Monday, August 24, 2015

A BIBLIOTECA PÚBLICA DA PARAÍBA NOS ANOS DE 1970

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UM DEPOIMENTO ESPONTÂNEO DA PROFESSORA MÁRCIA STEINBACH KAPLAN SOBRE A BIBLIOTECA PÚBLICA DO ESTADO — E O PAPEL DO ESCRITOR, JORNALISTA E EDITOR EVANDRO DA NÓBREGA

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A educadora paraibana Márcia Steinbach Silva Kaplan,
em foto que ilustra a página inicial de seu perfil no Facebook. [Por favor, clique na foto para vê-la ampliada] 
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por Márcia Steinbach S. Kaplan, educadora,
ex-dirigente da Biblioteca Pública do Estado,
do Espaço Cultural “José Lins do Rego”, de
órgãos da Universidade Federal da Paraíba e
antiga integrante do Conselho Estadual de Educação

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[Uma versão mais curta deste depoimento da Dra. Márcia Steinbach Kaplan saiu no perfil da Autora, na rede social Facebook]

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Caro Evandro da Nóbrega:

Meu marido, o músico José Alberto Kaplan, e eu sempre comparávamos você com o Celso Furtado, porque, desde muito jovens, já demonstravam os gênios que eram.

Não me lembrava deste fato de tê-lo indicado ao Dr. Humberto Carneiro da Cunha Nóbrega, um dos nossos grandes Reitores e que, além de grande médico, sabia valorizar a Cultura e, principalmente, os jovens talentosos de nossa Paraíba.

Entretanto, lembro-me bem que, quando o Governador João Agripino me nomeou diretora da Biblioteca Pública Estadual, ela estava em frangalhos:
- goteiras por todos os lados (quando chovia, os funcionários tinham que abrir sobre suas mesas sombrinhas e guarda-chuvas;
- ratos transitavam entre nós e os (escassos) leitores;
- livros antigos, autênticas "relíquias", achavam-se úmidos, mofados;
- jornais sem encadernação apropriada;
- etc et etc.


ASSUME O GOVERNO DO ESTADO
UM AMANTE DAS LETRAS & ARTES

Logo em seguida, assumia o Governo o Dr. Ernâni Sátiro, escritor, amante das Letras e com quem convivi, durante dois anos, todas as quintas-feiras, no apartamento carioca do Dr. Raul de Góes, em deliciosas e para mim altamente proveitosas conversas e debates sobre Literatura, saboreando delicioso chá e os biscoitinhos amanteigados de Dona Bina.

Havia mais participantes, como Simeão Leal, Ivan Bichara Sobreira, Austregésilo de Athayde, entre outros). Disse “dois anos” porque foi o período que durou minha “deportação” para o Rio de Janeiro, onde permaneci todo esse tempo residindo em casa de Lourdes e João Agripino. “Deportação” decretada por mamãe e por papai, para evitar que me casasse com alguém que não aprovavam.

Com relação à Biblioteca Pública de nosso Estado, pedi uma audiência ao Governador Ernâni Sátiro, que prontamente me atendeu e autorizou que elaborasse projeto de reforma, consertos e revitalização do prédio da instituição e o encaminhasse ao Conselho Estadual de Cultura, o qual, se aprovado, seria realizado.


UMA PEREGRINAÇÃO SEMANAL
AO CONSELHO DE CULTURA...

Busquei a ajuda de meu jovem e talentoso amigo José Marques de Almeida Sobrinho, que, gratuita e entusiasticamente, elaborou o projeto arquitetônico, enquanto eu montava o de revitalização da Biblioteca, atualização do acervo bibliográfico, convênios com os Consulados sediados em Recife para conseguir empréstimos semanais de filmes de qualidade, a fim de serem exibidos gratuitamente, em três turnos, todas as quartas-feiras, ao público paraibano; assim como a realização de palestras sobre temas diversos, por pessoas de indiscutível conhecimento.

Tudo pronto, iniciei, com autorização prévia de Dr. José Carlos Dias de Freitas, minha peregrinação, todas as quintas-feiras, ao Conselho Estadual de Cultura, onde passava das 14 às 17h30m ouvindo e participando de excelentes conversas, votos de louvores a algumas personagens locais que haviam se destacado durante a semana e de pesar àqueles que haviam partido.


CHEGOU UM DIA EM QUE EU DISSE
“BASTA! AGORA, OU VAI OU RACHA!”

Aproveitava uma pausa, ou na respiração do orador, ou a hora do lanche, e perguntava: “E o projeto da Biblioteca Pública Estadual, quando é que os Senhores vão analisar?” (Era eu jovem e impetuosa e, nessas horas, esquecia a boa educação que mamãe tanto se esforçara para me dar...). A resposta, invariavelmente era a mesma: “Na próxima semana, pois estamos adorando sua companhia”... Isso quem sempre dizia era meu adorado amigo e grande professor Virgínius da Gama e Mello.

Até que um dia disse a mim mesma e a Kaplito [N. da R.: o maestro José Alberto Kaplan, marido da Autora], ao chegar a casa: “Basta! Agora, ou vai ou racha!”

Aí é onde você entra, Evandro. Entra com seu texto brilhante e com sua inteligência privilegiada!


VOCÊ ERA O EDITOR-GERAL E QUEM
SABE O ÚNICO QUE ME PODIA AJUDAR

Era então você o Editor-Geral do jornal O Norte, que, nesse momento, fazia oposição ao Governo estadual, se não estou enganada. [N. da R.: De fato, o Governador Ernâni Sátiro passou uns tempos “brigado” com esse matutino, o de maior influência à época; mas, quando intuiu que não podia enfrentar o jornal de maior circulação e que, certamente, orientava a opinião pública, comprou um grande, colorido e oloroso buquê de flores — e, saindo de Palácio, a pé, andou pela Rua Duque de Caxias e foi até a Redação, “fazer as pazes com todos”, do Diretor-Geral ao contínuo, passando pelos jornalistas e gráficos!...].

Indo ao jornal O Norte, Evandro, contei tudo a você, lembra-se? Mostrei-lhe os projetos e, de imediato, tive seu apoio incondicional. Entre outras coisas, você perguntou o que eu exatamente queria. Eu lhe pedi “uma reportagem honesta sobre a real situação da Biblioteca, justamente quando tínhamos como Governador um escritor”.


CONTRA O ALAGAMENTO, SOMBRINHAS,
GUARDA-CHUVAS, BACIAS, BALDES...

Você então, como grande jornalista, escritor e editor que sempre foi, me disse que estivesse lá no dia seguinte, numa hora combinada, que você enviaria um repórter e um fotógrafo para levantarem os dados com vistas à matéria, orientando-os também para que fizessem comigo uma entrevista, durante a qual eu falaria dos planos que tinha para a Biblioteca.

Tive tanta sorte que, no dia seguinte, o da entrevista e da visita dos repórter e fotógrafo, chovia torrencialmente! O que mais se via no salão principal da Biblioteca eram sombrinhas, guarda-chuvas abertos, baldes e bacias espalhados, para evitar maior alagamento no prédio.


PAGUEI AO PORTEIRO PARA ME
ARRANJAR UNS RATOS MORTOS

Como os ratos são sabidos e rápidos, ofereci um pagamento (de meu bolso) para que o porteiro matasse alguns e os espalhasse pelo chão, sobre os livros, nas estantes, em algumas prateleiras. Acho que o porteiro estava precisando de uma “graninha” extra: ele matou tantos ratos que, além do prejuízo de ter que pagar por todas as ratazanas mortas, ainda tive que mandar que ele se livrasse dos camundongos excedentes, antes que chegassem os jornalistas.

Também orientei o porteiro onde ele devia espalhar os bichos — e fui sentar-me à minha mesa de Diretora, à espera da Imprensa...


AFINAL, COMO SAIU A MATÉRIA
SOBRE A BIBLIOTECA EM RUÍNAS

No dia seguinte, já fui para a Biblioteca Pública do Estado com uma carta contendo meu pedido de exoneração e na qual manifestava a firme decisão de retornar à UFPB. Isso porque, Evandro, você fez, no jornal O Norte, uma grande chamada de capa sobre o assunto.

E, internamente, havia um texto seu (baseado em minha entrevista e nos dados que fornecera ao repórter) e as fotos, impressionantes fotos, inclusive com os ratos... Seu texto resumia ainda todos os meus planos para a reforma da Biblioteca, que, ao invés de apresentar aquele quadro lamentável, deveria ser, muito ao contrário, algo vivo, algo que fosse realmente atraente para os pessoenses, em especial para os jovens que desejavam frequentá-la.


EU JÁ ESTAVA COM A CARTA DE
EXONERAÇÃO EM MINHA BOLSA

Para resumir, toda a matéria tomava duas páginas. E a repercussão dela foi tremenda. Na mesma manhã, fui chamada pelo Dr. José Carlos Dias de Freitas, um dos melhores, senão o melhor Secretário de Educação que já tivemos. Ele disse que estava me esperando no Gabinete do Governador Ernâni Sátyro. Fui para lá imediatamente, mas, claro, sem me esquecer de levar na bolsa minha carta pedindo exoneração.

Eu não estava atrás de cargos; queria fazer meu trabalho, direito, mas tendo apoio, evidentemente. Aliás, que me conhece é testemunha de que fiz sempre o que devia ter sido feito, porque sempre quis trabalhar com algo que pudesse ser útil aos outros. Ademais, aprendi com meus pais que sempre devemos dar o melhor que pudemos para realizar, com dedicação total, qualquer tarefa que assumirmos — e a lutar sempre com denodo por aquilo em que acreditamos. Mas voltemos ao relato.


GOVERNADOR DISSE QUE EU ERA
TÃO ATREVIDA QUANTO MEU PAI

Ao entrar no Gabinete do Governador, lembro-me até hoje da voz tonitruante, estrondosa do Dr. Ernâni:

— Menina, você é bem filha de Isaías [N. da R.: O combativo e valente deputado estadual Isaías Silva, mui corajoso e sem papas na língua]!... Atrevida e impetuosa como ele. Pois bem, vou fazer minha parte e você fará a sua. A reforma deve ser feita do jeito como está no projeto. As obras serão acompanhadas pelo autor do projeto. Mas quero a inauguração como presente de meu aniversário, que será em tanto de setembro (não me lembro ao certo, mas ou era 6 ou 11 de setembro, algo assim)...


INAUGURAÇÃO DA NOVA BIBLIOTECA
OCORREU NA DATA PREDETERMINADA

Estávamos em março e tínhamos licitações para a construção de algumas paredes. Mas era preciso também refazer todo o teto; adquirir o mobiliário apropriado  etc etc etc. Não me recordo de haver trabalhado tanto, em minha vida, como nesse período. Passava os dias (todos os dias!) supervisionando os operários. Cheguei a me compara até com feitor de engenho! Não podia ver ninguém parado.

Mas só sei que a inauguração foi no dia predeterminado, como queria o Governador. Ainda consegui, de quebra, que a Orquestra Sinfônica tocasse duas peças, durante o ato inauguratório.


VOCÊ CONQUISTOU O DIREITO DE
SER O PRIMEIRO CONFERENCISTA

E foi assim que você, Evandro — e nenhum outro intelectual, paraibano ou não — conquistou, sem querer ou pensar nisto, o direito de ser o primeiro conferencista da nova era da Biblioteca Pública do Estado da Paraíba.

Não fosse seu valioso apoio, acho que ela já teria desabado, àquela época, ou até desaparecido.

Está aí, portanto, meus amigos paraibanos: este é o nosso grande editor, escritor, jornalista e cidadão de caráter e de muitos méritos que honra a Paraíba: o por todos querido Evandro da Nóbrega.


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