam prometido rebelar as principais guarnições locais do Exército. Isto não foi possível, por causa de uma traição sofrida pelos revolucionários — mas, a essa altura, ninguém no Alto Comando da Coluna sabia de tais fatos.


CHEGANDO À VILA DE PIANCÓ


Mas voltemos ao acontecimentos na Vila de Piancó, naquela fatídica terça-feira, 9 de fevereiro de 1926.


Acredita-se que aquele pequeno grupo de revolucionários, ao se deslocar pela rua do Conselho Municipal (uma espécie de Prefeitura), sob o comando de nosso já conhecido, o capitão Pretinho, buscava encontrar a sede da cadeia da Vila de Piancó. Aí, quem sabe, poder-se-iam “requisitar” armas, munição etc. E, talvez, até soltar alguns presos vítimas de perseguições políticas. Ocorre que um dos piquetes estava localizado justamente na cadeia pública, sede da delegacia de Polícia.


Assim, quando esse minguado agrupamento de rebeldes entrou na rua do Conselho Municipal, tiros vindo do piquete dos policiais comandados pelo sargento Manuel Arruda feriram mortalmente o Capitão Pretinho, um dos mais queridos coluneiros.


Seguramente, na Vila de Piancó, foram feridos, uns mortalmente, outros não, os capitães Manoel de Oliveira Pires (capitão Pretinho) e João Batista dos Santos, além do tenente Agenor Pereira de Sousa. Como se viu, perdeu também a vida o sargento Lino (Laudelino da Silva), dizem uns que com um tiro no peito, ao passo que outros sustentam que foi na cabeça.


Houve um momento em que o padre Aristides ordenou se levantasse, na casa, um pano branco, pedindo trégua, que foi concedida. Era para a cozinheira (eventual) da residência, Dona Antônia César de Lima, deixar o local com duas crianças, o que foi feito. Logo depois, o tiroteio recrudesceu.


ENTRE MORTOS & FERIDOS


No livro de Lourenço Moreira Lima, lê-se que “caíram feridos, logo no início do combate, e quando avançavam desassombradamente contra a cadeia, os Capitães Manoel de Oliveira Pires e João Batista dos Santos, além de vários soldados, alguns dos quais igualmente mortos.


Quanto ao tenente Agenor Pereira de Sousa, que, no embate de Piancó, havia sido também ferido — mortalmente ferido, como se veria depois —, ele foi levado pelos companheiros. Mesmo sem poder andar, continuou assim a marcha, levado pelos amigos. A 7 de abril de 1926, chegou de padiola à cidade baiana de Minas do Rio de Contas [inicialmente o povoado de Pouso dos Crioulos e depois a antiga Vila Nova de Nossa Senhora do Livramento das Minas do Rio de Contas, hoje apenas Rio de Contas, integrante do polo ecoturístico da Bahia], para onde

seguira a Coluna Prestes, ao deixar Pernambuco.


VIVANDEIRA TAMBÉM DEGOLADA


Riocontenses se condoeram do realmente grave estado de saúde do tenente Agenor. Seus companheiros de Coluna, sabendo que, de fato, lhe restavam poucos dias de vida, lá o deixaram, no Rio de Contas, aos cuidados da população, de seu irmão Alibe (de 17 anos de idade) e de uma belíssima vivandeira, Albertina (de seus 22 anos). Ela era também gaúcha e, aparentemente, caíra de amores pelo ferido.


Para azar geral, depois que a Coluna Prestes deixou a cidade, apareceu por lá um "batalhão patriótico". Um dos tenentes dessa tropa de mercenários, agindo ainda mais miseravelmente do que costumam agir os de sua laia, degolou não apenas Albertina como da mesma forma Alibe — porque ela se recusara a satisfazer seus apetites sexuais. Esse miserável ainda circulou com a cabeça decepada da moça, mostrando-a aos soldados legalistas, com risos de mofa.


GRUPO VOLTA COM REFORÇOS


O pequeno grupo da Coluna Prestes que antes das 8 h da manhã penetrara na Vila de Piancó foi rijamente atacado e se retirou às pressas ou como pôde, deixando estendido ao chão, morto, o capitão Pretinho, além do cavalo desse, também atingido pela fuzilaria, e soldados que perderam a vida logo no primeiro momento.


Mas, cerca de 20 minutos depois, o mesmo grupo de revolucionários retornou, só que dessa vez altamente reforçado com gente do Destacamento Cordeiro de Farias.


Logo depois, acudiam também efetivos do Destacamento Djalma Dutra. Foi então gravemente ferido o tenente Valfrido, desse último Destacamento de Djalma Dutra, que avançava para o centro da Vila de Piancó, em apoio aos homens do Destacamento de Cordeiro de Farias.


“TODO O PIANCÓ QUEIMADO”


Irados com a má recepção vinda dos habitantes e principalmente com a morte do Capitão Pretinho, cuja vida "todo o Piancó, queimado, não pagaria", os homens de Prestes se lançaram sobre a Vila dispostos a vingar a perda e punir os responsáveis pelo que consideravam uma traição.


Em inícios da tarde, muitos dos defensores da cidades arranjaram jeito de fugir. Permaneceu apenas o grupo liderado, numa casa, pelo padre Aristides, sob intenso tiroteio.


REVOLUCIONÁRIOS MAIS IRRITADOS


Quando a porta da frente se abriu, um sargento da Coluna Prestes, Laudelino da Silva (Lino), também muito querido entre os revolucionários, tentou entrar na casa, de arma em punho. Mas caiu morto, ao levar um tiro vindo do interior da residência. Uns escrevem que ele foi atingido no peito; outros, que foi na cabeça.

Essa nova baixa fez com que os atacantes da casa perdessem de vez a paciência. Irritadíssimo, o comandante Djalma Dutra mandou que o sargento João Baiano fosse buscar uma lata de gasolina numa oficina mecânica (Dutra vira a lata ao passar por lá) e a jogasse numa janela frontal da casa. A intenção era incendiar a residência, para ver se os resistentes se rendiam. A gasolina explodiu com estrondo. Em seguida, foram jogadas no interior da casa, pela janela, algumas bombas de gás ou de efeito moral, claro que ainda com o objetivo de forçar uma rendição.


Aproveitando que a atenção geral se voltava para essa janela frontal, dois dos amigos do padre tentaram fugir por uma janela lateral. Só um teve êxito, embora ferido. O outro, também baleado, morreu na hora.


NÃO ACREDITARAM QUE ERA PADRE


Finalmente, os rebeldes conseguiram penetrar na sala da frente da residência, ainda enfrentando resistência no corredor.


O Padre — que não estava de batina, mas de calças e camisa comuns, em cor branca, com suspensórios — finalmente se entregou, pedindo clemência para os seus e declarando sua condição de sacerdote.


— Padre?! Que nada! Você vai é pagar com a vida pela morte de nossos companheiros! — disseram-lhe os irados revolucionários.


COMO FOI O BÁRBARO TRUCIDAMENTO


O padre Aristides e seus homens remanescentes viram-se arrastados da casa para um barreiro próximo.


Sabendo que, certamente, iria morrer degolado, segundo o bárbaro costume de cangaceiros, jagunços, macacos, policiais militares e até soldados da Coluna que os chefes não logravam conter, Aristides insistiu em declarar-se sacerdote, ser o responsável por tudo e pedir clemência para os amigos.


Pediu também que lhe dessem um tempo para rezar e se preparar para a morte. Isto lhe foi igualmente negado.


O RITUAL DO SANGRAMENTO OU DEGOLA


E, na exaltação dos ânimos, ocorreu o sumário ritual do trucidamento por degola. Inquirido, de joelhos e de costas para o carrasco, o infeliz tem o queixo fortemente levantado para cima, de modo que fique com a carótida à mostra e olhando para a face do verdugo. Súbito, este lhe corta a garganta com profundo golpe de faca-peixeira ou facão. Tal qual se sangra(va) um porco.


Gaúchos até ensinavam a “melhor técnica” de sangrar um infeliz: mantém-se o prisioneiro de costas para o executor, com as mãos amarradas para trás; coloca-se a ponta da faca junto à ponta do nariz da vítima; esta, instintivamente, levanta o rosto a fim de não ser atingida nesta parte do rosto pela arma branca; e o carrasco aproveita então para dar profunda facada, de lado a lado, na garganta, cortando-lhe a carótida. A morte advém em questão de minutos. Por isso é que a senhora que viu o corpo do padre Aristides, à noite, à luz de um candeeiro, afirmou que havia “enorme buraco” na garganta dele.


O BARREIRO TINTO DE SANGUE


O barreiro (que, obviamente, era cor de barro) logo se tornou inteiramente tinto do sangue do padre e de seus companheiros. Depois, um dos soldados chegou ao requinte de castrar Aristides e lhe enfiar os testículos boca adentro.


Foi o padre Aristides o último a resultar executado, tendo assistido, portanto, à degola de todos os seus amigos/guarda-costas. Seu cadáver, segundo reza a tradição local, recebeu ainda muitos socos e chutes, golpes de punhal e cusparadas.


INTERPRETAÇÃO DOS REBELDES


Assim interpretaram os revolucionários o episódio do levantamento dessa bandeira branca e da degola dos defensores de Piancó, nas palavras do “secretário” da Coluna Prestes, Lourenço Moreira Lima:


“A velha tradição da degola, que imperava nas guerras civis dos Pampas, fora combatida pelos oficiais revolucionários como um costume bárbaro. Porém, a torpeza do deputado-cangaceiro [refere-se, claro, ao padre Aristides], simulando por duas vezes consecutivas um ato de rendição, para disparar contra os adversários, havia despertado a fera. Miguel Costa e Prestes não permitiram que seus comandados tornassem a se deixar dominar por ela, até o final da Grande Marcha”.


IMPARCIALIDADE DE OTAVIANO


A esse e a outros pontos já respondeu muito bem, em seu livro Os mártires de Piancó, o padre Manuel Otaviano.


Otaviano, que ocupou a vaga de vigário deixada por Aristides em Piancó, não era propriamente amigo do padre Aristides, mas conseguiu escrever livro altamente equilibrado sobre as trágicas ocorrências, inclusive com os antecedentes — e as consequências, que, segundo o velho Conselheiro Acácio, “sempre vêm depois”.


MORTO COM OS QUATRO FILHOS


Deixando os corpos do padre Aristides e de seus companheiros no tal barreiro, os homens da Coluna Prestes ainda encontraram, nas imediações da Vila de Piancó, outro amigo do padre Aristides. Este, tendo recebido recente apelo do sacerdote no sentido de ajudá-lo a defender a localidade, estava indo para lá com quatro filhos (e com bastante atraso, como se vê), a fim de atender ao apelo do sacerdote, que ainda julgava vivo.


Esses cinco (o pai e os quatro filhos) foram também mortos, tendo o corpo (ainda com vida) de um de seus filhos, ao que se diz, sido amarrado à cauda de um cavalo e arrastado caatinga afora, até finar-se. Enquanto isto, em Coremas, Prestes e outros altos comandantes da Coluna não sabiam que esses fatos horrendos estavam acontecendo bem perto de seu lugar de descanso.


MEMORIAL PADRE ARISTIDES


No lugar do trucidamento do padre Aristides, existe Memorial cuja fotografia saiu publicada num dos mais recentes livros do mui respeitável intelectual vale-piancoense Franciraldo Loureiro Cavalcante.


Franciraldo lá esteve, com outros luminares, como Gonzaga Rodrigues e Francisco das Chagas Lopes — e pôde rever a lista das mais de 15 vítimas do destino, além do padre, todos sacrificados nessa refrega que ninguém podia prever e que ainda hoje paira, como mancha negra, acima da aura de civismo e dos reais serviços prestados à democratização brasileira pela impressionante Coluna Prestes.


MAIS DE 60 MORTOS?


Ao todo, morreram 23 piancoenses nesse incrível recontro, sendo que a maioria foi degolada (sangrada). Eram eles quase todos aqueles que se encontravam com o padre Aristides, em sua residência, e não conseguiram fugir. Do lado da Coluna Prestes, as informações dos próprios revolucionários, se críveis, são de que teriam morrido nada menos que 40 homens, enterrados por seus companheiros, lá mesmo, em Piancó. Mas o Vale do Pajeú reclama a honra de ter o cadáver do capitão Pretinho sepultado às margens do rio que lhe dá nome...


Um dos amigos do padre Aristides — que escapara da morte pulando uma janela da casa-piquete, embora tendo levando um tiro — foi quem liderou, no dia seguinte, quarta-feira, 10 de fevereiro de 1926, o sepultamento dos corpos do sacerdote e de seus companheiros de infortúnio.


O combate em Piancó durara das 8 h da manhã, aproximadamente, até as 3 h da tarde.


COLUNA PRESTES EM PERNAMBUCO


Já na madrugada do dia 13 de fevereiro (pouco mais de três dias após o sangrento combate em Piancó), a Primeira Divisão Revolucionária da Coluna Prestes alcançava o território pernambucano.


Aí penetrou num ponto situado entre 1) a localidade de Ingazeira — a 390 km de Recife e na região do Pajeú, não devendo Ingazeira ser confundida com seu antigo distrito de Afogados de Ingazeira, hoje município, também às margens do rio Pajeú — e 2) o município de Flores, também no Vale do Pajeú e perto de São José do Egito, Triunfo e Serra Talhada.


Tanto que, logo, no mesmo dia 13, os revolucionários estavam na Vila de Triunfo, conforme acertado com o tenente pernambucano Cleto Campelo — que se responsabilizara por rebelar as guarnições militares de Recife e da Capital paraibana. Mas este já é outro trepidante episódio da Coluna Prestes.


LIVRO DO DESEMBARGADOR CORIOLANO


A propósito, e como adiante será mais detalhadamente referido, sairá brevemente outro livro do Desembargador Coriolano Dias de Sá, do qual somos Editor. Esta nova obra intitula-se justamente Roteiro da Coluna Prestes e esmiúça o percurso (e a repercussão) da Coluna em todo o País, especialmente, na Paraíba e em Piancó.


Um dos mais importantes documentos reproduzido pelo Desembargador, nesse livro, é o relatório apresentado pelo então tenente-coronel Elysio Sobreira ao Governo do Estado da Paraíba, com detalhes sobre a constituição dos tais “batalhões patrióticos” que combatiam a Coluna Prestes.


Citando especificamente o “batalhão patriótico” organizado no Ceará para caçar os revolucionários na Paraíba, dizia o militar, à época, que esse agrupamento “cívico-militar” era em 90% formado por criminosos comuns, bandoleiros, cangaceiros, estupradores, assassinos profissionais e por aí vai.


BANDIDOS NO ENCALÇO DA COLUNA


Esses “soldados” irregulares, arrebanhados pelos Governos estaduais fiéis ao presidente Artur Bernardes para combater a Coluna Prestes, arrombavam portas, achacavam chefes políticos e suas famílias e promoviam outras insanas barbaridades.


Assim fizeram especialmente em Sousa, com o coronel Aproniano Gomes de Sá, “a quem deram prejuízos incalculáveis”; com o coronel Emygdio [Emídio] Sarmento, ameaçado de morte se não lhes desse o que pediam; com Avelino Queiroga, de quem exigiram, “para fazer frente às despesas com seu pessoal”, a nada módica quantia de 1.000$000 — um mil mil réis ou um milhão de réis, isto é, um conto de réis, soma que daria aproximadamente para comprar um quilo de ouro, erguer grande parte de uma igreja ou construir um quilômetro de ferrovia...


DESMANDOS EM TODO O SERTÃO


Mas tais desmandos não ocorreram apenas em Sousa. Aconteceram igualmente em Pombal, na Vila de Piancó, no então povoado de São José da Lagoa Tapada, em Coremas, em Santana dos Garrotes, em Misericórdia [Itaporanga], em Princesa [Isabel], em Patos...


A ação desses bandos de celerados travestidos de patrióticos, tomando à força bens de famílias sertanejas, na Paraíba (como aconteceu também noutros Estados) redundou em “prejuízos talvez superiores aos que nos deram os rebeldes”, resume o tenente-coronel Elysio Sobreira. tenente-coronel Elysio Sobreira...


FOI O PRIMEIRO LIVRO QUE LI


Sem contar os gibis, o primeiro livro que li foi... Os mártires de Piancó. Era essa a primeira obra a contar em detalhes o lamentável trucidamento do padre Aristides Ferreira da Cruz e mais de 20 outras pessoas, em 1926, por um contingente da Coluna Prestes, de passagem pelos Sertões paraibanos.


Meu pai adquirira o histórico volume em Patos mesmo, diretamente do Autor, o padre Manuel Otaviano. Estávamos em 1954, tinha eu uns 8 anos e foi lá, no livro sobre a “tragédia de Piancó”, que por vez primeira me abismei com a ferocidade humana — e também deduzi o significado do verbo recrudescer sem precisar recorrer ao pai-dos-burros. Talvez por isso nunca tenha abandonado, como os sertanejos em geral, o interesse pelo mavórtico episódio ocorrido na antiga Vila do Piancó.


MAIS SOBRE A RESIDÊNCIA-PIQUETE


Mas vamos ao que interessa. Esta dominical página especial de A União da semana passada — sobre a instrumentalização literária do padre Aristides Ferreira da Cruz (1872-1926) como personagem en passant de dois grandes romances brasileiros (O arquipélago, de Érico Veríssimo, e No coração das perobas, de Domingos Pellegrini), assim como na Literatura de Cordel — veio a despertar mais atenção entre os leitores do que se esperava.


Assim, hoje, procura-se apresentar aqui novas informações sobre a sangrenta jornada que o então jovem repórter Praxedes Pitanga chamou de “a hecatombe de Pian­có”.


Voltemos mais uma vez à fatídica terça-feira, 9 de fevereiro de 1926, quando se deu essa “chacina de Piancó”. Entre os que lá se achavam bem armados e municiados, ao lado do padre Aristides Ferreira da Cruz, defendendo a residência-piquete, na Vila piancoense, estava também o distribuidor em Juízo Hostílio Túlio Gambarra.


DEFENSORES NÃO ERAM “ANDRAJOSOS”


Quem leu o excelente livro de Domingos Meirelles sobre a Coluna Prestes, intitulado A noite das grandes fogueiras [Editora Record, São Paulo, 1998], há de se lembrar que os defensores do padre são aí apresentados como uns maltrapilhos, pés-rapados, facínoras andrajosos, cangaceiros desdentados e por aí vai. Mas não eram isto, não! — protestam os piancoenses de ontem e de hoje, para quem só o desconhecimento da realidade local permitiria afirmações desse gênero.


Tome-se o caso de Hostílio Túlio Gambarra. Ele também se achava entre os que, de armas em punho, junto ao padre Aristides, defendiam Piancó de algo que achavam ser um “ataque da Coluna Prestes”. Ele ali não se encontrava apenas como um mero combatente “sem causa” ou como um wrong man in the wrong place at the wrong time — mais um homem errado no lugar errado e na hora errada.


Além do padre, estavam entre os que pegaram em armas não apenas o prefeito local, João Lacerda Moreira de Oliveira, e seu filho, o comerciante Osvaldo Lacerda Moreira de Oliveira, mas também o já citado Hostílio Túlio Gambarra, benquisto serventuário da Justiça; um escrivão do distrito de Aguiar, Manoel Clementino de Sousa; um escrivão da Coletoria Federal em Piancó, Antônio Clementino de Sousa (filho do anterior); e outras pessoas de destaque local.


ERA TAMBÉM UM GESTO POLÍTICO


Enxergar os defensores de Piancó apenas co­mo matutos andrajosos sem eira nem beira constitui, no mínimo, lamentável amostra dos preconceitos alimentados por muitos sulistas contra os nordestinos. Além do mais, o auxílio de Hostílio e dos demais combatentes ao padre Aristides representava gesto político.


Eles formavam significativa parcela do grupo partidário que apoiava localmente o sacerdote, inclusive elegendo-o duas vezes deputado estadual. Também localmente combatiam a família Leite, cujo maior representante no Distrito Federal de então (a Capital da República, no Rio de Janeiro) era o deputado federal Felizardo Toscano Leite.


Mas não devem admirar-se os leitores se, entre os que tombaram ao lado do padre, estivessem pelo menos dois de sobrenome Leite — esses eram de uma dissidência política da família.


HOSTÍLIO, AVÔ DE JORNALISTAS


Em tempo: esse mesmo Hostílio Túlio Gambarra — que não se perca pelo pomposamente duplo prenome romano, bem ao gosto do bacharelismo então ainda mais vigente no Brasil do que hoje — vem a ser avô materno do jornalista José Napoleão Ângelo. Napoleão é editor de Opinião do jornal A União e primo do jornalista e professor Orlando Ângelo, este radicado em Campina Grande.


O colega de Imprensa Napoleão Ângelo, aliás, é o jornalista de A União que recebeu esta página por e-mail, por nós enviada, e que a preparou, com seus companheiros de Redação, para que, depois de passar pelo crivo do Editor-Geral Sílvio Osias, pudesse circular bem arrumadinha, hoje, nesta edição dominical do jornal oficial do Estado da Paraíba.


ERA CORRELIGIONÁRIO DO PADRE


Nesse quixotesco enfrentamento do padre Aristides com um relativamente pequeno grupo da Coluna Prestes, Hostílio ficou ao lado do padre Aristides Ferreira da Cruz simplesmente porque era amigo do sacerdote. Como os demais companheiros do padre Aristides, que igualmente permaneceram na Vila de Piancó para ajudá-lo naquele transe, não tinha razões ou informações suficientes para alimentar simpatias ou antipatias por Prestes e por seus homens.


Vivendo nos confins dos Sertões paraibanos, Gambarra — como a esmagadora maioria dos brasileiros da época — não podia entender direito o que queriam realmente os revolucionários comandados por Luís Carlos Prestes, Miguel Costa, Siqueira Campos, Juarez Távora, João Alberto Lins de Barros, Osvaldo Cordeiro de Farias, Djalma Dutra, Ari Salgado Freire et alii. Uns desses eram realmente autênticos idealistas, patriotas, reformistas. Outros, nem tanto, como fatos posteriores demonstrariam.


MEDO TRANSFORMADO EM CORAGEM


Gambarra devia sentir o que os demais sentiam: medo ante a aproximação da Coluna Prestes. No Nordeste, ocorria da mesma forma que noutras partes do Brasil: a Coluna ora era recepcionada com gritos de “viva!” e banquetes, ora era simplesmente recebida à bala mesmo, ao estilo da lei-de-chico-de-brito.


Isto dependia da localidade, da situação política do Estado, das relações dos habitantes com os esquemas locais de Poder. Medo todo mundo tinha. Mas havia alguns que transformavam o medo em coragem e até bravura, fosse para o bem, fosse para o mal, de modo que pegavam em armas e iam enfrentar a desconhecida fortuna: matar ou morrer; ferir ou ser ferido; dar adeus à vida ou escapar para contar a história.


CASA FOI SAQUEADA E QUEIMADA


Segundo José Napoleão Ângelo, a História esqueceu-se de dizer que, depois do trucidamento do padre Aristides e já estando longe os homens da Coluna Prestes, a residência do sacerdote foi saqueada por inimigos políticos, jogando-se seus pertences numa fogueira.


O mesmo ocorreu com a casa e outros bens de seu amigo, partidário e companheiro do fatídico combate, Hostílio Gambarra.


CASA ARDEU (E FUMAÇOU) ATÉ QUE O CALOR DO

INCÊNDIO DERRETESSE AS ÚLTIMAS RAPADURAS


Por ser piancoense da gema é que o jornalista Napoleão Ângelo, neto de Hostílio Gambarra, terminou aluno de Joanita Ferreira, filha do padre Aristides com sua mulher Maria José (Quita). Isto ocorreu no Grupo Escolar “Adhemar Leite”.


Localizado no centro de Piancó, esse estabelecimento de Ensino tem mais de 75 anos de existência. Por ironia do destino, foi erguido sobre as ruínas do antigo sobrado do padre Aristides, prédio que ardeu e/ou fumaçou por dias, até que o calor do fogaréu consumisse as últimas rapaduras ali armazenadas.


OS FILHOS DO PADRE ARISTIDES


O padre Aristides conhecera sua futura mulher, a então ainda adolescente Maria José (Quita), no coro da igreja local. Visitara-a frequentemente na casa dos pais, na localidade Água Branca. Mas, com o falatório surgido em torno desse seu interesse pela moça e já depois de afastado das ordens religiosas, o padre mandara raptá-la, passando a viver abertamente com ela.


Além de Joanita, que se tornaria professora, o padre teve com Quita três outros filhos:


1) Jorge Ferreira da Cruz, que, aborrecido com os adversários políticos e não apenas com os fatos ligados à Coluna Prestes, depois se fixaria no Sudeste, jamais retornando à Paraíba e vindo a falecer há alguns anos em Botucatu (SP);


2) Sebastião Ferreira da Cruz (de quem, infelizmente, não disponho de maiores informações; e


3) Aristides Ferreira da Cruz Filho, que por muitos anos foi fiscal de rendas do Estado da Paraíba; mas não só por isto é citado no mais novo livro do Desembargador Coriolano Dias de Sá; esta obra já foi concluída e será brevemente enviada ao prelo; tem o título de Roteiro da Coluna Prestes e o Editor da obra vem a ser este criado que ora vos tecla as presentes linhas).


UMA DEVOTADA PROFESSORA


Foi por causa desse relacionamento marital com Quita que o então bispo da Paraíba, dom Adauto, alertado pelo deputado federal Felizardo Toscano Leite, suspendera em 1912 as ordens do padre.


Especula-se que, num desabafo posterior à punição, Aristides teria dito, ao assumir abertamente o relacionamento com a namorada: “O Bispo errou e me fez errar” — no sentido de que “já que estou sendo punido por uma coisa que não fiz, vou arranjar um motivo real para a punição”.


Joanita, falecida em 2008, sempre manteve aquele seu olhar altivo e severo, austero e penetrante — como mestra e como cidadã. Poucos são capazes de imaginar o que sofreram ela, os irmãos e, principalmente a mãe, por ser esta, na sociedade ainda mais preconceituosa da época, “a mulher do padre”, para não falar nas sombrias circunstâncias em que o pai, o marido resultou morto.


A mãe, Dona Quita, raramente falava a curiosos sobre o passado. Mas Joanita, a filha, concedeu algumas entrevistas sobre o seu pai e tudo o mais. Sem ter uma visão global sobre a Coluna Prestes e por haver sido criada em ambiente de ódios políticos e desconfianças familiares, equivocava-se em atribuir ao governador João Suassuna a armação de uma “cilada” em que “caíra” o padre Aristides.


De outra parte, firmou seu nome como professora local, ao lado de outras destacadas mestras: Loura Lopes, Terezinha Lacerda, Chiquinha Freire, Dezinha Barreiro, Janete Lopes, Aracy Leite, Ernestina e demais devotadas formadoras de gerações de vale-piancoenses.


QUATRO PÁGINAS EM A UNIÃO


Tantas são as informações, antigas e novas, sobre o episódio sangrento dos “mártires de Piancó” que se fez necessário elaborar uma segunda página especial (e até uma terceira!) em torno do distribuidor em Juízo Hostílio Túlio Gambarra, um dos companheiros do padre Aristides nos terríveis acontecimentos.


Repita-se, para que fique bem gravado: Hostílio foi um dos um dos mais de 20 piancoenses selvagemente mortos nessa terça-feira, 9 de fevereiro de 1926. Era amigo e correligionário político do padre que liderou a defesa da Vila de Piancó, contra o que julgava ser um ataque à localidade por parte da Coluna Prestes. Mas a Coluna somente estava vindo do Ceará/Rio do Rio Grande do Norte e, tendo alcançado Coremas/Vale do Piancó, queria apenas seguir para Patos, a Capital paraibana e/ou Pernambuco.


DITO DE OUTRA MANEIRA


Destacamentos da Primeira Divisão Revolucionária da Coluna Prestes estavam provisoriamente arranchados em Coremas e proximidades de Piancó. E só pequeno grupo de homens do Destacamento Cordeiro de Farias entrou na Vila de Piancó, ante a visão de bandeiras brancas espalhadas pelos caminhos e nos telhados de algumas casas.


Esse pequeno grupo, liderado pelo capitão Pretinho, querido entre os revolucionários, ingressava na Vila pela rua do Conselho Municipal, quando foi alvejado a partir do piquete do sargento Arruda.


Os tiros feriram mortalmente o capitão e mataram seu cavalo, além de ferirem/matarem uns quatro ou cinco outros coluneiros. O grupo retirou-se às pressas da Vila, mas voltou, uns 20 minutos depois, altamente reforçado por outros homens do Destacamento Cordeiro de Farias, aos quais logo se juntaram muitos do Destacamento Djalma Dutra.


A ordem dos comandantes era arrasar a Vila, que tão violentamente recebera o grupo avançado da Coluna. Os homens de Prestes acreditavam haver sido vítimas de traiçoeira cilada: apesar das bandeiras brancas, tinham sido recebidos à bala.


NÃO ERAM COMBATENTES ANDRAJOSOS


Os que estavam com o padre Aristides num dos quatro piquetes da Vila não eram maltrapilhos/andrajosos como alguns pensam — mas lideranças políticas de Piancó, com seus homens de confiança, todos fortemente armados.


Como só depois (e fatalmente muito tarde) ficaria claro, jamais chegariam a ser páreo para o “exército”, numericamente bem superior, dos Destacamentos da Primeira Divisão Revolucionária.


Aristides não estava por acaso à frente da defesa da Vila. Era partidário do ex-presidente da República Epitácio Pessoa. Em 1922, Epitácio determinara (com o emprego da Polícia e, se preciso fosse, até do Exército) a recondução do padre Aristides à chefia política de Piancó.


O padre (suspenso das ordens religiosas pelo Bispo Dom Adauto desde 1912) fora expulso da cidade, em 1922, pelos partidários dos Leite, após tiroteio que durou 26 horas.


FAMÍLIA LEITE & PADRE ARISTIDES


Com a família Leite, sua relação era como a seguir se descreve.


De início, o padre Aristides foi uma espécie de “cria” dos Leite, que lhe deram o apoio político inicial. O fato de ser vigário da paróquia local fazia-o conhecido de toda a gente, inclusive nos sítios.


Logo, porém, o padre intuiu que se havia tornado uma liderança piancoense. Sentiu-se capaz de alçar novos voos, sozinho, isto é, no que hoje se chama carreira solo. “Engrossou o pescoço” e não quis mais ser liderado pelos Leite. Dali por diante, seria ele próprio um líder.


Claro que, numa terra, como muitas outras, dividida em acirradas facções políticas, conseguiu apoio (inclusive dos Leite dissidentes) e chegou a ser eleito e reeleito deputado estadual. Isto para grande desgosto da maioria dos Leite, que tinham no deputado federal Felizardo Toscano Leite o seu líder regional.


O APELO DE JOÃO SUASSUNA


Para defender a Vila de Piancó, o padre procurava também cumprir apelo telegráfico do então presidente paraibano João Suassuna no sentido de obstar a passagem da Coluna Prestes por Piancó. E, além disso, tentava mostrar que era realmente o chefe político da Vila, embora estivesse redondamente enganado quanto à Coluna estar faminta, sem munição e caindo pelas tabelas.


Amigos tentaram dissuadir o padre Aristides: não devia enfrentar a Coluna, que, ao contrário do que inicialmente se supunha, chegara ao Vale do Piancó altamente municiada e fortalecida. Disseram-lhe também: saia da cidade com a família, que a gente se encarrega de enfrentar a Coluna. Mas o padre teimou em permanecer. Afinal, onde estava seu brio?!


Tomada a decisão, ficaram a seu lado o distribuidor em Juízo Hostílio Túlio Gambarra, benquisto em toda a região, e vários outros correligionários políticos.


AS FILHAS DE HOSTÍLIO GAMBARRA


Uma das 23 vítimas piancoenses do destino, naquele pavoroso dia, Hostílio era casado com Gualterina Gervásio de Sousa Cavalcanti e deixou os filhos:


1) Anita Cavalcanti (Ângelo) Gambarra;


2) Antônia Cavalcanti (Ângelo) Gambarra (Dona Tonhita, mãe do jornalista José Napoleão Ângelo);


3) Gualterina Cila Cavalcanti (Nunes) Gambarra; e


4) e Dagmar Cavalcanti (Nitão) Gambarra.


Com a trágica morte de Hostílio, um piancoense tomou a si a tarefa de criar suas quatro filhas, juntamente com seus próprios filhos e como se fossem irmãos deles. Este homem foi Inácio Liberalino de Sousa, que as acolheu em casa e lhes deu educação.


Muito franco, seu Inácio Liberalino jamais negou haver fugido da Vila de Piancó (e se escondido muito bem) logo que o tiroteio se iniciou e ele viu que a pequena localidade não tinha condições de enfrentar o maciço poder de fogo dos guerreiros da Coluna Prestes.


Em seu testemunho, repetido muitas vezes, sempre sustentou que o padre Aristides ainda tentou se render, levantando uma bandeira branca, mas seu gesto não foi levado em consideração pelos homens de Prestes — dando oportunidade, no entanto, a que um de seus combatentes conseguisse fugir, apesar de ferido.


DONA TONHITA GAMBARRA


Uma das filhas de Hostílio, Antônia Cavalcanti Gambarra, casou-se com Napoleão Ângelo da Silva, tendo os seguintes filhos:


a) Telma Rosicléa Ângelo Cavalcanti;


b) João de Deus Ângelo;


c) Luzia Aparecida Cavalcanti;


d) Rosa Cléia Ângelo Cavalcanti; e


e) José Napoleão Ângelo, o jornalista aqui referido.


BOATOS, MENTIRAS, MEIAS-VERDADES


Como não poderia deixar de ser numa cidade pequena, onde as rixas políticas são hereditárias, quase eternas, e as “lendas urbanas” correm frouxas, houve acusações de todos os lados contra todas as partes, em função da grande tragédia.


De um lado, acusava-se a família Leite de haver “armado” toda a confusão, para acabar com a vida do padre Aristides, que se tornara um adversário bastante incômodo; de outro, dizia-se que a armação partira do governador da época, João Suassuna, que colocara o padre numa “fria”, ao pedir que defendesse Piancó...


Surgiram até inacreditáveis outros boatos, como o de que Suassuna teria infiltrado inimigos do sacerdote, “mascarados”, na própria... Coluna Prestes (?!), para jogar os fortíssimos revolucionários contra o quase indefeso padre...


Disse-se ainda que os Leite teriam enviado “mensageiro” aos chefes da Coluna “informando” que o padre estava à espera deles, armado até os dentes — como se os principais responsáveis pela Coluna Prestes estivessem interessados em questiúnculas locais em torno do efêmero Poder que eles próprios combatiam...


Estas são apenas algumas das mentiras ou meias-verdades surgidas ao longo do tempo sobre tão dolorosos eventos. Mas tudo parece decorrer daquilo a que se refere o antigo ditado português: “Em casa em que falta pão, todo mundo grita e ninguém tem razão”.


NA REVISTA O CRUZEIRO


Como mostrou a revista O Cruzeiro de 23 de abril de 1955, quem se responsabilizou pela guarda das filhas de Hostílio Gambarra foi o coletor e Inácio Liberalino de Sousa. A longa reportagem na revista dos Diários e Emissoras Associados do jornalista e magnata da Imprensa Assis Chateaubriand é assinada por A. Monteiro e intitula-se “O Padre Sangrado”.


Por motivos mais que óbvios, o jornalista Napoleão Ângelo guarda um exemplar desse número da então maior revista semanal brasileira, que apresenta, entre outras, muitas fotos de interesse:


a casa em que o padre Aristides se entrincheirou com Hostílio e os demais correligionários;

o professor Conrado, de Piancó, mostrando o local em que foram degolados o padre e seus defensores [nada a ver com a história, mas valha como curiosidade: o mestre Conrado, por esse tempo, era o único em Piancó a entender língua inglesa!];

a mulher do padre Aristides, Dona Quita;

uma foto (a única que sobrou) do próprio padre Aristides.


Mas não existem fotos de Hostílio — elas foram todas destruídas pelo saque, incêndio e destruição promovidos por seus inimigos políticos, depois de seu assassinato do padre Aristides e seus companheiros.


PRAXEDES PITANGA: A “HECATOMBE”


Muito antes de a Imprensa, os poetas de bancada/cordel, e o padre Manuel Otaviano escreverem sobre os “mártires de Piancó”, o então muito jovem repórter Praxedes Pitanga já tocara irada e candentemente no assunto.


Isto ocorreu pouco dias depois da tragédia, como o historiador Deusdedit Leitão mostrou há alguns anos em artigo escrito para esta mesma A União.


Praxedes trabalhava então para um pequeno jornal (no estilo A Voz do Sertão ou Letras do Sertão e que circulava apenas no Vale do Piancó) e publicou matéria ilustrada, em tom da mais alta indignação contra a Coluna Prestes, revelando detalhes da “hecatombe de Piancó”.


Foi essa, possivelmente, a primeira informação aparecida, sob letra de forma, na Imprensa paraibana, a respeito dos lamentáveis eventos no Piancó. Era o sangrento choque de duas visões diferentes do que deveria ser o Brasil e seu futuro.


OS QUE MORRERAM COM O PADRE


Segundo listas apresentadas por historiadores — de Praxedes Pitanga e o padre Manuel Otaviano (Os mártires de Piancó), até Franciraldo Loureiro Lopes (Memorial das Famílias Pereira Cavalcanti e Lopes Loureiro) —, foram mortas, na tragédia da terça-feira, 9 de fevereiro de 1926, além do padre Aristides e Hostílio Túlio Gambarra, as seguintes pessoas, num total de 23:


o Prefeito local João Lacerda Moreira de Oliveira;

seu filho Osvaldo Lacerda Moreira de Oliveira, comerciante;

o também comerciante José Ferreira da Cruz (sobrinho do padre Aristides);

os agricultores Joaquim Ferreira da Silva, Antônio Leopoldo, José e João Lourenço;

outro agricultor e ex-praça da Polícia, Jovino Raimundo (conhecido por Quelé, diminutivo de Clementino);

o guarda municipal Rufino Soares;

Eloy e Joaquim Severino Leite (pai e filho);

Manoel Severino Leite;

José Severino Leite;

Antônio Cristóvão;

Manoel Clementino de Sousa (escrivão do distrito de Aguiar);

um filho deste, Antônio Clementino de Sousa (escrivão da Coletoria Federal em Piancó);

João Ferreira;

Antônio Custódio;

o motorista Severino Rocha da Silva;

o (ex-)detento Severino Guarabira; e

Vicente Mororó.

Em contrapartida, tombaram mortos na Vila de Piancó cerca de 40 homens da Coluna Prestes (dados dos próprios revolucionários), aí enterrados no dia seguinte, por seus camaradas de armas.


DONA DAGMAR & SEU PRIMÊNIO


Das filhas de Hostílio Túlio Gambarra, uma remanesce, em plena lucidez: Dagmar Gambarra, irmã de Dona Antônia Cavalcanti Gambarra e, portanto, tia de Napoleão Ângelo. Dagmar é viú­va de Pedro Ventura Nitão, o Primênio que fazia as delícias dos contadores (e ouvidores) de histórias da Paraíba antiga, quando o Ponto de Cem-Réis, no centro da Capital, ainda era o ponto de encontro dos pessoenses, seu tambor de repercussão, sua tribuna, sua ágora política.

Primênio faleceu em 2007, em Brasília (DF), onde ultimamente residia. Em João Pessoa, para quem se lembra, ele foi tesoureiro dos Correios e Telégrafos. Tinha aguçada presença de espírito.


“NÃO DIGA QUE ME VIU”


Para dar certo tom de humor em meio a tantos fatos trágicos, conta-se que, certa vez, num dos bares que Primênio costumava frequentar nos bairros de Jaguaribe e Tambaú, estava em grande roda de amigos, quando o grupo foi abordado por um pressuroso garoto de recados:


— Quem é aqui “seu” Pedro Ventura, dos Correios?


— Sou eu, menino — respondeu Primênio, de pronto — Por quê?


— Mandaram chamar o Sr. Tem um homem importante dos Correios procurando o Sr. na Agência Central!


Sem alterar-se, Primênio entregou ao menino uma cédula (hoje correspondente a uns 10 reais) e lhe disse:


— Tome, esse dinheiro é seu. Mas não diga a ninguém que me viu, tá bem?!


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Versão reduzida deste artigo foi originalmente publicada na última página do jornal A União, de João Pessoa (PB), em 9 de janeiro de 2010 — e outros trechos serão reproduzidos nas próximas três edições dominicais do mesmo jornal.


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