Monday, May 31, 2010

SOBRE CLOTILDE SANTA CRUZ TAVARES


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JORNAL A UNIÃO

Domingo, 29 de maio de 2010

Clotilde, a sacra endiabrada da Net [1/2]

Neste e no próximo domingo, busca-se traçar o perfil da médica e escritora paraibana que lidera movimentados blogs e listas de discussão na Web nordestina

EVANDRO DA NÓBREGA

Escritor, Jornalista, Editor

http://druzz.blogspot.com

druzz@reitoria.ufpb.br


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Este artigo — publicado originalmente no jornal A União, de João Pessoa (PB), edição de 29 de maio de 2010 — é também gentilmente reproduzido pelos seguintes URLs:

- Blog Cultural EL THEATRO, de Elpídio Navarro:

www.eltheatro.com

- Portal PS OnLine, de Paulo Santos:

www.psonlinebr.com

- Portal Literário RECANTO DAS LETRAS:

http://recantodasletras.uol.com.br/autores/druzz

- Portal do Jornal A União On Line:

www.auniao.pb.gov.br

- Blog DRUZZ ON LINE, de Evandro da Nóbrega:

http://druzz.blogspot.com


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Esta Clotilde Tavares é mesmo uma danada. Apronta em todas. Não se sabe onde arranja tanta energia para se tornar assim presente, quase em simultâneo, nos mais diferentes, díspares e entre si longínquos sítios e atividades.

Agora mesmo, vimo-la, em João Pessoa, no caleidoscópio de eventos que foi o XIII FENART ministrando aulas teórico-práticas de Literatura de Cordel. Como? Não, não, minha senhora! Clotilde não é poetisa de bancada, cordelista, cantadora de versos de feira, não! Quer dizer: ela não é SÓ ISTO. Quando quer, sim, transforma-se TAMBÉM em cultora & produtora (das boas!) de versins de cordel. A ponto de há muitos anos ser professora desses "versins" aqui, na Paraíba, no Rio Grande do Norte, em Pernambuco e onde mais se fizerem necessários seus excelentes serviços de mestra desenrolada e culta.

Em verdade, Clotilde Santa Cruz Tavares SÃO muitas mulheres numa só. É o que chamaríamos de Jackie-of-all-trades, com base no inglês Jack-of-all-trades, o Faz-Tudo, o Factotum, o pau-pra-toda-obra, a pessoa que faz de um tudo — e o faz bem. Clotilde é formada em Medicina, Nutrição, Higiene, Saúde Pública e sabe-se lá em mais quê. Já escreveu vários livros sobre os mais diferentes e até inimagináveis assuntos. Igualmente é romancista, historiadora, contista, memorialista, dramaturga, poetisa, professora (inclusive de inglês), atriz, declamadora, blogueira, twitteira...

Vive com um pé em Natal (RN), outro em João Pessoa (PB), outro em Recife (PE), outro em... Bem, isto não quer dizer que ela tenha mais pernas que as pessoas comuns. É porque dispõe de tal mobilidade, no tempo e no espaço, que por vezes parece aqueles personagens de quadrinhos em que a multiplicidade de pernas constitui somente um recurso do desenhista para representar sua azáfama.

Inteligência e criatividade são apanágio do clã, da grei de Clotilde, produto especialmente surgido de duas ilustres famílias nordestinas: os Santa Cruz e os Tavares. A própria Clotilde — não por orgulho besta de nobiliarquia, mas por interesse na História — mantém na Internet site muito bem ilustrado (até com fotos antigas, comme il faut) justamente sob o título de "O Clã Santa Cruz". Exibe origens, ascendência, descendência, histórias curiosas e et aliasobre seus destacados parentes de ontem e hoje.

Permanentemente ocupadíssima, Clotilde ainda encontra tempo, desde 2006, para cascavilhar a Genealogia e da História de sua(s) família(s), aí incluídos os Salgado e os Calado, entre outras estirpes nordestinas. Dedica-se, "com paixão, a essa pesquisa que tem me trazido muitos momentos felizes, de reencontro com parentes queridos e de novas amizades com aqueles que eu não conhecia". O que está em seu site genealógico "ainda é bastante provisório,com muitos dados a serem comprovados ou pesquisados". De um modo ou outro, os Santa Cruz, Tavares, Calado, Salgados e outros podem nesse espaço virtual "compartilhar comigo o orgulho" de pertencerem a estes clãs tão ilustres, "de homens valorosos e fortes e de mulheres altivas e cheias de coragem e beleza".

Um primo de seu bisavô materno, o Dr. Augusto Santa Cruz de Oliveira — promotor de Justiça e neto do patriarca Theotonio da Santa Cruz Oliveira, juiz e deputado — protagonizou, com o proprietário rural e líder político teixeirense Franklin Dantas (com vistas à intervenção federal e consequente queda do presidente estadual João Machado), a célebre revolta surgida em 1912 na região de Monteiro, com o envolvimento de várias outras localidades do interior, do Cariri ou não: Taperoá, Patos, Sumé, São João do Cariri, Santa Luzia, Soledade, Teixeira e cercanias.

E não já existe uma Santa homônima?!

Com tal respaldo histórico-genealógico, não é de admirar que Clotilde tenha, entre seus irmãos, o crítico generalista, multiescritor, cronista, filósofo, articulista e premiado autor de ficção científica Bráulio Tavares. No caso de mui culto, lido e de normal reservado Bráulio [au grand complet Bráulio Fernandes Tavares Neto], dir-se-ia com maior razão que é autor de science fiction, porque seus trabalhos são consumidos & premiados, da mesma forma, em inglês, nos EUA e alhures. Sua coluna no Jornal da Paraíba, sempre mui bem pesquisada e superiormente escrita, é leitura obrigatória para muita gente boa, no Estado e fora dele.

O escritor e artista plástico W. J. Solha enxerga a Paraíba como celeiro de gênios, terra de mentes privilegiadas no concerto dos Estados brasileiros. Estão aí o Bráulio, a Clotilde, o próprio Solha e muitos outros que não o deixam mentir. Além de todas as suas ocupações, Bráulio mantém pelo menos dois movimentados e frequentadíssimos blogs na Web: Mundo Fantasmo (em português) e The Reading Gaol (em inglês — e referência prenhe de sugestas à prisão britânica [gaol = jail] em que esteve preso Oscar Wilde).

Clotilde — "fiscal da Natureza e doida por novidades" — não deixa por menos. Uma das pioneiras do uso literário da Internet no país, ela atua simultaneamente em vários sites, blogs, listas de discussão etc — todos por ela criados para discutir assuntos sérios, mas também levar um pouco de humor ao ciberespaço. Seu blog "Umas & Outras" é diariamente atualizado. A partir dele surgiu o newsgroup ou lista de discussão homônimo, com muita gente preclara (da Paraíba, Rio Grande do Norte, Pernambuco etc) versando uma infinidade de tópicos. Como moderadora, Clotilde é adorada pelos listeiros, que podem falar livremente sobre tudo o que quiserem — desde que não usem baixo calão e/ou desrespeitem os colegas.

Clotilde-em-si é dona de imbatível senso de humor. Quando surge algumflame ou rusga entre os membros da lista de discussão (principalmente devido a itens políticos), ela se sai com alguma boutade engraçadíssima. Recentemente, para encerrar acre discussão entre lulistas e serristas, ela postou uma de suas tiradas mais recentes: "Ai, como eu queria ser Santa canonizada pela Igreja Católica! Já pensou: Santa Clotilde Tavares, defensora de nossos projetos culturais!". Isto bastou para uma série de postagens risíveis. Eu mesmo me fingi de correspondente da Agência DruzzPress junto ao Vaticano e comentei (inclusive em 30 décimas de versos de 12 sílabas)... as reações da Santa Sé ante tais pretensões canonizatórias. Como sempre, foi aquela hilaridade geral — e lista voltou à costumeira paz.

Mas, falando sério, teríamos, com tal santificação, salvo engano, a segunda Santa Clotilde da cristandade: já existe aqueloutra que, se não nos falha a memória, viveu entre os séculos V e VI d.C. Muitíssimo representada na arte medieval, ela se casara com o rei Clóvis (circa 466-511), fundador da dinastia merovíngia, elite que comandou os francos por uns 200 anos. Linhás, foi Dona Clotilde, depois santa, quem converteu ao Cristianismo o marido (e naturalmente todos os súditos, pois isto era coisa "automática").

A Clotilde de hoje participa de tudo quanto é movimento cultural de destaque. No XIII FENART, ministrou gratuitamente sua oficina literária sobre Cordel (ensinando "como se constroem as estrofes usadas nos folhetos" de feira) — e logo depois já fazia conferência sobre "O escritor e a Internet". No entrementes, instalou-se diante do mar de Tambaú, interconectada ao Mundo com todos os seus equipamentos computo-telemático ligados.

Já colocou on line dois de seus livros, para download gratuito — e mesmo assim as vendas aumentaram

Batendo papo, nas esquinas da noite, com a incansável Clotilde, ficávamos, eu e minha dileta amiga Petra Souto, tomando sobriamente nosso vinho, ao passo que a sacro-endiabrada Clô sorvia com ainda maior sobriedade seu... suco de uvas! E, graças a argumentação médico-sanitário-higienista, convencia-nos de que tal sumo essencial tinha as mesmíssimas propriedades do enológico produto — haja vista provir também das uvas, como o rótulo já descrevia. Por essas conversas sem fim e pelo ulterior estudo, fomos sabendo mais e mais sobre Clotilde.

Autora multipremiada, com obras nos mais diversos estilos e níveis, ela já colocou dois livros seus (Coração parahybano e Formosa és) para downloadgratuito na Web. Sustenta e comprova que, ao contrário da crença geral, as vendas dessas obras aumentam se o autor as disponibilizar on line. "Quanto mais gente baixar de graça, mais gente vai comprar o livro de papel", sentencia.

Com argumentação deste jaez, convenceu editores a permitirem acesso gratuito às cópias digitais dos livros, a exemplo de nosso incomum amigo comum Heitor Cabral, dono das Edições Linha d’Água, um dos muitos editores brasileiros de Clotilde — mulher que não cabe numa só página, pelo que estaremos aqui de volta, com ela, no próximo domingo.

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Sunday, May 23, 2010

80 ANOS DE NASCIMENTO DE SIVUCA



SIVUCA UNIVERSAL, BRASÍLICO, PARAIBENSE, ITABAIÂNICO:

DE “PATA PATA” À VERSÃO 2010 DO FENART


Muito estudo e um árduo trabalho de troca de experiências com músicos nordestinos, brasileiros e internacionais — a exemplo de Miriam Makeba, Harry Belafonte, Oscar Brown Junior, Julie Andrews, Nelson Riddle e Bette Midler, para não falar de seus parceiros europeus — pavimentaram os abençoados caminhos da genialidade musical de Sivuca rumo a realizações imortais e a uma fama eterna. Tudo isto mais que justifica, e plenamente, a homenagem que lhe é agora prestada pelo FENART 2010, na passagem de seus 80 anos de nascimento.



EVANDRO DA NÓBREGA

Escritor, Jornalista, Editor

http://druzz.blogspot.com

druzz@reitoria.ufpb.br

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Texto originalmente inserido em seis páginas inteiras da edição especial do Correio das Artes de maio de 2010, comemorativa dos 80 anos de nascimento de Sivuca e distribuída gratuitamente com o grande público durante a abertura do XIII FENART (Festival Nacional de Arte), em João Pessoa (PB), na noite do dia 23 do mesmo mês e ano. Este material é também publicado pelos seguintes URLs:

- Blog Cultural EL THEATRO, de Elpídio Navarro: www.eltheatro.com

- Portal PS OnLine, de Paulo Santos: www.psonlinebr.com

- Portal Literário RECANTO DAS LETRAS: http://recantodasletras.uol.com.br/autores/druzz

- Portal do Jornal A União On Line: www.auniao.pb.gov.br

- Blog DRUZZ ON LINE, de Evandro da Nóbrega: http://druzz.blogspot.com

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Para o escriba que vos tecla, a semana passada se iniciou com pelo menos dois fatos alvissareiros — porque ligados à extraordinária figura do músico, instrumentista, compositor, arranjador e maestro Sivuca (1930-2006).

O primeiro desses auspiciosos fatos: o globe-trotter Palmari de Lucena nos enviava, por e-mail, a Glorinha Gadelha e a mim, um vídeo com a black star Miriam Makeba apresentando-se, ainda em 1968, no Hotel Fairmont, de San Francisco, Califórnia. No vídeo, a célebre intérprete sul-africana canta a música “Chove, Chuva”, de Jorge Benjor, ex-Jorge Ben.

Estocolmo & San Francisco

Palmari, primo de Sivuca, teve a felicidade de assistir — “em pessoa”, como diria o inesquecível e inimitável garçom Cobrinha, do antigo restaurante pessoense do Esporte Clube Cabo Branco — a esse que foi um dos primeiros espetáculos conjuntamente realizados por Miriam Makeba e Sivuca em solo norte-americano.

Show quase idêntico fora mostrado, no ano anterior, por Makeba e seu trio (em que Sivuca funcionava como violonista, acordeonista e diretor musical), na casa Berns Salonger, em Estocolmo. A apresentação na Suécia se dera com transmissão pela TV sueca, de modo que pôde ser privadamente gravada por um fã. Gloriosamente, tal registro seria transformado — décadas depois, já em meados do primeiro decênio do século XXI — num imperdível DVD, graças aos sempre mui gratos admiradores e aficcionados nórdicos do músico itabaianense.

Entre um show e outro, o de Estocolmo e o de San Francisco, só muda, no trio, a identidade do baixista: saíra William Slater e entrara Alex Lane, de Nova York. Mas Sivuca continuava como diretor musical, violonista e, eventualmente, acordeonista, ao passo que se mantinha na rítmica o hoje em anos avançado e também célebre músico portorriquenho Leopoldo Fleming Jr. — outra destacada figura da Música jazzística, caribenha e internacional.

Português sem Sotaque

Ouve-se Miriam Makeba cantar num português quase sem sotaque [“Chove, chuva / Chove sem parar...”] e, de quando em vez, num inglês idem [“It rains, rain / It doesn’t stop rain”...]. É acompanhada por um trio (percussão, contrabaixo e violão) — e o albinitente “rapazinho”, ao violão, outro não é senão nosso Sivuca velho de guerra, sua careca luzindo ao fundo do palco, em contraste com a pele por assim dizer mui trigueira de Miriam Makeba. E ela trauteia, num impecável português brasileiro:

Chove, chuva,

Chove sem parar

Chove, chuva...

Pois eu vou fazer uma prece

Pra Deus Nosso Senhor

Pra chuva parar

De molhar o meu divino amor

Que é muito lindo,

É mais que o infinito,

É puro e belo,

Inocente como a flor...

Por favor, chuva ruim

Não molhe mais

o meu amor assim

Não molhe mais

o meu amor assim...

Sacundim, sacundém

Imboró, congá

Dombim, dombém

Agouê e obá...

Adequadamente ou não, esta letra original em português foi traduzida por um americano mais ou menos como:

It rains, rain,

It doesn't stop raining...

So I'm going to say a prayer

To God Our Lord

For the rain to stop

Wetting my divine love

Who is so pretty

It's more than infinite

It's pure and beautiful

Innocent as a flower...

Please, bad rain,

Stop wetting

my love like that...

Makeba, Sivuca, Pata Pata

A cantora e ativista anti-apartheid Miriam Makeba lançara desde 1967 seu single “Pata Pata” [selo Reprise Records, número de série RS6274], com arranjos e participação direta de Sivuca. Makeba — vinda ao Mundo em 1932, dois antes depois do nascimento de Sivuca — faleceria de 9 para 10 de novembro de 2008, aproximadamente dois anos após a morte de seu antigo parceiro musical.

Makeba já gravara discos antes e outros se seguiriam ao single de “Pata Pata”, inclusive LPs, alguns dos quais reproduziram músicas (como “Maria Fulô”) de seu amigo Sivuca, em certas contracapas tratado como “Severino Dias de Olivera” (sic: Olivera e não Oliveira). Nos rótulos dos discos, porém, Sivuca era referido apenas como “Oliveira” (agora já com a letra I faltante na contracapa — vá-se entender a grafia desses gringos!)...

O que nem todos sabem é que Miriam Makeba, também conhecida como “Mama Africa”, morreu aos 76 anos de idade, aparentemente de infarto, depois de adoecer, de madrugada, nas cercanias da cidade de Caserta, Sul da Itália. Acabara ela de apresentar ali perto, em Castel Volturno, concorrido show musical contra o crime organizado e em favor do escritor Roberto Saviano, apoiando a luta dele contra a Camorra, a Máfia da região da Campânia. Cantara justamente seu maior sucesso, “Pata Pata”.

Violão, Não Acordeom

Antes de conhecer Miriam Makeba, Sivuca passava maus bocados em Nova York e alhures. Saíra do Brasil com medo de ser preso pela Ditadura Militar — tinha “carteirinha do Partidão”. Pensou em ficar apenas uns seis meses nos EUA, quando as coisas já deveriam (segundo pensava) terem esfriado em seu país... O resultado é que por lá se fixou por cerca de 13 anos.

Em fins de 1965 (quase exatamente dois anos antes de surgir o hit “Pata Pata”), ele conheceu Miriam Makeba — e, em janeiro do ano seguinte, já com ela se apresentava em Estocolmo, Suécia, e noutras paragens europeias. Fora indicado a Miriam Makeba por um contrabaixista americano. Ela estava precisando de três músicos, um dos quais violonista.

Lembre-se bem: só muito depois é que Sivuca se firmaria, nos EUA, como virtuose do acordeom; de início, ele foi mais reconhecido como violonista de ritmos infalíveis e, sobretudo, expert num superior conhecimento daquilo que o público leigo e até alguns músicos sem maior aprofundamento teórico conheciam por “acordes modernos” ou “dissonâncias” — em verdade, a essência mesma da Música, em seus encadeamentos rítmico-melódicos.

Ritmos Africanos

Sivuca fez um teste de violão e foi aprovado na hora, por Miriam Makeba, à vista de sua habilidade com os ritmos africanos. Trabalharia com essa que se tornaria sua amiga por mais de quatro anos, como diretor musical (e, contrariamente ao que se pensa, não somente arranjador). Só não ficou mais tempo com ela porque a cantora decidiu ir para Cuba, em 1969. Casara-se com o célebre figurão do Black Power/Black Panthers, Stokely Carmichael, provocando negativíssima reação dos setores de entretenimento em todo o território dos Estados Unidos. Mas Sivuca não queria nem pensar em ir à Ilha de Fidel — sob pena de não poder regressar aos EUA ou ao Brasil.

Bem antes disto tudo, em 1963, Miriam Makeba testemunhara contra o apartheid, em sessão pública, ante a ONU, o que provocou, por parte do governo da África do Sul, a cassação de sua cidadania e de seu direito de retornar ao país natal. Ela só voltaria ao território sul-africano depois da queda do regime de apartheid e da vitória de Nelson Mandela.

No Violão Acústico

Depois dessa parceria com Miriam Makeba, Sivuca — como violonista e, novamente, como diretor musical — passou a trabalhar com o grande showman, cantor, ator e compositor americano Harry Belafonte, bom também em ritmos latinos e por isso bem conhecido igualmente no restante das Américas e do Caribe.

Para quem se der ao (pequeno) trabalho de procurar no Youtube, existem muitas outras apresentações de Miriam Makeba gravadas ao vivo, com som e imagem — inclusive aquela do mesmo ano de 1968, quando ela cantou “Pata-Pata” em São Paulo, passando o vídeo depois a integrar o acervo da TV Record. Também nessa ocasião, Miriam Makeba via-se acompanhada por Sivuca, tocando violão acústico.

Arranjo Não é de Sivuca

Que o Martinho Moreira Franco não me venha novamente com aquela conversa de que entendo três ou quatro das 11 línguas oficiais da África do Sul, só porque tento apresentar aqui, logo abaixo, a título de curiosidade, a letra original de “Pata Pata”.

Antes, esclareça-se mais uma lenda em torno de Sivuca. Tem-se dito que ele teria sido o autor do arranjo para a música “Pata Pata”. O próprio Sivuca, porém, desmentiu isto muitas vezes. Ele era o diretor musical de Miriam Makeba e assim atuou por mais de quatro anos (ou, como queiram, por quase cinco anos).

Uma Criação Coletiva

No caso do arranjo de “Pata Pata”, a criação foi coletiva, isto é, com a participação da própria Miriam Makeba, de Sivuca e de todos os demais músicos envolvidos. Mas é claro que o mero ingresso, em qualquer grupo, de um profissional do quilate de Sivuca já seria suficiente para provocar mudanças na prática musical de seus integrantes.

E, afinal de contas, não se pode dizer que “Pata Pata” disponha de um arranjo particularmente interessante, de modo a fazer a cabeça de um sujeito como Sivuca. Ao invés de um arranjo superelaborado, o que se ouve, nesse número musical, é uma repetição encadeada de fórmulas ou blocos rítmico-melódicos sem muita criatividade. Então, em nada acrescentaria à trajetória artística de Sivuca dizer que ele foi ou não foi autor do arranjo final de “Pata Pata”.

Colaboração Importante

De outra parte, ao se ouvirem os discos subsequentes de Miriam Makeba [alguns deles com a direta participação do músico paraibano], torna-se claríssimo — pelo menos para o autor das presentes linhas — que a entrada de Sivuca para o grupo de Miriam Makeba teve o condão de melhorar em algo a produção artística da cantora negra. Afinal, repita-se, Sivuca era seu diretor musical. Neste sentido, pode dizer-se que, se Miriam Makeba já era famosa antes de incluir Sivuca em seu grupo de músicos, a atuação dele ajudou-a a firmar ainda mais seu nome, globalmente, como grande intérprete.

Só quem não reconhece a genialidade de Sivuca é que poderia imaginar que haja nas assertivas acima quaisquer laivos de, digamos, “bairrismo”. Os próprios críticos musicais americanos — e tenho seus artigos bem guardados! — trataram, à época, de bem ressaltar a contribuição de Sivuca (e de outros músicos) para a excelência da carreira de Miriam Makeba na fase pós-”Pata Pata”. Então, ficamos acertados: Sivuca não foi o “autor do(s) arranjo(s)” da música “Pata Pata”. O que havia era o seguinte: ele se reunia diá­ria e longamente com Miriam Makeba e, principalmente, com seus demais músicos, na base do try it & try it again — até o arranjo ficar ao gosto da cantora sul-africana. Depois disto, foi aquele sucesso mundial de que todos se lembram.

E a Tia Dorothy?

“Pata Pata” — que originalmente se chamou “Iyo Pata Pata” — não foi escrita, ao contrário do que se supõe, pela própria Miriam Makeba, mas pela Grande Dama da Música Africana, Dorothy Masuka, a igualmente célebre “Tia Dorothy”. Essa excepcional cantora de jazz e de outros ritmos nasceu em 1935, na antiga Rodésia do Sul, hoje Zimbábue. E a mesma música já havia sido gravada em 1956, na África do Sul, com relativo sucesso, com aquele título de “Iyo Pata Pata”. Mas somente se transformaria em hit mundial depois da edição discográfica americana, com o citado single de 1967, pela gravadora Reprise Records — evidentemente que com a decisiva participação de Sivuca.

Porque nos créditos do disco aparece o nome de Jerry Ragovoy, um judeu da Filadélfia, nascido em 1935, pensou-se que ele fosse o autor da letra de "Pata Pata", ao lado de Makeba. Mas não: juntamente com Osibisa e Percy Faith, ele foi o produtor do disco, arranjador (com Jimmy Wisner, também regente) e responsável pela transcrição da música em partitura. Essa partitura de "Pata Pata", assinada por ele foi, aliás, também muito vendida no Brasil, nas décadas de 1960 e 1970 — daí a confusão sobre a autoria.

O letrista e produtor fonográfico Jordan "Jerry" Ragovoy faria, com um músico amigo, Weiss, outro ótimo arranjo para "Ring Bell, Ring Bell", música também cantada por Miriam Makeba. Em “Pata Pata: The Hit Sound of Miriam Makeba”, um LP (estéreo) posterior ao single (mono) "Pata Pata", Jerry atuou também como supervisor de produção, produtor e arranjador, ao lado de Sivuca, Jimmy Wisner e Luchi de Jesus, sendo a direção artística desse posterior disco de Ed Thrasher.

Duo Ouro Negro

Ao ser convocado por Miriam Makeba, então atuando também nos EUA, Sivuca não era totalmente jejuno em termos de música africana — sem falar na circunstância de que boa parte da música brasileira tem raízes na África. Depois de sair da França, ele foi para Portugal e lá tocou com dois angolanos de muito talento, Raul Indipwo e Milo MacMahon (seus nomes africanos, porque, em Portugal, ganharam outras identidades: Raul Aires Peres e Emílio Pereira). Esses dois jovens formavam o excelente Duo Ouro Negro, que desde sua criação fizera sucesso em Angola.

Em 1967, pouco antes de sua colaboração com Miriam Makeba e a consequente participação em “Pata Pata”, Sivuca chegou a gravar um disco inteiro com esse Duo Ouro Negro. Como se viu, era um conjunto musical de Angola, sim, mas que desde 1959 fazia longa turnê pela Lusitânia — bem antes, pois, da guerra de independência angolana.

E urge reeditar, alhures ou até por aqui mesmo, as gravações desse desaparecido Duo — particularmente o magnífico disco de que Sivuca participou, haja vista que todas as produções discográficas de Raul & Milo se encontram há décadas esgotadas.

Ainda Miriam Makeba

Sivuca impressionara Miriam Makeba, logo de saída, ao tocar ao violão — com a maior facilidade/naturalidade ou, como se diz, “tirando de letra” — os ritmos africanos preferidos da já então célebre intérprete.

Ficaria ainda mais famosa, claro, depois dessa exitosa parceria com o paraibano, que, ao contrário da crença popular, com ela manteve um envolvimento amical e profissional, e não uma relação sentimental, no sentido amoroso.

Letra de “Pata-Pata”

Mas vamos à — ahan, como direi? — letra ou lyrics de “Pata Pata” [a grafia das versões varia enormemente, dependendo do método usado para transcrever de forma romanizada a língua xóssa original]:

Primeira estrofe:

Sat wuguga sat ju benga sat si pata pata

[repete três vezes]

Primeiro refrão:

Hihi ha mama, hi-a-ma sat si pata pata

[repete uma vez]

A-hihi ha mama, hi-a-ma sat si pata pata

[repete uma vez]

Segunda estrofe:

Aya sat wuguga sat ju benga sat si pata pata

[repete uma vez]

A sat wuguga sat ju benga sat si pata pata

[repete uma vez]

Terceira estrofe:

A sat wuguga sat ju benga sat si pata pata

[repete três vezes]

Segundo refrão:

Hihi ha mama, hi-a-ma sat si pata pata

[repete três vezes]

Quarta estrofe:

Haji-a sat wuguga sat ju benga sat si pata pata

A sat wuguga sat ju benga jo-ho

A sat wuguga sat ju benga sat si pata pata

A sat wuguga sat ju benga sat si

Quinta estrofe:

Aya sat wuguga sat ju benga sat si pata pata

A sat wuguga sat ju benga sat si pata pata

[repete duas vezes]

Terceiro refrão:

Hihi ha mama, hi-a-ma sat si pata pata

[repete uma vez]

A-hihi ha mama, hi-a-ma sat si pata pata

[repete uma vez]

Sexta estrofe (final, ufa!):

Huh - a sat wuguga sat — hit it!

Aah - sat wuguga sat — aim not si — hit it!

A sat wuguga sat ju benga sat si pata

Aya sat wuguga sat — wo-ho-o...

Para Quem Não Entendeu

Entenderam tudo?! Bem, há algumas expressões inglesas na letra — mesmo porque o inglês é uma daquelas 11 línguas oficiais da África do Sul. E, apesar da coreografia, “Pata Pata” nada tem a ver nem com pata (de animal), nem muito menos com a pata (fêmea do pato).

Como se pode deduzir (?!) da parte declamada da letra, em inglês, pata pata é apenas do nome de uma dança negra coreografada por dançarinas e dançarinos “para dentro” e “para fora” da cidade de Johannesburg (uma das capitais da África do Sul). Na infância de Miriam Makeba, era comum uma brincadeira, bailada por meninas: uma dança justamente denominada pata, pata [= “toque, toque”, “pegue, pegue”]. Algo parecido, em tese, com o brasileiríssimo (?!) jogo do “toca”, o jogo do “pega”, recordam-se?

Ainda Tentando Explicar

Na língua xóssa [xhosa], a letra da música alude ao fato de que, quando se inicia a “função” da brincadeira infantil e/ou música de jovens, dita pata pata, todo mundo começa a se balançar, ao ritmo do atrativo som. Acrescenta-se: “principalmente toda sexta-feira e todo sábado é dia e hora de dançar a pata-pata”, de modo que “uau, a dança continua por toda a noite e não para mais”, até que “o sol da manhã comece a brilhar, ei!”. Esta primeira tentativa de “tradução” resulta bem menor que o original em xóssa, porque, nele, os versos são bisados à exaustão. Alguém se lembrou aí de Rebolation?

Como Você talvez não desconheça, o idioma xóssa — nativo na etnia do pai de Makeba — é uma daquelas línguas africanas que usam cliques (muxoxos, estalidos de lábios, “chupadas” de língua etc) como consoantes. Para dizer a coisa tecnicamente, na usança dos linguistas, algumas dessas consoantes-cliques são produzidas por sons de tique-taque e plosivos, alguns deles formados com a epiglote, no fundo da garganta.

Ouçam o “Qongqothwane”

Mas “Pata Pata” também não é a propriamente a música em que Miriam Makeba demonstra sua maior habilidade inata com tais cliques & estalidos. Neste estrito sentido, ela popularizou outra composição, justamente intitulada “The Click Song” [= “A canção dos estalidos”], que, em xóssa, com licença da má palavra, se diz Qongqothwane.

Versões de “Pata Pata” noutras línguas africanas resultariam em letras completamente diferentes. Isto porque o xóssa é língua do grupo banto, ao passo que o haússa (ou hausa) pertence ao grupo tchádico — e yorubá ou ioruba integra o grupo das línguas níger-congolesas. Agora, imaginem “Pata Pata” na língua... zulu, que praticamente só usa palavras miniquilométricas!

Finalizando a Explicação

Para Vocês intuírem que o xóssa não se constitui em língua chinfrim: além de ser um dos 11 idiomas oficiais da África do Sul (quantas vezes isto já foi dito, oh paciente leitor!), é também a língua de Nelson Mandela, do bispo Desmond Tutu e de muito negro africano de alma negra. Outra curiosidade: se, em xóssa, pata pata quer dizer “pegue, pegue” ou “toque toque”, em yorubá significa coisa absolutamente diversa — pois quer dizer exatamente “absolutamente”!... Complicado, hen?

Mas, deixando de enroladas, vamos concluir a “explicação” sobre a tradução da letra de “Pata Pata”. Em resumo, ela quer dizer mais ou menos o seguinte (e levem sempre em conta que essa música era cantada sob o regime do apartheid, sendo Miriam Makeba uma das bêtes noires do regime): “Algumas vezes me sento e imagino — imagino o quê? O que o povo quer realmente! O povo precisa de novo som, de nova dimensão, sim, de um sabor latino, sim, como mamãe gosta. Venha então, mamãe! E vocês sigam a mamãe”.

O Coro Rides Again

Aí o pessoal do coro fica repetindo (e algumas coisas são expletivas, não têm rigorosamente tradução): “Sacutunda sachipega, dançando a dança chamada pata pata... Pata Pata é o som que faz o povo se levantar, por isto eu o trouxe para minha geração; faz alguns se levantarem, dançarem, baterem. Sim, a pata pata está correndo por toda a nação. Mamãe, mamãe, mamãe, quero que você pule, salte, dance”.

E o coro rides again: “Não há quem não goste da pata pata. Quero que você mexa o traseiro, enquanto eu balanço os joelhos. Juntos, nós fazemos com que o ritmo se estabilize; e ficamos ligados como as abelhas ao mel. Mamãe, ei, mamãe, quero que você pule! Que pule a pata pata, a dança que faz o povo despertar. Ei, venham todos os que receberam este convite para minha festa. Especialmente as belas e quentes garotas, que nos farão rodar e sorrir. Pata pata é o General de todas as damas. Ê mamãe, ê mamãe! Me ame, me ame. Quem realmente quer me testar? Baby, me dê pata pata e diga se me ama. Bata no chão e comece a se mover, que me sinto toda pata pata. Deixe o ritmo fluir, bata palmas e cante, que esta é canção alegre. Não demoro a encontrar meu amor, porque me sinto pata pata. Você deve estar pensando em mim, porque me sinto toda pata pata. Pata pata é o jogo, pois me sinto pata pata. Então desça daí, dance, faça valer seus direitos”.

E por aí vai. Se a professora, crítica literária e conselheira de Cultura Ângela Bezerra de Castro — outra, como Glorinha Gadelha, descendente de cristãos-novos, sendo que no caso de Ângela tratava-se da família Crasto ou Crastro, com estas vetustas grafias mesmo! — se interessasse por tal gênero de traduções, juro que ela faria versão bem mais apropriada e correta que essa aí de cima, de nossa mísera lavra.

O Outro Fato Alvissareiro

Tanto falamos sobre “Pata Pata” — mas falta referir o outro fato alvissareiro, lembram-se? O quê? Como? Não, madame! Vou lhe esclarecer isto de alvissareiro. Para o Aulete, é “o que dá esperança, auspicioso, promissor”, como escreveu Lima Barreto em O triste fim de Policarpo Quaresma: “Coração dos Outros encheu-se de um alvissareiro contentamento”... Enfim, alvissareiro é algo que “dá ou promete boas notícias”. Alvissareiro era o “portador de boas notícias”; antigamente, designou quem anunciava a chegada de algum navio ao porto, por isso mesmo recebendo alvíssaras do dono da embarcação.

Posso continuar? Pois bem, o outro fato alvissareiro foi o telefonema do Editor-Geral do jornal A União, o jornalista e crítico musical Sílvio Osias, dando uma boa notícia e uma ordem. A boa notícia dizia: este tradicional Correio das Artes circulará em edição especial dedicada justamente a Sivuca. A ordem: minha apagada figura deveria lhe enviar um artigo sobre o Galego de Itabaiana. [Em tempo: Sílvio Osias é o autor da última entrevista com Sivuca, reproduzida neste número especial do Correio das Artes — aliás, uma das melhores entrevistas que Sivuca concedeu, sendo a outra aquela por ele dada ao site Gafieiras].

Dois Memoriais & A Biografia

A justificativa de Osias: fui sempre amigo do casal Sivuca/Glorinha — e sou, por deferente escolha da viúva de Sivuca, esta mesma compositora, cantora, escritora, contista e instrumentista Glorinha Gadelha, o “biógrafo oficial” da notável personalidade que por mais de 30 anos atuou como seu parceiro e marido.

Bem a propósito: essa biografia — de exatamente 512 páginas e fartamente ilustrada (inclusive com fotos inéditas) — deverá ser lançada quando da inauguração oficial, pelos Governos da Paraíba e Federal, do Memorial Sivuca, a ser erguido em João Pessoa, num esforço conjunto do Estado com o Ministério da Cultura.

Depois, o livro será lançado também no outro Memorial a Sivuca — aquele que já vai sendo construído em Itaibana pela prefeita Dona Dida, com apoio das mesmas autoridades estaduais e muita gente de boa vontade (os poucos que têm má vontade, por viés político e/ou ideológico ou por mau-caratismo mesmo, ficam tentando botar terra — mas tudo está indo em frente). Sivuca contará, assim, com dois Memoriais: um na capital paraibana e outro em sua terra natal. Quem viver verá.

FENART Homenageia Sivuca

A versão 2010 do FENART (Festival Nacional de Arte da Paraíba), realizado tradicionalmente no Espaço Cultural “José Lins do Rego”, em João Pessoa, homenageia o grande Sivuca. Ele estaria completando 80 anos neste 26 de maio — data exatamente inserida no período de realização do Festival, que dura uma semana. E, neste sentido, as coisas aconteceram como a seguir se conta.

Em fins do ano passado, Glorinha Gadelha conversava conosco, antes de se iniciar mais uma reunião semanal do Conselho Estadual de Cultura. A certa altura, na conversa pessoal, surgiu a pergunta: como a Paraíba deveria comemorar, com brilho, a passagem dos 80 anos de nascimento de Sivuca, músico que alcançou fama nacional e internacional?

No Conselho de Cultura

Foi a própria Glória Gadelha, durante esse papo informal, quem nos aventou a possibilidade de a homenagem ocorrer quando da realização do então já anunciado FENART 2010.

Mas, com a natural reserva e a ética que secularmente marcam sua ascendência dos cristãos-novos — aqueles de sobrenome Gheddelya —, não se sentia ela à vontade para sugerir esse ou qualquer outro tributo à memória do falecido esposo.

Tomamos então a nosso encargo apresentar a lembrança ao plenário do Conselho Estadual de Cultural: recomendasse à Fundação Espaço Cultural que o FENART 2010 fosse dedicado oficialmente ao transcurso dos 80 anos do genial Severino Dias de Oliveira, o Sivuca.

A Aprovação dos Conselheiros

Todos os conselheiros, sem exceção, receberam entusiasticamente a idéia — afinal aprovada à unanimidade pelos integrantes da instituição. Achava-se ali o Dr. Maurício Navarro Burity, presidente da própria FUNESC e, como tal, membro nato do CEC. Ele recebeu essa recomendação com muita alegria.

— Afinal — disse o Dr. Maurício Burity —, a diretoria da Fundação Espaço Cultural já vinha estudando alguns nomes para, dentre eles, escolher o homenageado de 2010. E o nome de Sivuca, obviamente, estava entre aqueles sob exame. Agora, com a recomendação oficial do Conselho Estadual de Cultura, cessa qualquer discussão neste sentido: sem dúvida, o homenageado deste ano será Sivuca. Mais do que outros, ele merece.

Genialidade & Estudo Árduo

E merece mesmo. O Severino Dias de Oliveira nascido em Itabaiana a 26 de maio de 1930 e falecido em João Pessoa a 14 de dezembro de 2006 levou a Cultura da Paraíba, do Nordeste e do Brasil aos mais inesperados quadrantes do Mundo. Influenciou músicos no Brasil e no Exterior, inclusive nos Estados Unidos — onde outros, neste particular, não encontrariam caminho fácil.

A genialidade de Sivuca consistia em muitos fatores & facetas, mas sobretudo de algumas mais identificáveis. Tendo nascido com um dom ou talento excepcional, não confiou apenas na genialidade inata e/ou na sorte. Desde sua fase recifense, em particular, estudou muito, suou a camisa; dedicou-se não apenas à prática de seu instrumento do peito (a sanfona), dos teclados em geral, do violão — mas também ao aprendizado teórico em profundidade.

Com isto, sem esquecer suas raízes populares, chegou a compor (e a compor muito e muito bem!) partituras eruditas para orquestras sinfônicas. Pela execução ou leitura de tais peças, deduz-se o superior domínio que alcançou nos mais insuspeitados arcanos da Música. Afinal, para ele, só existiam dois tipos de Música: a Música boa e a Música ruim — isto é, a anti-Música.

Sivuca gostava de repetir: se não tivesse estudado e, sobretudo, estudado música com afinco, talvez seu destino fosse mesmo o de ser um sapateiro, como se vislumbrava em sua infância e sem preconceitos ante os profissionais deste nobre ofício. E o caminho para os jovens músicos brasileiros é este: estudar, estudar, estudar, sem o que ninguém sai do canto em que está.

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