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O Dr. Guilherme d'Avila Lins pronuncia seu discurso de agradecimento.
[Clique nas fotos para ampliá-las]
O diploma com o título de Professor Emérito da UFPB.
[Clique nas fotos para ampliá-las]
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A Reitora Margareth Diniz, da UFPB, foi quem
presidiu a reunião solene para a entrega oficial do
diploma com o título de Professor Emérito.
[Clique nas fotos para ampliá-las]
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Médico e historiador Guilherme
Gomes da Silveira d’Avila Lins recebe diploma de “Professor Emérito” da
Universidade Federal da Paraíba
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Considerado um dos maiores especialistas mundiais em
História Colonial e, também, respeitado como notável professor de Medicina na
especialidade gastroenterológica, o Dr. Guilherme d'Avila Lins recebeu das mãos da Reitora
Margareth Diniz, em sessão solene realizada na Reitoria da UFPB, o diploma
referente ao título que lhe foi outorgado pelo Conselho Universitário ainda em
2003, ano em que se aposentou desta última Universidade em que até então
lecionava.
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por Evandro da Nóbrega,
escritor, jornalista, editor,
membro efetivo do IHGP (Instituto
Histórico e Geográfico Paraibano)
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FOTOS DE Angélica Gouveia,
Oriel Farias & Evandro da
Nóbrega
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Nesta e nas fotografias a seguir, flagrantes da solene entrega do título ao professor Guilherme Gomes da Silveira d'Avila Lins. [Clique nas fotos para vê-las ampliadas]
Em reunião solene ocorrida na
manhã desta quarta-feira, 11 de março, a reitora da Universidade Federal da
Paraíba, professora Margareth Diniz, entregou ao médico e historiador Guilherme
Gomes da Silveira d'Avila Lins o DIPLOMA com o título de Professor Emérito da
UFPB - distinção que lhe fora outorgada ainda em 2003, ano de sua
aposentadoria, na gestão do saudoso reitor Jáder Nunes de Oliveira.
No diploma em referência, lê-se o
seguinte: "Ministério da Educação - Universidade Federal da Paraíba -
DIPLOMA - A Reitora da UFPB, Professora Doutora Margareth de Fátima Formiga
Melo Diniz, por deliberação do Egrégio Conselho Universitário, em sessão
realizada em 29 de agosto de 2003, de acordo com a Resolução No. 08/2003, confere
ao Professor Doutor Guilherme Gomes da Silveira d'Avila Lins o título de
Professor Emérito. João Pessoa, 11 de março de 2020. Margareth de Fátima
Formiga Melo Diniz, Reitora."
SAUDAÇÃO DA REITORA
A solenidade de entrega do
diploma ocorreu na sala de sessões da SODS (Secretaria dos Órgãos Deliberativos
Superiores) da UFPB. Quem leu os termos da Resolução do Conselho Universitário
foi a secretária deste órgão, a Dra. Bagnólia Araújo Costa. Em seguida, o
professor (e, também, no momento, mestre de cerimônias) Paulo Wanderley,
destacou alguns pontos essenciais do currículo do homenageado.
Apenas dois oradores
pronunciaram-se durante a cerimônia: 1) o Dr. Guilherme d'Avila Lins (cujo
discurso leremos adiante) e 2) a magnífica reitora Margareth Diniz, que é
confreira do Dr. Guilherme na Academia Paraibana de Medicina e que disse
exatamente o seguinte, após as saudações de praxe:
"Aos componentes da mesa; às
autoridades; aos familiares e amigos do homenageado; meus senhores, minhas
senhoras; ao confrade Guilherme d'Avila Lins, ocupante da Cadeira número 4 na
magnífica Academia Paraibana de Medicina, da qual igualmente faço parte — uma
Academia que enfeixa em suas Cátedras personalidades de relevo, como é o caso
de nosso homenageado de hoje.
Em nome da UFPB, tive a honra de
proceder à entrega do título de PROFESSOR EMÉRITO ao médico, ex-docente e
historiador Guilherme Gomes da Silveira d'Avila Lins, durante esta solenidade
oficial e festiva, que conta com a participação de tão ilustres presenças.
O título de PROFESSOR EMÉRITO
está previsto em nosso Estatuto como honraria máxima que a UFPB outorga a seus
docentes. É uma distinção concedida a professores somente quando aposentados e
apenas àqueles que se destacarem nas atividades didáticas e de pesquisa — ou que,
de modo notável, tiverem contribuído para o progresso da Universidade. A
concessão deste importante título resulta da devida aprovação pelos membros do
Conselho Superior da UFPB, o Consuni (Conselho Universitário).
A entrega do título é feita num
evento oficial e solene, a fim de que se cumpram os termos da outorga, decidida
pela unanimidade do referido Conselho Universitário, conforme sua Resolução
número 09/2003, ao se pronunciar sobre a proposta de concessão pelo Curso de
Medicina/Disciplina de Gastroenterologia, à época no CCS (Centro de Ciências da
Saúde) do Campus I (João Pessoa).
E este evento oficial é também
uma festa porque celebramos com alegria cívica o reconhecimento da dedicação do
homenageado, bem como da relevância de suas contribuições à Universidade,
destacando-se sua produção acadêmica e seu desempenho em favor da Ciência, das
Letras, das Artes e da Cultura em geral.
Por tudo isto é que fazemos
questão de registrar: pelo tanto que a UFPB recebeu do homenageado e pela
alegria da acolhida que a Universidade sempre lhe propiciou, registramos hoje,
mais uma vez, a excelência da contribuição do Dr. Guilherme d'Avila Lins, a
quem de público somos agradecidos por seu mui expressivo desempenho.
Portanto, leve e guarde em seu
peito, Dr. Guilherme, para conforto de sua vida, algo bem maior que um mero
título honorífico: a GRATIDÃO daqueles que, com boa vontade — e, ainda, com Ciência,
com Tecnologia, com Arte — fazem a UFPB brilhar na existência das pessoas, nos
profissionais, nos cidadãos de seu quilate.
Obrigada pela grandeza do
conjunto de sua obra. Obrigada pela magnitude que sua condição de PROFESSOR
EMÉRITO empresta à nossa UFPB, fazendo-a maior. E obrigada também aos que aqui
se fizeram presentes, irmanando-se a esta singela mas expressiva
homenagem."
VALIOSAS CONTRIBUIÇÕES À UFPB
Como ressaltou a jornalista Aline
Lins, em texto noticioso escrito para o portal informativo da UFPB, a entrega
do diploma ao Dr. Guilherme constituiu-se num "reconhecimento às suas
contribuições à Universidade paraibana nos campos da Medicina e da
História". A cerimônia foi prestigiada por professores, pró-reitores,
diretores da UFPB, servidores técnico-administrativos, familiares e amigos do
homenageado.
E prossegue o texto de Aline Lins:
— A Universidade Federal da
Paraíba (UFPB) entregou o diploma referente ao título de Professor Emérito ao
docente Guilherme Gomes da Silveira d’Avila Lins, em reconhecimento às suas
contribuições para o desenvolvimento institucional e científico da UFPB. A
outorga ocorreu nesta quarta-feira (11), no prédio da Reitoria da UFPB, no
campus-sede, em João Pessoa, 17 anos após a aprovação unânime do título
honorífico pelo Conselho Universitário (Consuni), conforme a Resolução 09/2003.
ENTREGA ADIADA POR 17 ANOS
A indicação para receber o título
ocorreu em 2003, quando anunciou sua aposentadoria. O adiamento da outorga foi
motivado por uma série de circunstâncias alheias à vontade do homenageado. “Não
tenho muito compromisso com o tempo, mas sim com a realização”, assegurou.
A reitora Margareth Diniz disse,
durante saudação na solenidade, que, para ela, é uma honra proceder à entrega
do título, pois se trata de uma distinção concedida aos professores somente
quando aposentados, por se destacarem em atividades didáticas de pesquisa ou
que, de modo notável, tiverem contribuído para o progresso da universidade.
“É também uma festa porque
celebramos com alegria cívica o reconhecimento da dedicação e relevância de
suas contribuições à Universidade, destacando-se sua produção acadêmica e seu
desempenho em favor das Ciências, das Letras, das Artes, da Cultura em geral”,
afirmou.
A GRATIDÃO DA UNIVERSIDADE
A reitora ressaltou, ainda, que a
acolhida da UFPB ao professor para homenageá-lo registra, mais uma vez, o
desempenho que ele teve ao longo de sua carreira.
“Leve e guarde, doutor Guilherme,
dentro do peito, para a sua vida, que é um bem maior que um título honorífico,
mais um entre tantos que o senhor já foi agraciado, a gratidão daqueles que,
com boa vontade, Ciência, Tecnologia e Arte, fazem a UFPB brilhar”, declarou.
A cerimônia foi prestigiada por
professores, pró-reitores, diretores da UFPB, servidores
técnico-administrativos, familiares e amigos do homenageado. Entre os
convidados, estiveram presentes o presidente do Instituto Paraibano de
Genealogia e Heráldica, Teldson Douetts, e o jornalista e escritor Evandro da
Nóbrega, além de outros historiadores e acadêmicos.
A ESPOSA E A AMANTE
O professor Guilherme Gomes da
Silveira d’Ávila Lins é natural de João Pessoa. Pelo fato de ser uma autoridade
reconhecida nacional e internacionalmente nas áreas da História e da Medicina,
denomina-se um ‘alienígena’ na área da Historiografia, à qual, no entanto, se
dedica há 50 anos.
“Sou um estudioso, um pesquisador
de nossa História Colonial, de nossa História Regional, da História do Nordeste
e, particularmente, da História paraibana. Casei-me com a Medicina, mas a
História foi minha amante”, disse.
CRÍTICAS À REFORMA CÊNTRICA
Depois de abrir oficialmente a
solenidade, a reitora Margareth Diniz constituiu um comitê de recepção para
introduzir no recinto o homenageado Guilherme Gomes da Silveira d'Avila Lins.
Essa comissão foi composta pelos Drs. Raimundo Barroso Cordeiro Júnior (chefe
de Gabinete da Reitoria da UFPB), Mozart Vergetti de Menezes (coordenador da
Graduação em História na mesma instituição de Ensino Superior); e Ângelo Emílio
da Silva Pessoa (professor do Departamento de História da maior Universidade
paraibana).
O Dr. Guilherme d'Avila Lins
dividiu seu discurso em duas partes:
a) um introito, em que se referiu
a suas atividades como médico, professor, historiador e escritor — inclusive
fazendo pertinentes críticas à maneira como foi feita, ainda na década de 1970,
a chamada "Reforma Cêntrica" da UFPB, embora ressaltando a
importância, a racionalidade e outras virtudes das unidades departamentais,
isto é, dos Departamentos constitutivos dos diversos Centros; e
b) o ensaio histórico (sobre a
História da Medicina), sob o título de "MÉDICOS E MEDICINA NO BRASIL DOS
PRIMEIROS SÉCULOS ", com aprofundado "approach" de interesse não
apenas para historiadores, mas, igualmente, para médicos das mais diversas
especialidades. Esta autêntica conferência é transcrita adiante, na íntegra,
como mais um bônus para o leitor.
QUEM É O DR. GUILHERME
Os tópicos abaixo foram retirados
do volumoso "curriculum vitae" do médico, historiador e escritor Guilherme
Gomes da Silveira d'Avila Lins:
* Professor Emérito da
Universidade Federal da Paraíba (UFPB), última instituição de Ensino Superior
em que lecionou
* Ex-Pesquisador de História do
Núcleo de Documentação e Informação Histórica Regional da Universidade Federal
da Paraíba (NDIHR/UFPB)
* Sócio-Correspondente do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB)
* Sócio-Correspondente do
Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal (IHGDF)
* Sócio-Correspondente do
Instituto Histórico e Geográfico do Mato Grosso (IHGMT)
* Sócio-Correspondente do
Instituto Histórico e Geográfico do Paraná (IHGPR)
* Sócio-Correspondente do
Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo (IHGSP)
* Sócio-Correspondente do
Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB)
* Sócio-Correspondente do
Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe (IHGSE)
* Sócio-Correspondente do
Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas (IHGAL)
* Sócio-Correspondente do
Instituto Arqueológico Histórico e Geográfico Pernambucano (IAHGP)
* Sócio-Correspondente do
Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte (IHGRN)
* Sócio-Correspondente do
Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão (IHGM)
* Sócio-Correspondente do
Instituto Histórico e Geográfico de Patos (IHGP-PB)
* Sócio Honorário do Instituto
Histórico e Geográfico do Cariri (IHGC)
* Sócio Efetivo do Instituto
Histórico e Geográfico Paraibano (IHGP), de que já foi presidente
* Sócio Efetivo do Instituto
Histórico de Campina Grande (IHCG)
* Sócio Efetivo do Instituto
Paraibano de Genealogia e Heráldica (IPGH), que também já presidiu
* Membro Fundador do Instituto
Histórico e Geográfico de Areia (IHGA)
* Sócio Efetivo da Sociedade
Paraibana de Arqueologia (SPA)
* Sócio Efetivo da Associação
Paraibana de Imprensa (API)
* Membro Efetivo da Academia
Paraibana de Medicina (APMED)
* Membro Efetivo da Academia
Paraibana de Filosofia (APF)
* Membro Efetivo da Academia
Paraibana de Letras (APL)
* Membro Efetivo da Academia de
Letras de Areia (ALA)
* Membro Titular do P.E.N. Clube
do Brasil (Associação Mundial de Escritores)
* Membro Efetivo do Centro de
Investigação Professor Doutor Joaquim Veríssimo Serrão (CIJVS), de Portugal
*
Ex-Pesquisador de História do Núcleo de Documentação e Informação
Histórica Regional da Universidade Federal da Paraíba (NDIHR/UFPB)
* etc etc etc.
ALGUNS DOS PRESENTES À SOLENIDADE
Tornou-se pequena a sala de
reuniões da SODS/UFPB para abrigar autoridades, amigos, admiradores e outros
interessados em acompanhar a entrega do título de Professor Emérito ao Dr.
Guilherme d'Avila Lins. Entre outros, fizeram-se presentes:
* o professor Isac Almeida de
Medeiros, pró-reitor de Pesquisa da UFPB;
* o professor Aluísio Mário Lins
Souto, pró-reitor de Administração da UFPB;
* o professor Severino Gonzaga
Neto, pró-reitor adjunto de Administração da UFPB;
* o professor Francisco Ramalho
de Albuquerque, pró-reitor de Gestão de Pessoas da UFPB;
* a professora Maria Luciene
Wanderley Alves, chefe do Cerimonial da UFPB e, portanto, responsável pela
organização deste importante evento;
* o professor Antônio de Mello
Villar, diretor do CT (Centro de Tecnologia da UFPB);
* o Dr. Raimundo Barroso Cordeiro
Jr., chefe de Gabinete da Reitoria da UFPB;
* o professor Mozart Vergetti de
Menezes, coordenador da Graduação em História na UFPB;
* o professor e historiador
Ângelo Emílio da Silva Pessoa, do Departamento de História da UFPB;
* o professor Saint-Clair
Avellar, superintendente de Segurança Institucional da UFPB;
* o professor titular Lúcio
Flávio Vasconcelos, historiador, escritor e assessor do Gabinete da Reitoria da
UFPB;
* o advogado, radialista,
pesquisador, professor, conferencista e genealogista Teldson Douetts Sarmento,
presidente do IPGH (Instituto Paraibano de Genealogia e Heráldica);
* o professor Gustavo Tavares da
Silva, coordenador de Planejamento da PROPLAN/UFPB;
* o professor Carlos Fernando
Tavares de Melo, docente aposentado do Departamento de Medicina Interna do
Centro de Ciências Médicas da UFPB;
* o professor, crítico literário,
escritor, poeta e acadêmico Hildeberto Barbosa Filho, também docente da UFPB;
* o servidor Oriel Farias,
assessor de Editais da Reitoria da UFPB (filho do professor, historiador e
fotógrafo Arion Farias e neto do saudoso fotógrafo paraibano Ariel Farias);
* a Dra. Maria da Penha
Martiniano, secretária da Chefia de Gabinete da UFPB;
* a Dra. Valquíria Villar,
secretária-executiva da Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas da UFPB;
* a Dra. Maria Josileide Mendes
de Morais, da Secretaria da Reitoria da UFPB;
* o já citado patoense e
professor da UFPB Paulo Wanderley, no momento atuando como mestre de
cerimônias;
* a também já citada Dra.
Bagnólia Araújo Costa, coordenadora da Secretaria dos Órgãos Deliberativos
Superiores da UFPB;
* a jornalista Aline Lins, da
ASCOM/UFPB (Assessoria de Comunicação da Universidade Federal da Paraíba); e
* a fotógrafa Angélica Gouveia,
também da Assessoria de Comunicação da UFPB.
________________
Mais flagrantes da entrega do título de Professor Emérito da UFPB ao Dr. Guilherme
________________
ALGUMAS
PALAVRAS PREAMBULARES
Foi
este o título que deu o Dr. Guilherme d’Avilla Lins às palavras com que iniciou
sua alocução comemorativa, a qual constou dos seguintes parágrafos:
“Antes
de oferecer o texto que trouxe para esta ocasião, gostaria de dizer poucas
palavras preambulares que delineiam alguns sentimentos meus, algo da minha
trajetória profissional e do meu perfil universitário aqui arrolado em poucos
tópicos. As primeiras palavras são de gratidão a esta Instituição de Ensino
Superior e com ela trago a sensação do dever cumprido como um de seus membros
menos políticos.
Se eu tivesse de sintetizar aqui a
minha larga vivência nesta Casa destacaria apenas um exemplo: certo dia em 1997
recebi dos meus alunos em sala de aula uma folha de bloco de papel contendo uma
mensagem manuscrita e assinada por todos eles onde me nomeavam ali o “Professor
do ano” e agradeciam as radicais mudanças do modelo pedagógico-didático (training
practice) que ousei introduzir sponte propria no ensino da
Gastroenterologia, fato que só foi possível mediante a anuência e a
participação conjunta, simultânea e diária dos meus valiosos colegas naquela
Disciplina, com os quais compartilho a subida honra então recebida.
Enfim, à nossa UFPB desejo todo o
sucesso possível no porvir que se descortina, sucesso que deve ser acompanhado
de uma verdadeira autonomia universitária e, se possível, enriquecido pela
plena restauração da Hierarquia do Saber
que nos foi solapada há pouco mais de cinco décadas. Por fim, foi aqui que
burilei a minha já longa experiência universitária (no meu caso
multi-versitária) e que consegui sedimentar minhas convicções universitárias
para melhor palmilhar as trilhas que percorri.
Vamos,
pois, àqueles poucos tópicos prometidos.
1)
Por motivos alheios à minha vontade já são passados dezessete anos desde a
outorga deste Título de Professor Emérito da UFPB, o que muito me honra
e dignifica, mas, ao longo deste interregno, tive que adiar várias vezes a
solenidade de entrega do respectivo Certificado em sessão solene, mas esta aqui
já detém toda a solenidade de que preciso. Enfim, somente agora isto acontece
para remissão daquela longa postergação, mas, como se diz, é melhor tarde do
que tarde demais. De todo modo jamais houve pouco caso de minha parte; foram as
vicissitudes da vida que me impuseram esta postergação. Diante disto tenho ao
menos algumas palavras de consolo: trata-se uma frase que cunhei há várias
décadas e que diz: “Eu não tenho muito compromisso com o tempo, mas
sim com a realização”.
2)
Mesmo sendo esta a sexta Instituição de Ensino Superior em que exerci a
docência, ela foi a última delas e as demais foram no Estado de São Paulo. A UFPB, entretanto, representa a experiência
mais marcante da minha vida universitária até pelos desafios que aí encontrei,
mas que felizmente pude superar. Embora eu não tenha me graduado aqui e sim na
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), conquistei minha naturalidade
universitária paraibana ainda nos anos setenta do século passado através de
concurso para Professor da Disciplina de Gastroenterologia no nosso
Departamento de Medicina Interna, o qual, mais tarde vim a chefiar em duas
gestões consecutivas. Quanto a História da nossa antiga Faculdade de Medicina
da Paraíba, esta eu conheço razoavelmente bem desde a sua origem já que meu
saudoso pai, Prof. Dr. Antonio d’Avila Lins, foi um dos seus fundadores além de
ter sido, após a respectiva federalização, Professor Catedrático da 1a
Clínica Cirúrgica até atingir a aposentadoria compulsória em 1973, tendo também
recebido o título de Professor Emérito.
3)
Graduado em 1968, minha formação médica se deu ainda sob o manto do antigo
regime das Universidades Brasileiras, graças a Deus, o regime das Faculdades dirigidas por Catedráticos, o regime das Congregações das Faculdades compostas
por Catedráticos e as respectivas Cátedras regidas e administradas por Catedráticos, cujos títulos eram
conquistados em defesas de teses públicas de repercussão nacional. Só os Professores Adjuntos, Doutores ab
initio, (autóctones ou alienígenas) podiam aspirar uma Cátedra. Curiosamente este modelo ainda subsiste em grande
parte do mundo civilizado (não norte-americano). As Cátedras constituíam cláusulas pétreas (autônomas) das Faculdades e representavam as Sedes
Sapientiae (educacionais e administrativas das Faculdades), simbolizando a Hierarquia
do Saber. E por Saber entenda-se Proficiência
específica e Cultura de um modo geral. Exemplificando, dentre as pouco
mais de três dezenas de Cátedras da
minha Faculdade de origem, cinco ou
seis dos seus Professores Catedráticos
eram membros da Academia Pernambucana de Letras e muitos outros eram membros da
Academia Pernambucana de Medicina.
Eram outros tempos. Em certa altura, face ao
autoritarismo do Poder Central então outorgado aos brasileiros, viram-se
condenadas à abolição as Faculdades (transformadas
em Cursos, rebaixadas de “sargento a
cabo”) e as Cátedras (nichos de
independência e autonomia) inaceitáveis a partir de então pela ameaça que representam
ao Regime. Surgiu assim a famigerada Reforma Universitária de 1968 (cuja
estrutura organizacional estratificada foi encomendada fora do País), a qual
prometia a “modernização” do Ensino mudando só o formato e os conceitos. Na
verdade impôs a pulverização da autonomia e do poder das Universidades. Vivia-se a partir daí então a chamada estrutura cêntrica, uma verdadeira
“pirâmide de Babel”, polimórfica por definição, pois cada Centro falava vários idiomas e atendia a interesses muitas
vezes díspares. Estava fundada a chamada “democracia universitária” que vemos
até hoje.
Nos dias atuais o Professor
chega inclusive a correr riscos com os quais jamais sonhou. A “democracia
universitária” abriu espaço para os “partidos universitários” que mimetizam o
Parlamento que hoje conhecemos. Basta ver a composição dos Centros das Universidades de hoje para ilustrar o que afirmo.
Enfim, desta composição polimórfica e díspar não escaparam nem os Departamentos, as únicas peças lúcidas
daquele “tabuleiro de xadrez” então criado. Foi bom, sem dúvida, o conceito de Departamento, mas nem sempre sua
composição é racional e coerente. Como se pode ver, não foi fácil a adaptação a
este “admirável mundo novo” das universidades “modernizadas”, mas, como um ser
bem disciplinado, consegui não me afogar nele. Neste particular fui de fato
disciplinado, mas serei sempre um rebelde
com causa munido da liberdade que a provectude me confere. Noutras
palavras, sou uma espécie de fóssil vivo, algo parecido com o peixe
celacanto que ainda pode ser encontrado no Oceano Índico resistindo até os dias
atuais.
4)
Mais ainda, sou um fóssil vivo em muitos outros aspectos. Assim me sinto
ao ver que a Família como a conheci
também foi abolida. Aprendi que a Família
educa e o Professor instrui e dá seu
exemplo. Sinto-me ainda um animal virtualmente extinto quando abro um portal
das mídias televisivas e um repórter (não identificado) me manda entender
o que é o coronavírus ou a hepatite C e, mais deprimente ainda, escrevendo o
português mais chinfrim que já vi na minha vida. Enfim, sou do tempo em que
numa fila qualquer os homens espontaneamente davam a sua vez às mulheres e aos
mais idosos por mera educação doméstica. Sou de uma época em que as mulheres
eram cortejadas sem precisar se sentir assediadas se tratadas com o devido
respeito.
5)
É ainda interessante acrescentar que desde o início da minha vida acadêmica (e
pelos anos afora) alimentei um hábito
correlato e um gosto paralelo. No
primeiro caso, quando podia, eu não deixava de assistir as defesas de teses
(Doutorado, Livre Docência e Cátedra, além das modernas defesas de Mestrado e
Doutoramento). Foram várias dezenas delas, incluindo a do Prof. Salomão Kelner
(UFPE) e a do Prof. Euryclides de Jesus Zerbini (USP). Uma experiência
extraordinária com muitas coisas para contar. No segundo caso, desde o primeiro
ano do Curso Médico desenvolvi o gosto paralelo pela pesquisa e estudos
históricos, vela que me ilumina até hoje e que me dá uma satisfação
incomensurável. Assim, não me considero hoje parte de um universo de
especialidades médicas, mas sim membro do multiverso do qual todos somos parte.
6) Certa vez o Prof. Dr. Arno
Wehling (ex-Reitor da Universidade Gama Filho e Presidente do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro durante 23 anos) me perguntou se eu também
fazia pesquisas sobre a História da
Medicina. Diante da minha negativa, ele comentou: “Entendo, são duas
vertentes do conhecimento que para você correm paralelas até o infinito”.
Àquela altura não sabia eu que teria de reconsiderar a minha postura. É que há
dois ou três anos recebi um convite dos organizadores do IV Conclave Nacional
da Federação das Academias de Medicina para ali proferir uma palestra. O
resultado representou um traço de união entre aquelas duas áreas do
conhecimento, a minha bipolaridade cultural. Dessa maneira resolvi trazê-lo
aqui para esta audiência, com as devidas adaptações, como um exemplo deste meu
perfil bizarro.
______________
A fotógrafa Angélica Gouveia e a jornalista Aline Lins,
ambas da ASCOM - Assessoria de Comunicação da UFPB.
O Dr. Guilherme d'Avila Lins, a Reitora Margareth Diniz
e o autor deste compte-rendu jornalístico, o escritor, jornalista,
editor e historiador Evandro da Nóbrega, servidor da Universidade Federal
da Paraíba por 39 anos e decano-fundador da antiga Sala de Imprensa da UFPB,
depois Assessoria de Comunicação,Coordenadoria de Comunicação,
Polo de Comunicação, ASCOM etc.
da Paraíba por 39 anos e decano-fundador da antiga Sala de Imprensa da UFPB,
depois Assessoria de Comunicação,Coordenadoria de Comunicação,
Polo de Comunicação, ASCOM etc.
______________
A CONFERÊNCIA DO DR.
GUILHERME GOMES DA
SILVEIRA
D’AVILA LINS SOBRE OS
TEMPOS INICIAIS DA
MEDICINA
NO BRASIL, INCLUSIVE NA
PARAÍBA
MÉDICOS
E MEDICINA NO BRASIL DOS PRIMEIROS SÉCULOS
Antes de
qualquer coisa quero mencionar ao menos três médicos dentre muitos outros
grandes estudiosos da História da Medicina no Brasil. Esta menção representa
uma singela mas justa homenagem que lhes dedico aqui nominalmente e também é
extensiva aos demais não citados. Em ordem cronológica são eles o pernambucano
Leduar [Figuerôa] de Assis Rocha (1904-1994), o fluminense Lycurgo [de Castro]
Santos Filho (1910-1998) __- a quem chamo de o “Francisco Adolpho de Varnhagen da Medicina Brasileira”, já que se
este último foi o primeiro autor nacional a escrever a mais abrangente História Geral do
Brasil, a seu turno aquele ilustre médico fluminense foi o primeiro
autor nacional a escrever a mais abrangente História
Geral da Medicina Brasileira ___ e, completando esta lista
tríplice, temos o paulista não menos importante Carlos da Silva Lacaz
(1915-2002).
Vale lembrar que
tanto Lycurgo Santos Filho quanto Carlos da Silva Lacaz foram Membros da
Academia Nacional de Medicina e, por sua vez, Leduar de Assis Rocha pertenceu à
Academia Brasileira de Medicina Militar, à Academia Pernambucana de Medicina e
à Academia Olindense de Letras. Enfim, entendo que os pesquisadores da História
da Medicina no Brasil, particularmente os que perscrutam as épocas mais
remotas, são estudiosos muito especiais do nosso passado já que, por assim
dizer, navegam por mares ignotos munidos de imprecisos e vagos portulanos. Se melhor
apraz, eles garimpam num particular “sítio arqueológico” do conhecimento dentre
os mais escassos em “gemas” de interesse no contexto da nossa História Geral.
Enfim, no que tange aos primeiros séculos da Medicina no Brasil, inúmeros são
os filões que eventualmente podem apresentar algo de valor nesse tipo de
pesquisa porém, muitas vezes, a coleta de real utilidade é diminuta em cada veio
analisado.
Perceba-se
agora que este tema intitulado “Médicos e Medicina no Brasil dos primeiros séculos” está em sintonia com um
fulcral conceito do saudoso Prof. Dr. Lycurgo Santos Filho, para quem é
incorreto falar em “Medicina Brasileira” dos primeiros séculos,
mas sim em “Medicina no Brasil”
dos primeiros séculos. Ademais é impraticável esmiuçar este assunto ao
longo do regimental porém exíguo lapso de tempo de que disponho. Precisaria de
muito mais. Se é assim, deve-se então considerar este tema exageradamente
abrangente para esta ocasião? Não penso dessa maneira. Entendo que este
cabeçalho é de fato adequado e serve essencialmente para configurar o racional recorte
cronológico a ser abarcado no contexto daquilo que se chama de primeiros séculos
da “Medicina no Brasil” e não
para sinalizar a abrangência geral daquilo que deve ser obrigatoriamente desenvolvido
nesta alocução.
Além disso,
este recorte cronológico permite afirmar que, a rigor, a “Medicina
Brasileira” propriamente dita só teve seu marco inicial a partir de 1808 na
Bahia e logo a seguir no Rio de Janeiro, por ocasião da transmigração da
Família Real para estas plagas tropicais. Só então esta terra veio a perder as
limitações sociopolíticas da condição de Colônia Ultramarina do Reino de
Portugal e Algarves para assumir a condição de Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves sob a égide do
Príncipe Regente D. João, futuro Rei D. João VI, o qual, desgraçadamente,
apesar do seu importante legado nesta terra ficou sendo mais conhecido aqui
como um mero “comedor de frangos”. Basta recorrer à obra Dom João VI no Brasil
de Manuel de Oliveira Lima para se aquilatar o profícuo legado desse monarca
neste País e, levando em consideração o que mais concerne a nós médicos,
registre-se já, entre seus feitos, a criação da Escola Médico-Cirúrgica no
Terreiro de Jesus, Salvador, Bahia (1808), juntamente com a Escola Anatômica,
Cirúrgica e Médica no Rio de Janeiro e também a Junta Vacínica da Corte (1811).
Volto-me agora
para a questão da periodização da História da Medicina no Brasil, essencial
para a contextualização dos mais diversos tipos de pesquisas nessa área do conhecimento
e também fundamental para a caracterização dos mais variados momentos da trajetória
desse particular ofício ao longo do tempo. Em História a periodização é a
difícil tarefa de estabelecer de maneira racional os limites das diversas
partes ou recortes que compõem o todo. Na realidade lida-se aí com fronteiras
facilmente aparentes ou não e como, em princípio, toda “fronteira” é
“litigiosa” se antevê a vulnerabilidade conceitual dos diversos modelos
propostos. No que diz respeito à História da Medicina no Brasil optei
aqui (com poucas diferenças, em geral terminológicas) por um modelo de
periodização inspirado no que foi defendido por Lycurgo Santos Filho, aliás
bastante confiável quanto às respectivas demarcações de limites:
1.
– Fase inicial
ou da medicina dos físicos (hoje os
médicos clínicos) e cirurgiões, barbeiros,
barbeiros-cirurgiões, parteiras, boticários, aprendizes, curiosos, pajés e curandeiros
[desde o inicio do povoamento e colonização desta terra até os primeiros
anos do século XIX, mais precisamente 1808, ano da chegada da Família Real ao
Brasil]
1.1. – Medicina indígena;
1.2. – Medicina africana;
1.3. – Medicina ibérica [exercida por profissionais
habilitados ou não, cristãos-novos e cristãos-velhos, inclusive por colonos
naturais do Brasil];
1.4. – Medicina jesuítica [exercida por irmãos ou
padres enfermeiros com suas boticas]
1.5. – Medicina do Brasil holandês;
2.
– Fase secundária
ou do processo de semeadura de uma
Medicina Brasileira propriamente dita [a partir de 1808, desde a fundação
das já referidas duas Escolas Médicas, na Bahia e no Rio de Janeiro, sob a
influência cultural portuguesa, espanhola e também francesa até cerca de meados
do Século XIX. Por esse tempo surgiram pioneiros periódicos médicos no Rio de
Janeiro e em Pernambuco como a REVISTA MEDICA FLUMINENSE (1833-1841) e os ANNAES
DA MEDICINA PERNAMBUCANA (1842-1844), de que se fez uma reimpressão fac-similar
(1977) acompanhada de um estudo crítico de Leduar de Assis Rocha];
3.
– Fase
terciária ou de florescimento
científico progressivo da Medicina Brasileira propriamente dita [em que se
destaca o surgimento da GAZETA MEDICA DA BAHIA (1866-1934), cuja reimpressão
fac-similar (1974) deve-se ao Dr. Edgard de Cerqueira Falcão (1904-1987), destacado
médico e historiador], bem como surgem por esse tempo os estudos da chamada
escola tropicalista baiana (sobre ancilostomíase, filaríase, beribéri, ofidismo
etc.) que repercutiram bastante no Sudeste do País, conferindo suficiente massa
crítica para a concreta configuração de uma fase efetivamente científica da
Medicina Brasileira, a qual se ilustra através de nomes do porte de Adolpho
Lutz (1855-1940), Emilio (Marcondes) Ribas (1862-1925), Vital Brazil (Mineiro
da Campanha) (1865-1950), Oswaldo (Gonçalves) Cruz (1872-1917), (Manuel
Augusto) Pirajá da Silva (1873-1961), médico e historiador, Carlos (Justiniano
Ribeiro) Chagas (1878-1934) e tantos outros].
Aqui nos
interessa mais de perto apenas aquela longa fase
inicial da medicina no Brasil e a ela dispensarei minha atenção com toques
pontuais referentes às suas subdivisões sem a preocupação de exaurir o assunto.
Mesmo assim, como já ficou dito, é exatamente nesse período mais remoto da
nossa História que enfrentamos as maiores dificuldades. Portanto, se nesta
breve rememoração histórica ou tosca (re)construção eu não puder utilizar todas
as pedras necessárias, espero me valer ao menos de algumas ilustrativas.
Em primeiro
lugar é preciso registrar aqui um fato marcante. Incidentalmente, a presença de
profissional da medicina na primitiva Terra de Santa Cruz é, a rigor, tão antiga
quanto o seu próprio achamento por Pedr’Alvares Cabral em 1500, embora isto não
signifique o início da prática médica neste solo tropical. É que naquela
esquadra de Cabral viajava uma importante figura, ou seja, o “bacharel mestre Johan físico [médico] e çirurgyano” de El-Rei D. Manuel I
de Portugal, o qual foi o autor de um dos três primeiros documentos sobre a
dita arribada no Brasil, ou seja, a célebre carta de Mestre João. Aliás, aquela
importante figura vem sendo chamada equivocadamente, de Mestre João Emeneslau mas, infelizmente, o último
nome decorre de leitura paleográfica incorreta numa expressão latina existente no
final de sua carta onde o missivista escreveu em letra do seu tempo: Johannes
artium et medicinae bachalarius [João
bacharel em filosofia (arte) e
medicina] (História
da Colonização Portuguesa do Brasil, v. II). Ainda a este respeito
diga-se que o Mestre João, espanhol a serviço do Rei de Portugal, parece se
superpor a um judeu de nome João Faras, ou originalmente Juan Faras, que teria
migrado do Reino de Espanha para Portugal a fim de escapar da abominável
inquisição espanhola.
O
assinalamento desse judeu (o físico e cirurgião Mestre João) no Brasil de 1500 serve
já para prenunciar a significativa afluência de muitos outros judeus e
cristãos-novos, oriundos inicialmente da Península Ibérica, os quais vieram a
aportar mais tarde nesta colônia (também fugindo da Inquisição, de “livre
vontade” sem alternativa ou sob degredo) onde passaram a praticar a medicina
que conheciam, fossem ou não habilitados para tanto. Aliás, cresceu bastante a
afluência de judeus e cristãos-novos, e dentre eles os médicos, durante o
segundo período holandês no Brasil (1630-1654).
No desenrolar
deste tópico é preciso ter em mente que aquelas cinco subdivisões da fase inicial da medicina no Brasil
(Medicina indígena, Medicina africana, Medicina ibérica, Medicina jesuítica e
Medicina do Brasil holandês) têm uma conotação meramente distintiva quanto à sua
natureza básica e não um caráter de gradação evolutiva ao longo da história. Dessa
maneira, num mesmo determinado momentum,
pode-se bem perceber a coexistência daquelas cinco modalidades de prática
médica nesta terra (fase inicial) e
isto se ilustra melhor ao longo do período holandês no Nordeste (1630 a 1654).
Por esse tempo, além daquela coexistência, houve inclusive a assimilação de
certos conceitos terapêuticos próprios de uma das cinco modalidades iniciais de
atuação médica por outra até menos evoluída. Como exemplo temos um fato
ocorrido em 1638.
Como se sabe,
em Pernambuco João Maurício, Conde de Nassau-Siegen, tinha ao seu dispor o que
havia de melhor na Medicina europeia do seu tempo todavia recebeu no Recife a
recomendação para ir à Paraíba (e a aceitou) a fim de beber a água de uma já
então famosa Bica dos Milagres, cujo
nome provinha de suas extraordinárias propriedades terapêuticas para o mal das pedras, ou seja, a nefrolitíase,
de que ele era portador. Pois bem, esse governante do Brasil holandês demorou-se
aqui cerca de um mês com esse propósito. Parece que obteve melhora
significativa da cólica nefrética já que não se sabe de novos queixumes seus
nessa época. Por outro lado, irônica e infelizmente, quem piorou, com o passar
do tempo, foi a sorte daquela fonte de água milagrosa. Hoje a Bica dos Milagres é desconhecida da
imensa maioria da população desta terra, encontra-se entupida e descaracterizada,
além de abandonada pelas autoridades (que há muito anos prometem resgatá-la do
limbo a que foi injustamente condenada), em que pese o fato de ter saciado a
sede da população desta cidade durante os séculos iniciais da nossa história
local com seus mais de 430 anos de idade. A propósito, a importância daquela
fonte já era assinalada no ano de 1599 (Livro
Tombo do Mosteyro de Sam Bento da Parahyba).
Retomando o
fio da meada, o gentio da costa do Brasil era originalmente robusto e saudável,
apresentando poucas doenças naturais. Costumava ser longevo, podendo atingir
até 120 anos se a morte não o alcançasse antes nas muitas guerras que mantinha
com outras facções indígenas ou contra o invasor europeu que queria modificar seus
costumes. Em última análise, foi o elemento branco colonizador, dito
civilizado, bem como o escravo africano por este trazido para cá à força que,
juntos, vieram a disseminar e formular a nosografia brasileira dos primeiros
séculos abrangendo doença infecciosas, dermatológicas, gastroenterológicas, respiratórias,
urinárias, ginecológicas, osteoarticulares etc.
O fato é que,
ao longo dos primeiros anos e até depois das três primeiras décadas do
achamento do Brasil, não faz sentido falar em exercício da medicina nesta terra.
Não me refiro aqui aos ritos indígenas praticados com o objetivo de curar os
enfermos, os quais continuam vigentes até hoje entre seus pajés, misto de sacerdotes
e médicos.
Pois bem, por
ocasião das primeiras expedições do Século XVI com a finalidade precípua de
explorar esta porção do Novo Mundo ou de policiar as costas do litoral
brasileiro, não há notícia concreta de que profissionais da Arte Médica tivessem
vindo nelas embarcados. Aliás, é até admissível que a expedição colonizadora de
Martim Afonso de Sousa (1530-1533) tivesse trazido colonos desse ofício mas
também não há informação segura nesse sentido.
Assim, os
primeiros europeus praticantes da Arte de Curar, geralmente cristãos-novos
oriundos da Península Ibérica, começaram a surgir aos poucos com a criação das
Capitanias Hereditárias (1534). Vamos passá-los em revista rapidamente:
a) acerca da Capitania
de São Vicente, segundo Affonso d’Escragnole Taunay, “Em todo o Século XVI não se constata a existência de clínico algum em
São Paulo. Em 1597 instalava-se o
primeiro serviço médico sanitário com a nomeação do barbeiro Antonio Roiz
[Rodrigues] para juiz do ofício dos
físicos. Era homem experimentado e examinado e não daqueles empíricos que na
vida curavam feridas e faziam sangrias por toda a terra” (Historia da Cidade de
São Paulo);
b) na Capitania
do Rio de Janeiro, segundo notícia oriunda do Colégio Brasileiro de
Genealogia, o primeiro médico foi Francisco da Fonseca Diniz, nascido em 1616 e
neto de Aleixo Manuel, o velho, um dos famosos povoadores da cidade de São
Sebastião. Sabe-se ainda que ao tempo da fundação dessa cidade (1565) alguns
barbeiros foram enviados para lá. Ademais, de acordo com José Gonçalves
Salvador, nessa mesma cidade havia o médico cristão-novo Belchior Babington
exercendo sua profissão em torno de 1627. Uma década mais tarde achava-se
também aí o médico cristão-novo Gaspar Gomes da Costa e o cirurgião
cristão-novo Manuel Jorge Feio (Os
Cristãos-Novos. Povoamento e conquista do solo brasileiro – 1530-1680).
Acrescente-se ainda que em notícia documental divulgada na Revista do Instituto
Histórico e Geográfico de São Paulo pelo ilustre médico e historiador José Pedro
Leite Cordeiro, verifica-se que em 30 de julho de 1637 o licenciado Francisco
Marques Coelho havia embarcado para o Rio de Janeiro como médico (Alguns Documentos
Sôbre Médicos e Medicina do Brasil Seiscentista);
c) na Capitania
de Porto Seguro, por esse tempo, não encontrei ninguém dedicado à Arte de
Curar. A partir de agora, com o mesmo objetivo, valho-me de outras fontes
antigas desde 1591 até 1595, referentes à malsinada Primeira Visitação do Santo Ofício às
partes do Brasil (Confissões da Bahia [1591-92] - Denunciações da Bahia
[1592-1593] - Denunciações de Pernambuco {1593-1595} [incluindo Itamaracá e
Paraíba] – Confissões de Pernambuco {1594-1595} [incluindo Itamaracá e
Paraíba]). Pode-se identificar aí diversas pessoas que se ocuparam com a
prática médica nos locais onde moraram:
d) na Capitania
do Espírito Santo temos Pero Anriques, cristão-novo, físico e cirurgião;
e) na Capitania
da Bahia, registro João Vaz Serrão, cristão-novo, que era cirurgião;
f) na Capitania
de Pernambuco cite-se Gaspar Rodrigues, cristão-novo, boticário, Luis
Antunes também boticário, Gaspar Fernandes, cristão-novo, barbeiro, Gaspar
Rodrigues Covas, cristão-novo, cirurgião, Antonio Trevisan, cristão-novo,
boticário, além de outro cristão-novo não identificado, casado com Maria
Alvares, que também era boticário;
g) na Capitania
de Itamaracá cito Agostinho Lourenço, cristão-velho, barbeiro, assim como
Maria Fernandes, cristã-velha mameluca, parteira, Julião de Freitas,
cristão-velho mameluco, cirurgião e Fernão Soeiro, cristão-novo, cirurgião (já
falecido em 1594);
h) na Capitania
da Paraíba, pertencente à Coroa, não se encontra ninguém naquelas fontes
porém o saudoso Prof. Dr. Heronides [Alves] Coelho Filho, médico e historiador pernambucano
que muito cedo se tornou paraibano, entendia que era médico o famoso
cristão-novo Ambrósio Fernandes Brandão, autor do Diálogo das Grandezas do Brasil,
obra monumental das nossas letras históricas (Medicina,
doenças e médicos nos primeiros anos da Paraíba). O primeiro capítulo
dessa obra estava sendo redigido em 1618 e diga-se aqui mais uma vez que,
diferente da opinião que certo autor local mal informado tem divulgado, essa
data de 1618 nada tem a ver com a publicação original desse texto, ocorrida somente
no Século XIX. Como já afirmei noutro local, Ambrósio Fernandes Brandão,
nascido em Portugal, foi homem apatacado; mantinha residência em Lisboa e
possuiu inicialmente um engenho de açúcar em Pernambuco (São Lourenço da Muribara,
hoje São Lourenço da Mata), tendo depois levantado mais três engenhos na
Paraíba onde veio a se estabelecer no início da colonização desta terra (Levantamento das
publicações do Diálogo
das Grandezas do Brasil
com algumas notas sobre o seu mais do que provável autor). Enfim, se ele
não foi de fato um médico, sem dúvida foi um naturalista de saber
enciclopédico. O fato é que a predominância de judeus e cristãos-novos entre os
profissionais da Arte Médica no Brasil se estendeu desde os primeiros tempos da
nossa colonização até meados do Século XVIII e sua maior afluência parece ter
ocorrido durante o domínio holandês em Pernambuco (1630-1654), particularmente
entre 1635 e 1638, tema sobre o qual me ocuparei mais adiante de forma
superficial.
Do ponto de
vista institucional foi somente a partir da criação do Governo Geral no Brasil que
chegou com Thomé de Sousa (1549) o primeiro profissional habilitado em Medicina,
o cristão-novo Jorge de Valadares, nomeado pelo Rei D. João III com o título de
Físico-Mor da Cidade do Salvador e vencimento anual de 24 mil reis
acrescidos de 40 reis mensais para seu sustento. Dessa maneira, sua função
fundamental era administrativa (regulamentação da atividade médica sob uma
fiscalização virtualmente impraticável na época) embora ele não estivesse
impedido de exercer o seu ofício. Ao que parece, os moradores comuns dessa
cidade, entretanto, não deviam constituir a população-alvo da prática médica do
Físico-Mor, mas sim a elite e a nobreza da terra.
O povo de
Salvador em geral e também das demais urbes da colônia recorria geralmente aos
outros físicos e cirurgiões habilitados, quando dispunham. Menos raros então
eram os práticos desse ofício, os barbeiros-cirurgiões, os boticários e os
barbeiros que, além de aparar cabelo e barba escarificavam a pele, lancetavam
abscessos, extraíam dentes, faziam curativos, tratavam mordeduras de cobras,
aplicavam sanguessugas, ventosas e clisteres, possuindo ou não a legalizadora
“carta de examinação” conferida por profissional habilitado. Importante é dizer
que por esse tempo a grande carência de moeda de contado obrigava o paciente a
pagar em produtos da terra o preço previamente ajustado com seu facultativo.
Consta que
naquele tempo era incomum enriquecer com esse tipo de atividade. Enfim, o
cristão-novo Jorge de Valadares exerceu o cargo de Físico-Mor em Salvador
até o ano de 1553. Com o Governador Thomé de Sousa (1549) veio também o
primeiro boticário nomeado oficialmente para este ofício no Brasil, ou seja, o cristão-novo
Diogo de Castro que auferia o salário anual de 15 mil reis. Igualmente com
Thomé de Sousa chegaram os primeiros jesuítas (padres e irmãos noviços) a
Salvador liderados pelo padre Manoel da Nóbrega, S. J., os quais começaram não
somente sua valiosa obra missionária nesta colônia como também a chamada medicina
jesuítica, em geral de melhor qualidade que a já aí exercida, a qual era
praticada junto à população indígena e aos colonos da terra, pelos irmãos
enfermeiros (alguns cirurgiões) e pelos irmãos boticários. O Padre Serafim
[Soares] Leite, S. J., afirma que: “Os
três primeiros enfermeiros do Brasil foram o Irmão (depois Padre) João
Gonçalves na Baía, e o Ir. (depois Padre) Gregório Serrão em S. Paulo de
Piratininga, a quem sucedeu o Ir. (depois Padre) José de Anchieta” (Artes e Ofícios dos
Jesuítas no Brasil - 1549-1760). Nessa sua obra o autor
relaciona mais de 150 religiosos enfermeiros, cirurgiões e boticários que
praticaram a Arte de Curar ao longo daquele período (1549-1760).
Esses
religiosos levavam para as aldeias indígenas o que se pode chamar botica
de campanha. Já nos Colégios da Companhia de Jesus havia enfermarias e boticas
para a assistência à população local. Sabe-se, por exemplo, que em 1760 o
Colégio do Pará, ao ser fechado, possuía em sua botica 20 obras de Medicina e
mais de 400 remédios nas estantes, além do aparato técnico para sua confecção.
Por sua vez a Capitania da Paraíba durante muito tempo ficou privada desse tipo
de assistência à saúde por conta da expulsão dos inacianos aí ocorrida em 1593
até o ano de 1683.
Nesse ano a Companhia
de Jesus retornou para empreender um estabelecimento pleno na terra e seus
padres, além do missionamento de algumas poucas aldeias indígenas, trabalharam
na lenta formação do efêmero Colégio de São Gonçalo na Paraíba, fechado em 06
de fevereiro de 1760 com a expulsão dos Jesuítas de toda a colônia. Por outro
lado, segundo a mesma fonte jesuítica, a partir do final do Século XVII houve nos
Colégios dos Jesuítas também médicos externos (não religiosos) que prestavam atendimento
médico, em caráter permanente, sob remuneração, tais como o Dr. Júlio Mário,
francês, falecido no Recife em 1685, o Dr. Porfírio Poflitz, médico do Colégio
do Pará em 1692, o Dr. Manuel Mendes Monforte, português, cristão-novo, que
chegou à Bahia em 1698 e atuou aí até
1721, além do Dr. Manuel Nunes Leal que também atuou depois no Colégio da
Bahia.
Continuando o
Governo Geral, com a esquadra do segundo governante D. Duarte da Costa, chegou
outro cristão-novo, o licenciado Jorge Fernandes, nomeado Físico-Mor em Salvador
(1553) com um ordenado anual de 60 mil reis. Vinha ainda um cirurgião chamado
Mestre Pedro. Relato agora um fato interessante ocorrido por esse tempo. Em
agosto de 1557 o padre Manoel da Nóbrega, S. J., andava bastante doente,
ocasião em que escreveu da Bahia uma carta (hoje impressa mais de uma vez) ao
padre Miguel de Torres, S. J., em Lisboa, onde dizia que o Físico-Mor o estava
tratando. Termina essa carta dizendo: “...
porque a mim de-vem-me já de ter por morto, porque ao presente fiquo deitando
muito sangue pella boca. O medico de quá [ou seja, o cristão-novo Jorge
Fernandes] hora diz que hé vea [veia]
quebrada, ora que hé do peito, hora que
pode ser da cabeça: seja donde for, eu o que mais sinto hé ver a febre ir-me
gastando pouco a pouco.” (Cartas
dos Primeiros Jesuítas do Brasil, v. II). Esta carta também mereceu
destaque numa obra exemplar de Bella Herson (Cristãos-novos
e seus descendentes na medicina brasileira).
Com o terceiro
Governador Geral, Mem de Sá, veio em 1557 o Mestre Afonso Mendes, cristão-novo,
com o título de Cirurgião-Mor em Salvador nas partes do Brasil,
recebendo o ordenado anual de 18 mil reis, valor que depois foi acrescido de
mais 6 mil reis anuais para também dirigir a Botica Real em Salvador. Tempos
depois, já em 1591, veio à cidade do Salvador outro cristão-novo para servir
como Cirurgião-Mor no governo de D. Francisco de Sousa. Recebia para
tanto o salário de 16 mil reis.
Enfim, os
cargos de Físico-Mor e de Cirurgião-Mor vieram a ser extintos em
1782, dando lugar à Real Junta do Protomedicato que centralizava as
respectivas competências através de seus delegados com autoridade inclusive nos
domínios ultramarinos. Esta nova configuração perdurou até 1808 quando foi extinta,
ressurgindo um regulamento para as atividades do Físico-Mor e do Cirurgião-Mor,
cuja jurisdição abrangia o Reino de Portugal e Agaves por meio dos seus
delegados.
Trago agora
uma curiosidade digna de registro no que toca à Medicina indígena. Esta notícia
foi veiculada no Orbe
Serafico Novo Brasilico (que em edição definitiva passou a se chamar Novo Orbe Serafico
Brasilico) por frei Antonio de Santa Maria Jaboatão, O. F. M. Ele a encontrou
num antigo manuscrito franciscano. Vê-se aí uma peculiar crendice terapêutica que
ainda não vi ressaltada. Diz respeito aos índios potiguara, antropófagos e inimigos
dos tabajara, dos caeté e dos tapuia do interior.
O fato teria
se passado numa determinada aldeia potiguara em que um padre da Companhia de
Jesus “achou a huma India, já muy velha,
e no ultimo da vida. Applicou-lhe primeiro toda a medicina da alma, e vendo-a
já bem disposta espiritualmente, e a grande fraqueza em que estava, e o sumo
fastio, que mostrava, querendo-lhe applicar também algum alento para o corpo,
lhe disse: (fallando-lhe ao modo da terra) minha Avó, (assim chamaõ as que são
muy velhas) se eu vos dera agora hum bocado de açúcar, ou algum outro conforto
lá das nossas partes do mar, não o comerias ? Respondeu-lhe a velha, e a que já
julgava o Padre bem disposta para morrer: Ay meu Neto, nenhuma cousa da vida
desejo, tudo me aborrece já, só uma cousa me poderia tirar agora este fastio.Se
eu tivera agora huma mãozinha [certamente moqueada] de um Rapaz Tapuya, de pouca idade, e tenrinha, e lhe chupara aquelles
ossinhos, então me parece tomára [eu]
algum alento {Eis o resultado terapêutico deste curioso remédio]: porèm eu, coitada de mim, já não tenho
quem me vá frechar hum destes!”. Dessa maneira o significado da antropofagia,
tão própria dos nossos índios, ia além do valor ritualístico de vingança e de incorporação
das qualidades do inimigo a ser morto, tais como bravura e coragem; possuía
adicionalmente propriedades terapêuticas indicadas em pacientes geriátricos e
inapetentes.
Não se pode esquecer
aqui da assistência à saúde prestada desde meados do Século XVI, embora ainda
de forma precária, nos hospitais das beneméritas instituições pias conhecidas
como Casas da Santa Misericórdia ou Santas Casas que também contavam
com uma igreja e, quando possível, um hospital (muito mais um albergue para
doentes). Aliás, as Capitanias de Pernambuco e de São Vicente ainda hoje disputam
a primazia da fundação da primeira Instituição desse gênero no Brasil, às quais
se seguiu a de Salvador. Na Paraíba a Casa da Santa Misericórdia foi
fundada por Duarte Gomes da Silveira, natural de Olinda, um dos heróis da
conquista desta terra e um de seus primeiros colonos. Doou a quantia de seis
contos de reis para a edificação dessa instituição pia principiada em torno de
1590, onde reservou para si uma Capela sob a invocação do Salvador do
Mundo, levantada na parede lateral da Igreja. Na sua cripta deveriam ser
inumados, não somente ele mas também sua família e descendentes. Diferente do
que se afirma por aí, esta obra já estava concluída ou virtualmente acabada em 08
de janeiro de 1595, data em que da Igreja da Misericórdia da Paraíba
saiu a solene procissão de instalação da Primeira Visitação do Santo Ofício na
Paraíba, tendo a frente o Visitador Heitor Furtado de Mendoça.
Mais tarde, no
raiar de 1630, Pernambuco sofreu a invasão neerlandesa orquestrada pela Companhia
das Índias Ocidentais, a qual se expandiu para quase todo o Nordeste, domínio
este que perdurou até 1654. A região ocupada passou a receber grande afluência
de judeus e cristãos-novos (dentre os quais, profissionais da saúde),
provenientes das Províncias Unidas dos Países Baixos. Essa afluência mais se
adensou entre 1635 e 1638. É que a partir de 1635 os flamengos haviam conseguido
ultimar o domínio sobre as terras por eles invadidas mediante a conquista da
Paraíba (depois de dois fracassos consecutivos), a que se seguiu em Pernambuco a
rendição do Arraial (Velho) do Bom Jesus e do Forte de Nazaré, derradeiros focos
de resistência ao invasor. A partir daí, de acordo com José Antonio Gonsalves
de Mello [Neto], os judeus e cristãos-novos migrados para as Províncias Unidas
(oriundos de várias nações inclusive de Portugal) se sentiram estimulados a tentar
uma vida nova no Novo Mundo. Assim eles solicitaram licença (além de algum tipo
de benefício como passagem gratuita e comida durante a viagem) a fim de
residirem no Brasil holandês. Dentre eles haviam barbeiros,
barbeiros-cirurgiões e médicos.
Aliás, um
deles, Jacob Moreno, acompanhado da esposa, pediu licença e passagem a fim de
poderem se estabelecer na Paraíba, onde ele pretendia abrir uma tenda de cirurgia.
Outro físico e boticário judeu que veio para Pernambuco se assinava Dr. Abraão
Mercado, o mais notável de todos, que vendia medicamentos ao governo holandês.
Também médico e boticário no Recife foi o Dr. Musaphia que em 1650 vendeu
medicamentos ao governo holandês no valor de 400 florins. Por volta de 1641 o
judeu Dr. Nunes exerceu no Recife o ofício de cirurgião. Por sua vez o judeu Luis Mendes também
exerceu aí o ofício de cirurgião (Gente
da Nação. Cristãos-novos e judeus em Pernambuco). Apenas como curiosidade, o primeiro
governante neerlandês (Diretor) da Capitania da Paraíba, Dr. Servaes
Carpentier, era formado em medicina entretanto não há notícia de que tenha
praticado esta profissão no Brasil. De todo modo, um irmão seu, Gerard
Carpentier, foi boticário engajado nas tropas de ocupação desta terra. É
importante registrar que durante o período neerlandês o Recife chegou a possuir
dois hospitais que estavam sempre lotados.
No
ano de 1637 chegou o Conde de Nassau-Siegen para governar no Brasil o
território até então já conquistado e o que ainda viesse a conquistar. Era um
homem preparado e culto. Aqui estabeleceu um governo politicamente esclarecido
além de tolerante, até certo ponto, para com a liberdade de consciência,
principalmente em relação aos judeus. Dentre seus acompanhantes de apoio
pessoal destacam-se dois nomes ligados à medicina e à história natural. Um
deles era o seu físico, Willem Pies (Guilherme Piso), nascido em Leiden,
e o outro o naturalista Georg Marcgraf (George Marcgrave), natural de
Liebstadt. Numa época de virtual obscurantismo quanto às ciências médicas e
quanto à história natural desta terra, esses dois homens trouxeram luzes
fundamentais com suas pesquisas nessas áreas. Desgraçadamente, o mundo
luso-brasileiro do seu tempo nunca tomou conhecimento da grandiosidade do
trabalho que realizaram porque aos olhos de Portugal eram participantes de um
projeto invasor além de membros da tida como herética religião cristã reformada.
A obra que ambos produziram, independente de sua importância, jamais receberia
naquele tempo a chancela das três licenças da Coroa Portuguesa para poder ser
impressa. Enfim, essa obra monumental para a sua época foi publicada em Leiden
no ano de 1648 e recebeu o título latino de Historia Naturalis Brasiliae e está
dividida em duas partes. A primeira parte, da autoria de Willem Pies, é chamada
de De
Medicina Brasiliensi, e a segunda parte, denominada Historiae Rerum
Naturalium Brasiliae. Na primeira parte o autor descreve diversas
condições mórbidas encontradas no Brasil como os catarros, os males dos olhos,
o estupor dos membros, a bouba, a opilação, o tétano, a hidropisia, o prolapso, os fluxos do ventre,
o tenesmo, o cólera, as disenterias, a
úlcera e inflamação do ânus (doença
do bicho ou bicho del culo [maculo], as lombrigas,
a lues, as feridas e as úlceras, os
furúnculos e a impigem. Dedica-se também aos medicamentos da terra.
Dando
sequência a este assunto, menciono agora apenas algumas obras adicionais de
natureza médica que surgiram a partir do século XVII. Aliás, nesta relação não
faltam autores cristãos-novos, cujas obras __ quando acessíveis nestas plagas pois a imprensa
no Brasil só começou em 1808 __ serviam de fonte de consulta para
físicos e cirurgiões locais dentre os mais interessados. Cumpre, pois,
mencionar inicialmente o português médico cristão-novo chamado Simão
Pinheiro Morão que morou em Pernambuco onde exerceu sua profissão e aí veio
a falecer. Utilizando o anagrama de Romão
Mosia Reinhipo ele publicou em Lisboa (1683) o Trattado unico das
bexigas, e sarampo. Ao que parece esta é foi a primeira obra da literatura médica
brasileira em língua portuguesa. Antes dele, outro médico português chamado Aleixo
de Abreu, físico da Câmara Real de Espanha, esteve em Angola onde estudou o
escorbuto (conhecido ainda como Mal de Loanda e assim Camões o havia nominado).
Enfim, em 1623 publicou em Portugal porém em língua espanhola o Tratado de las siete
enfer-medades ...
Assinalo
a seguir o médico cristão-novo chamado João Ferreira da Rosa que
publicou em Lisboa, no ano de 1694 o Tratado
único da constituiçam pestilencial de Pernambuco, dedicado unicamente ao estudo da febre amarela. Alguns anos mais tarde,
em 1707, surgia em Lisboa uma obra dedicada exclusivamente ao maculo, denominada Noticias do que he o
achaque do Bicho da autoria de Miguel Dias Pimenta, que era familiar do Santo
Ofício e residente em Pernambuco, como informa na respectiva página de rosto. Registro
agora José Rodrigues de Abreu, outro familiar do Santo Ofício e médico
del Rei, além de Cavaleiro professo da Ordem de Cristo (o que vale dizer
cristão-velho), o qual publicou em 1733,
na cidade de Lisboa, a obra intitulada Historiologia
Medica ... Um cirurgião lusitano que residiu na Bahia, chamado João Cardoso de
Miranda, publicou em Lisboa no ano de 1741 uma obra intitulada Relaçaõ Cirurgica, e
Medica (reeditada lá mesmo em 1747) onde versava sobre um novo método para tratar
o escorbuto ou Mal de Loanda. Há ainda uma obra de natureza pedagógica publicada em
Paris, cujo autor, Antonio Nunes Ribeiro Sanches, foi um cristão-novo
português, médico, historiador, filósofo, pedagogo e enciclopedista. Trata-se
do Methodo
para Aprender e Estudar a Medicina (1763). Concluo esta sequência com a
obra de José Jacob Plenck, traduzida para o português pelo médico lusitano e
cristão-novo Manoel Joaquim Henriques de Paiva sob o título de Doutrina das
Enfermidades Venereas..., dada à
luz em Lisboa no ano de 1786.
Por
outro lado, durante boa parte do Século XVIII recrudesceu no Brasil a
perseguição aos cristãos-novos por ordem da Inquisição de Portugal. Por esse
tempo entraram em cena os Familiares do Santo Ofício desta terra a quem, na
condição de denunciantes, cabia um terço de todo o patrimônio dos réus (fossem
eles culpados ou não). Muitos cristãos-novos foram presos e encaminhados para
Lisboa. Segundo Arnold Wiznitzer o primeiro marrano a ser enviado preso para
Lisboa foi justamente um médico residente na Bahia chamado Francisco Nunes de
Miranda que ouviu sua sentença em 19 de fevereiro de 1701. Além destes, nos
anos seguintes houve vários outros médicos e boticários em igual situação (Os Judeus no Brasil Colonial).
Numa
outra amostragem do mesmo período, analisada por Anita Waingort Novinsky,
dentre os cristãos-novos alcançados pela Inquisição no Brasil houve sete
médicos e um boticário que exerciam sua profissão na colônia, os quais vieram a
ser presos e enviados a Lisboa onde mais tarde cumpriram suas sentenças
penitenciais em autos de fé. Dentre eles cinco médicos eram do Rio de Janeiro
(Francisco de Siqueira Machado, João Nunes Vizeu, Theodoro Pereira da Costa,
Diogo Correa do Valle e Diogo Cardoso Coutinho; outro era de Paracatu (Antonio
Ribeiro Sanches) e o último, Manuel Mendes Monforte, residia na Bahia (citado
há pouco como um dos médicos contratados pelo Colégio dos Jesuítas); Já o
cristão-novo boticário era de Paracatu (João Henriques) (Inquisição.
Inventários de bens confiscados a cristãos-novos). A estes acrescente-se o médico João
Tomás de Castro, natural do Rio de Janeiro, que aos 31 anos de idade foi
queimado vivo em Lisboa pela Inquisição, como informa Francisco Adolpho de
Varnhagen (Historia
Geral do Brasil).
Ainda
em tempo, não poderia deixar de assinalar aqui que, como nos informa o médico e
historiador Dr. Guilherme [Chambley] Studart (Barão de Studart), por volta do
início da segunda metade do Século XVIII, chegou à Capitania do Ceará o
médico italiano Dr. José Balthazar Augeri, nascido em Piemonte, onde se casou e
fixou residência dando origem à famosa família de nome Saboia, apelido
patronímico por ele adotado (Datas
e Factos para a Historia do Ceará, v. I). Aliás, dentre seus três filhos,
um foi o cirurgião licenciado Luiz Carlos de Saboia e outro foi o boticário com
carta de aprovação Vicente Maria Carlos de Saboia (Idem; Genalogy.com).
Caminhando
já para o final, ao longo da segunda metade do Século XVIII, mais precisamente
a partir de 1772, ocorreu em Portugal a benfazeja Reforma dos Estatutos da
Universidade de Coimbra promovida pelo Marquês de Pombal (daí Reforma
Pombalina) que proporcionou um real ganho de qualidade no ensino superior de
Portugal, já então muito defasado em relação ao restante da Europa. Essa
mudança curricular e pedagógica vinha sendo propugnada por alguns portugueses
iluminados que residiam fora da Pátria, entre eles o médico e cristão-novo
Antonio Nunes Ribeiro Sanches, há pouco citado. Por esse tempo, diante da
proibição de se criar cursos superiores no Brasil, alguns poucos estudantes ricos
desta terra já iam em busca deles noutros países da Europa como Espanha
(Salamanca), França (Montpellier) e Reino Unido (Edinburgh). Principalmente a
partir da Reforma da Universidade de Coimbra (1772) foi crescendo o número de
estudantes brasileiros nesta Universidade, interessando mais aqui os estudantes
de medicina. Vejamos primeiramente os brasileiros estudantes de medicina em
Montpellier no Século XVIII. De acordo com João Vinícius Salgado et al., houve 15 estudantes de medicina
em Montpellier entre 1767 e 1791. Sete deles eram oriundos da cidade do Rio de
Janeiro (Jacinto Silva Quintão [1778], José da Maia Barbalho [1787], José
Camara R. Gusmão [1790], Vicente Gomes da Silva [1791], Manuel Souza Ferraz
[1791], José Vidigal Medeiros [1791] e José Joaquim Carvalho [1792]). Quatro
outros provinham das Minas Gerais, respectivamente de Vila Rica, Mariana, Juiz
de Fora e São Gonçalo do Sapucaí (Joaquim Seixas Brandão [1767], Ignacio
Ferreira Camara [1785], Domingos Barbosa Lage [1786] e Faustino José Azevedo
[1793]).
Um
outro vinha de Salvador (Joaquim Souza Ribeiro [1787]). Quanto a Eleuterio José
Delfim, aparentemente matriculado em 1786, não se sabe onde nasceu. Restam
ainda dois irmãos tidos como pernambucanos porém nascidos na Paraíba (Francisco
Arruda da Camara, homônimo do pai [1790] e Manuel Arruda da Camara [1791]) (Brasileiros Estudantes
de Medicina em Montpellier no Século XVIII).
Permitam-me
tecer aqui algumas poucas palavras acerca destes dois paraibanos. O primeiro
deles teve menos importância, inclusive para o seu próprio irmão, ao que
parece. Sua tese de doutorado defendida em 1790 recebeu o título de Positiones nonnullae
circa variolarum inoculationem. Não tenho notícia de sua atuação como
médico, mas sim como político e proprietário rural. Por sua vez, o ilustre
doutor em medicina Manuel Arruda da Camara (muito mais um naturalista) foi
inicialmente carmelita calçado sob o nome de frei Manuel do Coração de Jesus
Arruda, O. C. C., na época em que estudava na Universidade de Coimbra,
matriculado no curso de filosofia (1786) e também no curso de matemática (1787)
(Rodolpho Garcia - Estudantes
Brasileiros na Universidade de Coimbra – 1772-1872). Sua vida
e obra foram estudadas, mais do que ninguém, por José Antonio Gonsalves de
Mello [Neto]. Em quase todos os passos acompanho aqui este autor. Não há dúvida
de que seu nome correto era Manuel Arruda da Camara (e não Manuel de Arruda
Camara).
O
fato é que a seguir o vemos sem a identificação religiosa e matriculado no
curso de medicina da Universidade de Montpellier. Defendeu a tese Disquisitiones quaedam
physiologico-chemicae, de influentia oxigenii in aeconomia animali, precipue in
calore, et colore hominum (1791). Sua obras impressas incluem o Aviso aos Lavradores (1792), Memoria sobre a
barrilha (1792?), Anuncio
dos descobrimentos (1795), Memoria
sobre a cultura dos algodoeiros (1797), Dissertação
sobre as plantas que dão linhos (1809), Discurso
sobre a instituição de jardins (1809) e A
almécega e a carnauba (1809) (Manuel
Arruda da Câmara – Obras Reunidas). No que concerne aos estudantes
brasileiros que estudaram medicina na Universidade de Coimbra temos a
publicação já citada, que Rodolpho Augusto de Amorim Garcia fez nos Anais da
Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro (v. LXII, 1942). Restrinjo-me aqui apenas
ao período compreendido entre 1772 e 1808 em que é possível reunir 48 brasileiros
que lá se formaram.
A
fim de não sobrecarregar esta distinta audiência com a declinação de tantos
nomes, menciono somente os médicos mais antigos lá formados naquele recorte
cronológico em cada um dos atuais Estados do País: Joaquim José Alves (Mariana
– MG)[1772], Francisco de Mello Vasconcellos e Lima (Bahia) [1772], Estacio
Gularte Pereira (Rio de Janeiro) [1773], João Francisco de Sousa (Pernambuco)
[1777], José Bento Monteiro da Franca (Paraíba) [1787], Matheus Valente do
Couto (Pará) [1795], Lourenço Belfort (Maranhão) [1795] e João Nepomuceno da
Silva Paulista (São Paulo) [1795] (Estudantes Brasileiros na
Universidade de Coimbra – 1772-1872)
*
*
*
Minhas
senhoras e meus senhores: até agora venho usando já em demasia o tempo que me
foi concedido; portanto, encerro estas palavras através das quais pude apenas
respingar algumas gotas sobre o tema Médicos e Medicina no Brasil dos Primeiros
Séculos. Tanto quanto possível, bem ou mal, procurei contemplar o
território do antigo Estado do Brasil e do antigo Estado do Maranhão,
bem como do Brasil holandês sem esquecer a minha pequenina e querida
Paraíba.
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