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EXCLUSIVO:
O TEXTO DA CONFERÊNCIA DO DR. GUILHERME GOMES DA SILVEIRA D’AVILA LINS SOBRE A
INQUISIÇÃO NA PARAÍBA
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Durante sua conferência, o Dr. Guilherme d’Avila Lins
apresentou grande número de slides mostrando autos-de-fé (como este da foto), com a queima de "hereges" vivos e outras atrocidades da
Inquisição. [Clique na foto, please, para ampliá-la]
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A Inquisição portuguesa foi um dos mais negros
capítulos da História da Igreja Católica Apostólica Romana e da monarquia lusitana. Ainda assim, por
incrível que pareça, e feitas as contas na ponta do lápis, mostrou-se bem menos
atroz e criminosa que a Inquisição espanhola. [Clique na foto, please, para ampliá-la]
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O historiador Guilherme d’Avila Lins, é visto aqui, em último plano, à mesa dos trabalhos do IHGP,
quando fazia a leitura de sua conferência sobre a Inquisição na Paraíba, numa
fotografia da DruzzPress. [Clique na
foto, please, para ampliá-la]
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O médico e historiador paraibano Guilherme Gomes da
Silveira d’Avila Lins,
um dos maiores especialistas mundiais em História
Colonial do Brasil, visto no IHGP, numa fotografia da DruzzPress, ao término de
sua conferência. [Clique na foto, please,
para ampliá-la]
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por Evandro
da Nóbrega,
escritor,
jornalista, editor
[druzz.judiciario@gmail.com]
Fotos: Da Internet e da DruzzPress, a agência noticiosa
que reúne Tecnologia da Informação com as Humanidades
Em fins de novembro do corrente ano, anunciei aqui que
o Dr. Guilherme Gomes da Silveira d’Avila Lins, consagrado médico e historiador
paraibano, iria fazer uma conferência imperdível, no IHGP, sobre a Inquisição
na Parahyba do Século XVI, bem como sobre a sua recrudescência no Século XVIII.
Groucho Marx dizia: “Não freqüento clubes que me
aceitam como sócio”. Digo algo parecido: “Não sou autor que se cite”. Mas eis
que aqui quebro a regra geral, citando-me e, sim, reproduzindo frase do anúncio
que então fiz, ao conclamar o leitor a comparecer à conferência do Dr.
Guilherme no IHGP:
“Se Você tem algum compromisso marcado para as 17 h da
próxima sexta-feira, 28 de novembro corrente, faça como eu: desmarque-o. Pois é
justamente nesse dia e hora que o médico, historiador e acadêmico Guilherme Gomes
da Silveira d'Ávila Lins estará proferindo conferência, na sede do IHGP
(Instituto Histórico e Geográfico Paraibano) sobre ‘A Inquisição na Paraíba no
Final do Século XVI e sua Recrudescência no Século XVIII’. E Você, claro, não
vai querer perder isto por nada no Mundo, não é mesmo? Para que não haja
dúvidas sobre o local da palestra: a sede do IHGP fica na Rua Barão do Abiaí,
64, centro de João Pessoa. A sessão será dirigida pelo presidente da entidade,
historiador Joaquim Osterne Carneiro, e secretariada pelo historiador Adauto
Ramos. [...] Deverão estar presentes não apenas os sócios efetivos do Instituto
Histórico, mas também o público em geral, especialmente as pessoas interessadas
neste atrativo tema da História Colonial luso-brasileira, a Inquisição (não
apenas a do Santo Ofício, como também aquela mais do braço secular, adotada
pelo Estado, seja na Espanha, seja em Portugal). E o Dr. Guilherme Gomes da
Silveira d'Avila Lins é reconhecidamente, sem favor algum, um dos maiores
especialistas mundiais em História Colonial do Brasil. Além de já haver
publicado grande número de livros, é sócio correspondente do IHGB (Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro) e realiza frequentemente, no IHGP ou na
Academia Paraibana de Letras, de que igualmente é membro, seminários sobre
candentes (e polêmicos) temas da História.”
Num
Congresso Internacional
Esta mesma palestra, o Dr. Guilherme d’Avila Lins a
apresentou recentemente (outubro de 2014), a convite, em Recife, na UFRPE -
Universidade Federal Rural de Pernambuco, durante a realização do II Congresso
Internacional de Antropologia e História da Religião: Inquisição, Inquisições
(Recife, 6 a 9 de outubro de 1914).
Como foi destacou no II Congresso Internacional, na
capital pernambucana, "a História da Inquisição é um dos mais importantes
períodos histórico-sociais sobre a qual a Academia deve analisar e interpretar.
Em função das visitações do Santo Ofício ao Nordeste do Brasil, a Inquisição
interferiu na subjetividade social e coletiva, estabelecendo instrumentos
teológicos e jurídicos de exclusão social".
Daí sua permanência na nossa cultura e na História do
Portugal, do Brasil, de Pernambuco, da Paraíba etc.
Uma
Oportunidade de Ouro
Regressando a João Pessoa, o Dr. Guilherme d'Avila
Lins se perguntou: "Se li esta minha palestra no Recife, por que não o
fazer também para meus irmãos e irmãs paraibanos?" Ele é assim: gosta de
disseminar o Conhecimento.
O Dr. Guilherme Gomes da Silveira d’Avila Lins já é
bem conhecido dos leitores, mas nada custa relembrar-lhe os títulos: sócio
efetivo do IPGH (Instituto Paraibano de Genealogia e Heráldica); sócio
correspondente do extinto IHGCG (Instituto Histórico e Geográfico de Campina
Grande); sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande
do Norte (IHGRN); sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de
Alagoas (IHGAL); ex-pesquisador de História do NDIHR/UFPB (Núcleo de
Documentação e Informação Histórica Regional
da Universidade Federal da
Paraíba); sócio colaborador da Associação Paraibana de Imprensa (API); sócio
efetivo da SOBRAMES-PB (Sociedade Brasileira de Médicos Escritores, seção da
Paraíba) - Regional da Paraíba; membro honorário do Instituto Histórico e
Geográfico do Cariri (IHGC); membro correspondente do Instituto Histórico de
Campina Grande (IHCG); membro correspondente do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro (IHGB); membro correspondente do Instituto Arqueológico
Histórico e Geográfico Pernambucano (IAHGP); membro correspondente do Instituto
Geográfico e Histórico da Bahia (IGHBA); membro correspondente do Instituto
Histórico e Geográfico de São Paulo (IHGSP); membro correspondente do Instituto
Histórico e Geográfico do Paraná (IHGPR); membro efetivo da Sociedade Paraibana
de Arqueologia (SPA); membro efetivo da Academia Paraibana de Filosofia (APF);
membro efetivo (fundador) da Academia de Letras e Artes do Nordeste - Núcleo da
Paraíba (ALANE-PB); membro efetivo da União Brasileira de Escritores - Núcleo
da Paraíba (UBE-PB); membro efetivo da Academia de Letras de Areia (ALA);
acadêmico titular da APMED (Academia Paraibana de Medicina) e Professor Emérito
da Universidade Federal da Paraíba.
Nesta última instituição, aliás, foi por muitos anos
professor de Medicina, além de pesquisador na área da História. Mantém também
um blog na Internet, sob o título de "Gravetos de História",
acessível a partir do URL http://gravetosdehistoria.blogspot.com.br/
Abaixo, o
Texto Completo da Palestra
O texto lido a 28 de novembro próximo passado, pelo
Dr. Guilherme d’Avila Lins, para um auditório lotado, no IHGP, corresponde à
sua conferência de encerramento do II CONGRESSO INTERNACIONAL DE ANTROPOLOGIA E
HISTÓRIA DA RELIGIÃO, realizado em outubro no Recife (PE).
Na capital pernambucana, a leitura da mesma palestra
se deu no dia 9 de outubro de 2014. E, nas duas oportunidades, o Autor fez
sempre a advertência de que seu texto não acolhe a recente “reforma
ortográfica” da língua portuguesa, que, acrescentamos nós, só veio trazer mais
problemas à questão da ortografia da “última flor do Lácio, inculta e bela”.
Agora, sem mais delongas, a íntegra da conferência:
A
Inquisição na Paraíba no final do Século XVI
e a Recrudescência
no Século XVIII
Guilherme Gomes da Silveira d’Avila Lins
Guilherme Gomes da Silveira d’Avila Lins
Entendo que a Inquisição, instituição emanada da Igreja Católica, sob seus mais variados modelos evolutivos (Medieval, Espanhol, Português e Romano), delineou um dos capítulos mais negros da história ocidental ao longo de novecentos anos (Século XII ao Século XIX), deixando nas populações por onde atuou um rastro de ódio, discriminação, intolerância, perseguição, impiedade, cinismo, tirania e morticínio.
Ao meu ver, reservadas as proporções, esse rastro só
tem paralelo no Holocausto levado a cabo pelo nazismo durante a Segunda Guerra
Mundial. Ademais, por muito tempo a Inquisição
promoveu o obscurantismo ético, moral e intelectual da sociedade abarcada pela
influência e poder da Igreja Católica.
Enfim, a Inquisição cerceou também o
desenvolvimento científico, assim como a liberdade de consciência e o cultivo das
letras que foram sumariamente censuradas sob pena de excomunhão, mediante a inclusão
de inúmeros autores e seus respectivos textos no Index Libro-rum
Prohibitorum (Índice
dos Livros Proibidos) em suas dezenas de edições
sucessivas (desde 1564 até 1948), somente abolido no ano de 1966 pelo Papa
Paulo VI.
A nós no Brasil tocou mais de perto a Inquisição Portuguesa, em particular o Tribunal do Santo Ofício – Inquisição de
Lisboa (1536-1821), de onde procedeu sua atuação nesta terra. Aliás, a
título de curiosidade o primeiro Auto da
fé de Lisboa só ocorreu em 20 de setembro
de 1540 e a Inquisição veio a
ser oficialmente extinta em Portugal através de um decreto datado de 31 de março 1821. De todo modo, ainda
hoje o Vaticano alberga oficialmente uma instituição sucedânea da Inquisição (bastante diluída e
circunscrita) sob o nome de Congregação
para a Doutrina da Fé (1965).
Dessa maneira, de um modo geral, quando se fala do
duradouro poder da Inquisição e das
paralelas relações da Igreja Católica
com o mundo ocidental sob seu alcance, a história da humanidade cumpriu uma deplorável
e triste ironia: o catolicismo parecia ter esquecido que o próprio Cristo disse
“Amai uns aos outros, assim como Eu
vos amei” e também esqueceu que nos primeiros tempos os neoconversos cristãos foram
transformados em presas favoritas do
politeísmo do Império Romano até Constantino, todavia mais tarde a Inquisição, exercendo a função de defensora
da fé cristã e da Igreja Romana, veio a
se constituir durante séculos na grande predadora dos conver-tidos compulsoriamente ao catolicismo ou
dos católicos pecadores.
A Inquisição
no Brasil, ainda no primeiro século da sua colonização, independente de alguns poucos
casos preliminares e isolados, envolvendo moradores dessa terra, marcou o início
propriamente dito de suas atividades regimentais através da Primeira Visitação do Santo Ofício às
partes do Brasil (1591-1595) que se estendeu então às Capitanias da Bahia, Pernambuco,
Itamaracá e Paraíba. Com esse
objetivo o Arqui-duque Cardeal Alberto de Áustria, Inquisidor Geral do
Reino e Vice-Rei de Portugal e seus Senhorios, através de Comissão datada de 26 de março de 1591 (Lisboa), nomeou
para o cargo de Visitador o Licenciado
Heitor Furtado de Mendoça (à espanhola), Capelão Fidalgo do Rei e do seu
Desembargo, Deputado do Santo Ofício. Este ficou responsável pela colheita e
condução de todos os depoimentos prestados pelos mora-dores nas terras
visitadas do Brasil, depoimentos estes devidamente lavrados em ata pelo
respectivo notário.
Nessa ocasião o poder do Visitador (assessorado por religiosos que formavam um tribunal
local) não foi ilimitado. Para os pecados ou “crimes” mais graves ele deveria abrir
o Processo, prender o “culpado” e enviá-lo ao Tribunal do Santo Ofício – Inquisição de Lisboa para julgamento “em
final”. Nessa primeira Visitação os
julgamentos “em final” com suas respectivas sentenças atingiram apenas os
“crimes” de menor gravidade, que se enquadravam na chamada abjuração de leve,
tais como frases heréticas, blasfêmias, bigamia, práticas sodomíticas além de
outras, configurando os Processos sem
Penitência Pública (com sentenças
cumpridas perante a Mesa do Santo Ofício) e os Processos com Penitência Pública (cujas sentenças se-riam cumpridas
em dias santificados ou ainda aos domingos, além dos Autos da Fé reservados aos casos mais graves da abjuração de leve). A propósito, a então Vila de Olinda, cabeça da
Capitania de Pernambuco serviu de palco para esses espetáculos públicos
dantescos entre 1594 e 1595,
realizando-se aí ao menos dois Autos da
Fé (em 9 de outubro de 1594 e 10 de setembro de 1595).
Lembremo-nos que os depoimentos relativos à Primeira Visitação do Santo Ofício às partes do Brasil já estão disponíveis em letra de forma desde a
primeira metade do Século XX, pois as Confissões da Bahia 1591-92 foram inicialmente publicadas por iniciativa de João
Capistrano [Honorio] de Abreu (1.ª ed. 1922; 2.ª ed. 1935), a que se seguiu uma
nova edição em 1997 organizada pelo Prof. Ronaldo Vainfas. Por sua vez, as
Denunciações da Bahia 1591-593 foram
igualmente publicadas por Capistrano
de Abreu (1925). Com a morte de Capistrano coube a Rodolpho [Augusto de Amorim]
Garcia publicar em 1929 as Denunciações de Pernambuco 1593-1595
(abrangendo as Capitanias de Itamaracá e da
Paraíba). Anos mais tarde, em 1970, o Prof. José Antonio Gonsalves de Mello
[Neto] editou as Confissões
de Pernambuco 1594-1595 (incluindo também
as Capitanias de Itamaracá e da Paraíba).
Por fim, estes dois últimos títulos foram novamente impressos em 1984 constituindo
uma edição conjunta sob o título de Denunciações e Confissões de
Pernambuco 1593-1595 (contendo igualmente
as Capitanias de Itamaracá e da Paraíba),
cujo editor foi o próprio Prof. José Antonio Gonsalves de Mello [Neto].
Atualmente uma gama de documentos originais da Inquisição de Lisboa referentes ao
Brasil (em boa parte manuscritos, além de outros mais tardios já então
impressos, abrangendo os Séculos XVI, XVII e XVIII, arquivados na Torre do
Tombo - Lisboa), se encontram já digitalizados e estão, portanto, acessíveis
para estudo. Vê-se aí grande número de Processos
do Santo Ofício da Inquisição de Lisboa,
inclusive os relativos ao Brasil que estão sendo igualmente digitalizados, o
que significa um incomensurável avanço para a pesquisa nesta área. O mesmo pode
ser dito das Listas dos Autos da Fé
da Inquisição de Lisboa.
No que diz respeito à Capitania da Paraíba os seus moradores, naturais ou não daí, foram
atingidos pelas garras da Inquisição
num crescendo de perseguição ao longo
daqueles três séculos, tendo atingido o auge durante o Século XVIII.
Não seria justo prosseguir esta exposição sobre a Inquisição na Paraíba e, de um modo
geral, no Nordeste, sem antes destacar alguns nomes de primeira grandeza que a
par-tir da segunda metade da centúria passada vêm oferecendo substanciais
contribuições neste sentido, ao contemplar o período que vai desde o final do
Século XVI até o Sé-culo XVIII (inclusive). Dentre eles nomino o já mencionado
Prof. José Antonio Gon-salves de Mello [Neto], a Prof.ª Anita [Waingort]
Novinsky, o Prof. José Gonçalves Sal-vador, a Prof.ª Sonia Aparecida de
Siqueira, o Prof. Arnold Wiznitzer, o Prof. Ronaldo Vainfas, o Prof. Bruno
Feitler, o Prof. Luiz [Roberto de Barros] Mott, o Prof. Carlos An-dré Macedo
Cavalcanti e o historiador Flávio Mendes Carvalho. Também não se pode esquecer
aqui o nome de Zilma Ferreira Pinto, estudiosa dedicada da Inquisição na Paraíba.
Cumpre assinalar ainda que já na primeira metade do
Século XIX o então futuro Barão e Visconde de Porto Seguro, Francisco Adolpho
de Varnhagen, fez publicar no Brasil na hoje chamada Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (então
denominada Revista Trimensal de Historia
e Geographia, Tomo VII, N.º 25, 1845, p. 54-86) uma pes-quisa pioneira no
Brasil, intitulada EXCERTOS
de varias listas de condemna-dos pela Inquisição
de Lisboa [nos Autos de Fé], desde o anno de 1711 ao de 1767,
comprehendendo só os Brazileiros, ou Colonos estabelecidos no Brazil .
Nestas listas de cristãos-novos verifica-se que cerca de 219 moradores do Brasil foram
cruelmente atingidos pela Inquisição
(Este pesquisador não achou a parte que vai de 9 de Julho de 1713 até 17 de
Fevereiro de 1716) tendo sido aí assinalados 44 moradores da Capitania da Paraíba (dois dos quais foram
atingidos duas vezes e nesta soma pude acrescentar mais 3 pessoas que haviam
passado despercebidas na mesma fonte utilizada), representando assim mais de 21% de toda a amostragem aí arrolada. Além
disso, a ilustre Prof.ª Anita Novinsky também adicionou mais 106 pes-soas à mesma relação de cristãos-novos atingidos e condenados
pela Inquisição na Paraíba ao longo do Século XVIII (Anita
Novinsky – Inquisição.
Rol dos Culpados. Fontes para a História do Brasil/Século XVIII. Rio de Janeiro, 1992; Idem – Inquisição.
Inventários de bens confiscados a cristãos novos/Século XVIII. Lisboa, 1976).
Por sua vez o destacado pesquisador
Flávio Mendes Carvalho conseguiu aumentar ainda mais essa relação com outros 11 cristãos-novos da Paraíba durante o mesmo período (Flávio
Mendes Carvalho – Raízes
Judaicas no Brasil. O Arquivo Secreto da Inquisição. São Paulo, 1992). Só no Século XVIII essa lista
chegou a mais de 160 cristãos-novos
e aí se vê inúmeras famílias abrangentemente atingidas, incluindo seus
descendentes, ascendentes e colaterais condenados a penas perpétuas e
degradantes ou ceifados em vida por professarem a Lei de Moisés. Enfim, durante
o Século XVIII as sentenças desses cristãos-novos
(Paraíba) foram em geral muito mais
severas do que as aplicadas no final do Século XVI.
Começo a passar em revista aqui a Primeira Visitação do Santo Ofício à Paraíba (1595), que
corresponde à investida menos feroz da Inquisição
a esta terra, apesar de certas vozes pouco fundamentadas afirmarem diferentemente.
Depois de terminar a Visitação na
Bahia e tendo resolvido interromper naquela ocasião a de Pernambuco a comitiva do
Licenciado Heitor Furtado de Mendoça dirigiu-se por terra (e não por
mar, como já tenho visto algures) para a Capitania de Itamaracá e daí, também para
a Capitania da Paraíba. Enfim, chegaram
a esta terra no dia 06 de janeiro de
1595. Dois dias depois foi celebrado o Auto da Santa Inquisição na Capitania
da Paraíba e no dia 09 seguinte os
depoimentos dos moradores começaram a ser prestados até o dia 24 do mesmo mês. Dessa maneira, com
menos de quatro semanas de permanência na Paraíba,
a comitiva do Visitador já havia
encerrado aí seus trabalhos, retornando a Pernambuco em 29 de janeiro de 1595 para dar continuidade à sua Visitação.
Devo já explicitar que não pretendo aqui esmiuçar em
toda a extensão a questão referente ao título da minha alocução, nem isto seria
possível no espaço de tempo dis-ponível. Ater-me-ei, sim, apenas a determinados
aspectos substanciais da Inquisição na
Paraíba a partir do final do Século
XVI, aproveitando inclusive a oportunidade para também assinalar alguns
importantes senões bastante recorrentes sobre esta matéria, os quais têm sido observados
nos últimos anos, divulgados principalmente por autores autóctones munidos de
discutível rigor metódico __ em que ou não interpretaram de maneira adequada
as fontes necessárias ou até as dispensaram __ preferindo a mera repetição
de certas notícias pouco fidedignas de penúltima água, procedimento, sem dúvida,
bem mais cômodo.
A esta altura considero bastante oportuno não perder
de vista que, em janeiro de 1595
quando a Inquisição chegou à Paraíba, a conquista formal do seu
território ainda não tinha completado dez anos e já contava com sete engenhos de açúcar situados na
várzea do rio Paraíba, onde se concentrava o grosso da população da Capitania du-rante
a maior parte do ano. Por sua vez, a cabeça dessa Capitania, a Cidade Filipéia de Nossa Senhora das Neves (assim
denominada a partir de 1588), era uma pequena urbe cuja população permanente
atingiria então algo em torno de 150 moradores distribuídos em cerca de cinco
ou seis diminutas ruas. Isto nos permite dizer, por apro-ximação, que a
população total dessa Capitania (excetuando os índios) deveria orçar seus 700 a
750 habitantes.
Nesse cenário é que exatas 16 denunciações foram prestadas por 15 denunciantes ao Licenciado Heitor Furtado de Mendoça, já
que uma das depoentes, Maria Salvadora, cristã-velha,
casada, de 45 anos de idade, que estava degredada no Brasil, denunciou duas
vezes. A propósito, contam-se aí 4
mulheres, todas cristãs-velhas,
e 11 homens, dos quais 10 cristãos-velhos (2 deles religiosos,
sendo um secular e outro regular da Ordem dos Frades Menores) além de um meio cristão-novo chamado Antonio
Tho-maz, solteiro de 25 anos de idade que, aliás, também foi aí denunciado pelo cristão-velho Domingos
Ferreira, soldado, solteiro de 25 anos. Foram assim denunciadas cerca de 30 pessoas
de ambos os sexos em que se contam pelo menos 8 cristãos-novos, dentre
eles a famosa Branca Dias (que havia morado em Pernambuco e que já era defunta
desde cerca de 1580).
De todo modo considero adequado, portanto, excluir
dessa relação de denunciados os já
então falecidos e os que não mais residiam nem jamais vieram a residir na Capitania da Paraíba. Assim procedendo,
restam apenas 14 pessoas denunciadas, as quais na-quela ocasião
estavam realmente vivas e moravam efetivamente nessa terra. Neste último grupo
(autêntico) de denunciados há 11 homens (3 cristãos-novos além de 8
cristãos-velhos) e 3 mulheres (1 cristã-velha além de 2 cristãs-novas, mãe e filha com cerca
de 10 anos de idade).
Quanto às ditas 3
mulheres denunciadas, a cristã-velha Maria Simões foi acusada
de bigamia da mesma forma que seu marido, adiante assinalado; já as outras duas
cristãs--novas (mãe e filha), estas
foram alvo de uma remota presunção de judaísmo sem pro-va cabal. No que toca àqueles
11 homens denunciados, temos 2 casos de sodomia (sendo 1 cristão-velho e 1 índio), 3 casos de bigamia
(sendo 2 cristãos-velhos e 1 ou-tro que nada sabia informar a respeito)
6 casos de heresia (sendo 1 cristão-velho, 3 cristãos-novos e 2 outros sem
a dita qualificação).
Dentre os homens
denunciados na Paraíba sobressai o cristão-velho
Antonio da Costa de Almeida, Escrivão da Fazenda Real da Capitania (casado com
a cristã-velha Maria Simões, já
mencionada e também alvo da mesma acusação), o qual só na Paraíba foi denunciado seis vezes por conta da
bigamia. Aliás, no seu caso há uma respeitável porém equivocada informação,
segundo a qual Antonio da Costa de Almeida era “Governador” da Paraíba,
cargo que na rea-lidade ele jamais exerceu; nesse tempo o Governador Capitania da Paraíba era Feliciano
Coelho de Carvalho (1592-1600) [Guilherme Gomes da Silveira d’Avila Lins - Governantes da Paraíba
no Brasil Colonial. Uma revisão crítica da relação nominal e cronológica
(1585-1808). 2.ª ed. João Pessoa, 2007].
Enfim,
é possível constatar que mesmo depois de tantas acusações de bigamia, Antonio
da Cos-ta de Almeida continuou a exercer seu cargo de Escrivão da Fazenda Real
nessa terra (1596, 1598, 1599), portanto, parece ter conseguido uma sentença bastante
suave ou até teria se livrado dessas acusações (Livro do Tombo do
Mosteiro de São Bento da Paraíba. Recife,
1947, fól. 88v., fól. 89, fól. 89v., fól. 106v., fól. 142v.). O mesmo pode ser
dito em relação à sua esposa, igualmente bígama.
Ademais nessa mesma Visitação, durante o período de quinze dias de Graça conce-didos à Capitania da Paraíba, o Licenciado
Heitor Furtado de Mendoça ouviu também 9
confissões feitas por 2 mulheres
(as cristãs-velhas Maria Simões e
Cecília Fernandes) e 7 homens, dos
quais 5 cristãos-velhos (Manuel
Barroso, Pedro Álvares, Antonio da Costa de Almeida, Fulgêncio Cardoso e
Domingos Ferreira), além de 1
cristão-novo e mameluco (Francisco Lopes da Rosa) e 1 soldado castelhano
que não sabia dizer se era ou não cristão-velho. Dentre estes há 4 confitentes que também figuram entre
os de-nunciados (sendo 1 mulher, a cristã-velha Maria Simões, e 3
homens , dos quais 2 cris-tãos-velhos,
Antonio da Costa de Almeida e Pedro Álvares e 1 cristão-novo e mame-luco, Francisco Lopes da Rosa).
No que diz respeito à Primeira Visitação da Inquisição
à Paraíba (1595) é oportuno já retificar uma determinada afirmativa (tão
conhecida nessa terra quanto equivocada), a qual já tive a oportunidade de
trasladar anteriormente: “a primeira
visitação do Santo Ofício fez-se tão rigorosa
[???] que alcançou o vigário da freguesia
de N. S. das Neves [???]. Acusado de
ascendência árabe [???] e práticas
judaizantes [???], o padre João Vaz
de Salem [Leia-se padre João Vaz
Salem], homem rico [?] e influente [?] teve seus bens confiscados [post-mortem
e não pelo Santo Ofício]. Vários [???] desses rever-teriam [???] à ordem beneditina [???]” (Guilherme
Gomes da Silveira d’Avila Lins - Uma
apreciação crítica do período colonial na
HISTORIA
DA PARAÍBA LUTAS E RESISTÊNCIA. João
Pessoa, 2006, p. 303 e seg.).
Pois bem, por mais discutível que fosse o caráter
do primeiro vigário da Paraíba (e o era), o padre João Vaz Salem não pode ser absolutamente
visto como se representasse “uma espécie de síntese insólita do ecumenismo
neste País, configurando, ao mesmo tempo, um sacerdote católico com origem
moura e além disso judaizante”. Aliás, se o autor a que me reporto tivesse
tido o cuidado de ler o depoimento desse vigário da Capitania da Paraíba ao Licencia-do Heitor Furtado de Mendoça
no dia 23 de janeiro de 1595 veria
que o padre João Vaz Salem era ali tão somente um denunciante, jamais um denunciado.
Tampouco ele foi denunciado por quem
quer que fosse noutro local daquela Visitação.
Ali ele, expressamente, “dixe seer christão velho sem ter raça de christão novo [,] natural da Villa de Loulé do Reino do Algarve ...”.
Nesta sua denunciação dois foram os acusados por ele: Manoel Dias,
beneficiado da Igreja do Salvador, Matriz da Vila de Olinda (Per-nambuco), além
de Antonio da Costa de Almeida, cristão-velho
e Escrivão da Fazenda Real da Capitania
da Paraíba. Continuando, se o autor daquela afirmativa ora questionada
tivesse consultado as fontes competentes perceberia que o padre João Vaz Salem
não era então um “homem rico e
influente” na Paraíba, mas
sim um homem inescrupuloso e de comportamento irresponsável pois costumava
abandonar sua paróquia, às vezes por até seis meses num mesmo ano, a fim de prear
índios com o propósito de vendê-los como escravos.
Essa sua atitude muito pouco
recomendável para um clérigo tornou-se insuportável nesta terra e “disto Se queixaram os officiais da Camera (da Cidade Filipéia de N. S. das Neves) a Sua Magestade, e ao Perlado (Prelado) Diogo
de Coutto [Ouvidor da Vara
Eclesiástica em Pernambuco]” (Livro
do Tombo do Mosteiro de São Bento da Paraíba.
Recife, 1947, fól. 92). Diante disso ele veio a sofrer sanções eclesiásticas, o
que lhe valeu post-mortem o confisco
do único bem de raiz que possuía (um terreno urbano com morada na Paraíba) por ordem da Câmara Apostólica de Pernambuco, em
torno de 1599, e não por ordem da Inqui-sição.
Tampouco esse único bem reverteu à Ordem Beneditina na Paraíba pois o padre João
Vaz Salem jamais havia feito negócio com esta Ordem. O que ocorreu foi que a
Câmara da Cidade Filipéia de N. S. das Neves veio a comprar aquela sua antiga
morada à Câmara Apostólica de Pernambuco com o objetivo de doá-la à
Ordem de São Bento e com isso tentar apressar o seu tão necessário
estabelecimento efetivo na Paraíba.
Por outro lado, sabemos muito bem que aquela célebre cristã-nova Branca Dias, antiga moradora
de Pernambuco (já falecida desde cerca de 1580, bem como seu marido, o cristão-novo Diogo Fernandes (igualmente
finado muito tempo antes dela), da mesma maneira que seus descendentes de
primeira e segunda geração, constituíram talvez a família de cristãos-novos mais seriamente
perseguida pela Inquisição no Brasil
em fins do Século XVI e nos primeiros anos do Século XVII. Dessa maneira, não
deixa de causar certa estranheza o fato de até hoje não se conhecer qualquer
depoimento do Santo Ofício
incriminando um filho da dita Branca Dias, o mercador e cristão-novo Jorge Dias da Paz, casado com a cristã-velha Maria de Góis, moradores
na Paraíba em 1594. Ademais, em 1595
ele até esteve em Pernambuco para tentar ajudar sua irmã, a cristã--nova Brites Fernandes (aleijada
e retardada mental), que recentemente havia sido presa pela Inquisição em Olinda. Enfim, Jorge Dias da Paz já era
falecido em 1601.
Agora é preciso esclarecer certos aspectos relativos a
um particular morador da Paraíba no
final do Século XVI. Trata-se do cristão-novo
Diogo Nunes [Correia], irmão do opulento cristão-novo João Nunes [Correia] que residia em Pernambuco embora
tivesse até atuado nas lutas de conquista da Paraíba, vindo depois a possuir bens de raiz nessa terra. O fato é
que, juntamente com João Nunes e com outro irmão que residia em Portugal, Diogo
Nunes era co-senhor da segunda fábrica de açúcar da Pa-raíba, onde morava, fábrica
esta que tive a oportunidade de restituir a sua correta identidade, na verdade o
engenho Santo André (1587-1588) e não a um dos dois em-genhos que
existiram à margem do rio Tibiri, como havia suposto Rodolpho Garcia sem muita
convicção (Guilherme Gomes da Silveira d’Avila Lins - Páginas
de História da Paraíba. Revisão crítica sobre a identificação e localização dos
dois primeiros engenhos de açúcar da Paraíba.
João Pessoa, 1999).
Além disso, pouco antes da chegada da Inquisição na Paraíba Diogo
Nunes estava edificando um novo
engenho em que era igualmente seu co-senhor. Pois bem, da mesma maneira que
João Nunes, Diogo Nunes foi também atingido pela Inquisição, acusado de blas-fêmia em Pernambuco nos anos de 1593 e
1594. Foi então preso e sentenciado a sair em Auto da Fé na Vila de Olinda no dia 9 de outubro de 1594, “desbarretado,
cingido com uma corda e com uma vela acesa na mão” para fazer abjuração de leve suspeito na fé. Ademais ele deveria ser instruído por
um religioso a ser nomeado (José Antonio Gonsalves de Mello [Neto] – Gente
da Nação. Recife, 1989, p. 191).
Analisemos, pois, aquela lista de denunciados na Paraíba
em 1595. Embora os respectivos dados
possam ainda admitir algum eventual reparo, cumpre citar aqui o cristão-velho Braz Francisco, carpinteiro, acusado de blasfêmia na Paraíba em 9 de janeiro de 1595, o qual foi preso pelo Visitador e sentenciado a sair no Auto da Fé celebrado em Olinda no dia 10 de setembro de 1595, desbarretado e descalço, cingido
com uma corda e com uma vela acesa na mão para fazer a abjuração de leve
suspeito na fé (José Antonio Gonsalves de Mello [Neto] – Gente
da Nação. Recife, 1989, p. 194).
Mencione-se agora, por necessidade, o meio cristão-novo Salvador Romeiro (Proc. 28--11519) acusado de
sodomia (e também de bigamia) por Joana Afonso, moradora na Paraíba, a 9 de janeiro de 1595, e que desde cerca de 1577 vivia degredada no
Brasil por crime de adultério; tanto ela quando o denunciado eram oriundos de ilha de São Tomé (atualmente República
Democrática de São Tomé e Príncipe). Pois bem, segundo um pesquisador hodierno
de nomeada que rastreou importantes fontes primárias nessa área e até escreveu
sobre a Inquisição na Capitania da
Paraíba, o referido meio cristão-novo
Salvador Romeiro foi sentenciado
a sair em Auto da Fé “... descalço, em corpo, com a cabeça descoberta,
cingido com uma corda e com uma vela acesa na mão e [que] seja açoitado publicamente por esta vila [Ver-se-á
adiante que esta vila é a de Olinda
e que a data deve ser 9 de outubro de
1594] e [que] vá degradado oito anos para as galés do Reino, para onde será
embarcado na forma ordinária” (Luiz Mott – "A
Inquisição na Paraíba", in: RIHGP, 1999, N. 31, p. 71-96).
Neste
caso em particular é preciso retificar algumas interpretações textuais
equivocadas por parte do ilustre au-tor em tela. Na verdade, mediante a leitura
do Processo 28-11519 em epígrafe verifica--se primeiramente que o meio cristão-novo Salvador Romeiro,
embora denunciado no dia 9 de janeiro de
1595 na Cidade Filipéia de N. S. das Neves, não era morador dessa terra e
tampouco “Viveu algum tempo na Paraíba”.
Ele apenas havia estado lá, inci-dentalmente, em determinada ocasião, onde
encontrou Joana Afonso, sua conter-rânea da ilha de São Tomé, a qual veio a denunciá-lo mais tarde naquela última
data. Aliás, em 9 de janeiro de 1595
ele, então já condenado, devia estar muito perto de cumprir sua sentença nas
galés do Reino pois seu Auto de Entrega
em Lisboa é do dia 12 de março de 1595.
Enfim, observa-se que Salvador Romeiro, proveniente do Reino, chegou a
Pernambuco na Urca Jonas a 19 de abril
de 1594 (portanto bem antes da-quela denunciação de Joana Afonso). Mediante
denúncia em Pernambuco foi lavrada uma ordem de prisão para ele no dia 27 de junho de 1594, tendo sido preso
no dia 28 de junho de 1594 (já no
dia seguinte). Sua sentença foi assinada em Olinda pelo Licenciado Heitor
Furtado de Mendoça no dia 4 de agosto de
1594.
Registre-se a seguir o padeiro cristão-velho Balthazar da Lomba (Proc. 28-6366), cujo
Processo também consultei, que foi acusado de sodomia praticada com diversos
índios na Paraíba, entre eles o de nome Acauhy. O fato é que o denunciado mostrou-se en-tão muito
arrependido e a Mesa do Santo Ofício foi
bastante benevolente determi-nando que ele
“... vá degradado sete anos para as
galés do Reino, para as quais será embarcado preso na forma ordinária para
nelas servir sem vencer soldo ... sendo proibido de retornar à Paraíba por
justos respeitos e pague as custas dada na mesa da Visitação do Santo Ofício em
Olinda de Pernambuco aos 16 de Março de 1595 ”
Quanto aos demais denunciados
daquela lista da Paraíba, temos o
carpinteiro cristão--velho chamado Pedro Álvares acusado de
bigamia, cuja sentença deve ter sido tão suave quanto a de outro cristão-velho já assinalado, Antonio da
Costa de Almeida (Escrivão da Fazenda Real), acusado do mesmo crime, incluindo-se
aí sua esposa, a cristã-velha Maria
Simões, que recebeu a mesma acusação. Estendo ainda o mesmo raciocínio para
Jerônimo Monteiro, igualmente acusado de bigamia.
Mencione-se agora os seguintes denunciados: o marinheiro Gonçalo Francisco acusa-do de
blasfêmia, o pescador Diogo Lopes também acusado de blasfêmia, o cristão-no-vo Leônis de Pina
acusado de blasfêmia, o meio cristão-novo Antonio Thomaz, acusa-do
de blasfêmia, além do cristão-novo e
mameluco Francisco Lopes da Rosa (Tabelião do Público, Judicial e Notas
da Capitania da Paraíba), igualmente acusado de blasfêmia, cujas respectivas
sentenças devem ter ficado circunscritas à abjuração
de leve (pro-vavelmente sem
penitência pública, como se pode ver adiante por alguns indícios), levando em
consideração que este tipo de falta era de menor gravidade, bem como pelo fato
de eles não figurarem entre os que cumpriram sentença com penitência pública.
Por fim temos nessa mesma relação de denunciados
a cristã-nova e mamelu-ca Gracia
Luis (esposa do cristão-velho
João Afonso Pamplona, Tesoureiro dos Defun-tos e Ausentes na Paraíba) e sua
filha menor chamada Maria com nove ou dez anos de idade, as quais haviam
sido alvo de uma suspeita pouco consistente de judaísmo. Não encontrei notícia
sobre o resultado da sua denunciação
mas é difícil acreditar que tivesse havido aí uma sentença mais significativa.
Vejamos agora a lista de confitentes na Paraíba
em 1595 (os quais não figuraram tam-bém
como denunciados), onde se pode
observar as respectivas sentenças. Temos, por exemplo, o cristão-velho Manuel Barroso, o qual se confessou blásfemo e
foi “man-dado confessar (seu
pecado) e que traga por escrito”.
Segue-se o soldado castelhano João de Paris, bombardeiro do forte do
Cabedelo, que não sabia se era ou não cristão- -velho, tendo confessado uma blasfêmia,
após o que “foi-lhe mandado que se vá con-fessar
e traga escrito e que seja mui atentado em suas palavras como bom cristão”.
Em seguida vem o cristão-velho Domingos
Ferreira que confessou uma blasfêmia, tendo sido “admoestado pelo Senhor Visitador com caridade e que as cousas que não
enten-de as pergunte a pessoas doutas e religiosas que o encaminhem bem, e lhe
mandou que se vá confessar e traga escrito a esta Mesa e quando o trouxer se
lhe dirá o mais que há de fazer”. Continuando, o cristão-velho Fulgêncio Cardoso de 35 anos con-fessou um
único ato de sodomia aos 13 anos de
idade, tendo sido “mandado que se vá
confessar e traga escrito a esta Mesa e admoestado que se afaste de
ocasião tão abo-minável e qualquer outra
semelhante”. Para finalizar temos a confissão da cristã-velha
Cecília Fernandes que havia proferido uma blasfêmia cerca de 10 ou 12
anos antes, por conta do que “foi
admoestada pelo Senhor Visitador [e] que não diga mais tais nem outras semelhantes blasfêmias e mandada que se vá confessar e traga escrito”
(Confissões
de Pernambuco 1594-1595. Recife, 1970, p.
129, 133, 136, 137, 140.
Como se pode constatar através desses dados aqui
expostos, diferentemente do que hoje se vê publicado várias vezes na Paraíba (sem critérios metódicos) não
há como entender a Primeira
Visitação do Santo Ofício a essa terra como
muito “rigoro-sa”.
Considerando-se sua índole, ela foi até razoavelmente branda na época.
O fato é que terminada a Primeira Visitação à Paraíba,
ao longo do século seguinte a atuação do Santo
Ofício se fez sentir ali de forma continuada porém sem chegar à per-seguição
dramática da população local que foi vista na centúria subseqüente.
A partir da terceira década do Século XVIII a Inquisição protagonizou na Paraíba um papel muito mais trágico e
cruel, colocando esta terra em triste destaque perante todo o restante do
Brasil. Para se ter idéia da truculência do Santo Ofício na Paraíba
ao longo do Século XVIII, a quase
totalidade dos aí atingidos era acusada
de judaísmo, embora se possa também ver
casos de bigamia e feitiçaria.
Dentre aqueles mais de 160 cristãos-novos, atrás assinalados, ilustrarei com mais
atenção 45 pessoas desse grupo (16 homens e 29 mulheres), sendo que também acessei aí 29 processos. Aliás, 1
deles que não figura naquela relação de 45
pessoas, o cristão-novo Diogo Nunes Tomás, o velho
(Proc. 28-196), com 83 anos de idade, na-tural de Serinhaém (PE) e morador no
engenho Novo (PB) foi acusado de judaísmo e preso em 6/10/1729, vindo a falecer
a 5/12/1730 no cárcere em Lisboa.
A sentença mais pesada nesses casos analisados recaiu sobre
a judaizante e cristã-nova Guiomar Nunes (Proc. 28-11772)
com 37 anos em 1729, natural de Pernambuco e moradora no engenho Santo André
(PB), filha de Antonio Dias e de Clara Henriques, e casada com o latoeiro cristão-novo Francisco Pereira (que recebeu a sentença de cárcere e
hábito perpétuo), enquanto que sua esposa veio a ser relaxada em carne (queimada na fogueira) como convicta, negativa e pertinaz no Auto da Fé de 17 de junho
de 1731. Observa-se também que, sob a acusação de judaísmo vieram a falecer
no cárcere, por certo em função de maus tratos e torturas, os seguintes 5 cristãos-novos (3 homens e 2 mulheres) presos nas enxovias de Lisboa: José da Fonseca Rego (Proc.
28-8039) Ambrósio Nunes
[da Fonseca] (Proc. 28-6288), Luiz
de Valença Caminha, o moço
(Proc. 28-298), Joana Gomes da
Silveira [Bezerra] (Proc. 28-2325) e Tereza Barbalha de Jesus (Proc. 28-9397).
Pode-se verificar ainda que, dentre aqueles 45 cristãos-novos, encontrei apenas
dois acusados de “culpas menores”, ou seja, obrigados apenas à abjuração de leve em Auto de
Fé e, mesmo assim, um deles, o bígamo e cristão-novo Sebastião de Azevedo (Proc. 28-5579) recebeu
uma sentença adicional de açoites
pelas ruas de Lisboa além do degredo de
5 anos nas galés e outras penitências.
Os demais dentre aqueles 45
cristãos-novos foram submetidos à abjuração
de vehemente em Auto da Fé com sentenças de cárcere e hábito (sambenito) perpétuo ou a arbítrio do tribunal, além de outras penitências e do confisco
dos bens, pagamento das custas
processuais etc.
Ao se procurar interpretar com mais detalhes o grupo
em epígrafe salta aos olhos o fato de que ao longo desse período a Inquisição de Lisboa cuidou de atingir cruel-mente
diversos membros de várias das famílias de cristãos-novos
da Paraíba, as quais ficaram assim
dilaceradas e desestruturadas além de extorquidas no seu parco patri-mônio material
(na maioria dos casos), bem como estigmatizadas indelevelmente por conta do
ostracismo público, da perda da liberdade individual, do direito de ir e vir, do
habitual convívio social e da liberdade de consciência.
O que acabo de dizer pode ser caracterizado na
subseqüente ilustração de dez famílias de cristãos-novos
da Paraíba ao longo do Século XVIII, cujos respectivos
componentes atingidos pela Inquisição
consegui recompor com bastante trabalho.
Em primeiro lugar temos a família do já citado cristão-novo Diogo Nunes Tomás, o velho
(casado com a cristã-velha Vitória Barbalha [Bezerra, a velha]). Além dele
pró-prio, o Santo Ofício atingiu os
seguintes 6 filhos seus, além de 1 neta, na Paraíba: as duas filhas já citadas Joana Gomes da Silveira [Bezerra] (Proc. 28-2325), e Tereza Barbalha de Jesus (Proc.
28-9397), além de Guiomar Nunes
Bezerra (Proc. 28-11773), Luiza
Barbalha Bezerra (Proc. 28-816), Mariana
Páscoa Bezerra (Proc. 28-3514) e
Diogo Nunes Tomás, o moço (Proc. 28-8177), cuja filha Vitória Barbalha Bezerra, a moça
(Proc. 28-3613) com 19 anos foi igualmente atingida pelo Santo Ofício.
Em segundo lugar sobressai também a família do cristão-novo Luiz de Valença Caminha, o
velho, já então falecido, casado com Filipa da Fonseca, cujos 5 filhos se-guintes foram atingidos
pela Inquisição: Estêvão de Valença Caminha
(Proc. 28-2296) Maria de Valença,
Guiomar de Valença (Proc. 28-4059), presa duas
vezes, José da Fonseca Caminha (Proc.
28-298) e Luiz de Valença Caminha, o
moço (Proc. 28-298).
Em terceiro lugar registro a família do cristão-novo Manoel Henriques da Fonseca,
casado com a cristã-nova Joana do Rego, a moça (Proc.
28-09164), ambos presos por ordem do Santo
Ofício, juntamente com os seguintes 3 filhos seus: José da Fonseca Rego (Proc. 28-8039), já citado há
pouco, falecido no cárcere em Lisboa, Dionísia
da Fonseca (Proc. 28-02422) e Isabel da Fonseca Rego (ou Isabel Henriques).
Em quarto lugar assinalo a família do cristão-novo Luiz Nunes Fonseca, o velho,
casado com Maria Tomás,
aparentemente já então falecidos, cujos 3 filhos seguintes foram alcançados
pelo Santo Ofício: Luiz Nunes da Fonseca, o moço
(casado com Guiomar Nunes Bezerra
(Proc. 28-11773), já citada), Ana da
Fonseca e Clara Henriques
da Fonseca, casada com Antonio Dias Pinheiro (são os
pais da inditosa Guiomar Nunes,
relaxada em carne em Lisboa).
Em quinto lugar menciono a família do cristão-novo Diogo Nunes Chaves, casado com Joana Nunes do Paço, aparentemente já então falecidos, cujos
3 filhos seguintes fo-ram presos pela Inquisição:
Antonio Nunes Chaves (Proc.
28-10475), Florença da Fonseca
(Proc. 28-00013) e Maria Franca
da Fonseca.
Em sexto lugar lembro ainda a família do cristão-novo André Lopes, casado
com Maria Henriques, aparentemente
já então mortos, cujas 2 filhas seguintes também foram atingidas pelo Santo Ofício: Isabel Henriques e Filipa
Gomes Henriques (Proc. 28-0001).
Em sétimo lugar pinço a família do cristão-novo Gaspar Nunes Espinosa, casado
com Joana do Rego, a velha,
já então mortos, ao que parece, cujos 2 filhos seguintes foram alcançados pela Inquisição: Joana do Rego, a moça (Proc. 28-09164), já citada há pou-co,
casada com o cristão-novo Manoel
Henriques da Fonseca, e João
Nunes Tomás (Proc. 28-08033)
Em oitavo lugar registro a família do cristão-novo João Álvares Sanches,
casado com Isabel da Fonseca,
provavelmente já então mortos, cujos 2 filhos seguintes foram condenados pelo Santo Ofício: Cipriana da Silva (Proc. 28-4218) e Luiz Álvares.
Em nono lugar arrolo a família do cristão-novo Tomás Nunes, casado
com Serafina Ro-drigues, ao
que parece já então mortos, cujas 2 filhas seguintes foram igualmente con-denadas
pela Inquisição: Floriana Rodrigues (Proc. 28-12)
e Filipa Nunes (Proc. 28-0009).
Em décimo lugar, finalmente, mostro a família
do Escrevente cristão-velho Diogo Chaves, casado com a cristã-nova Luiza de Chaves, aparentemente já então falecida,
cujas 2 filhas seguintes foram também condenadas pelo Santo Ofício: Joana do
Rego (Proc. 28-3938) e Filipa
Mendes.
Diante dessa pequena amostragem de cristãos-novos da Paraíba aqui analisada, ao longo do Século XVIII, comprova-se o efeito devastador do Santo Ofício sobre as suas famílias,
como um todo, nessa terra. Além disso, não se deve esquecer que em geral cada
uma dessas famílias de cristãos-novos
estava entrelaçada com as outras por via do casamento entre seus respectivos
membros.
Isto posto, espero ter aqui salientado alguns dos
aspectos mais patentes da truculência e da gravidade com que o Santo Ofício tratou a população de cristãos-novos na Paraíba ao longo do Século
XVIII, dando aí todas as demonstrações de que esse Ofício nada tinha de Santo
nem jamais veio a ter.
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