Friday, January 15, 2016

BARRAGENS DE CUREMA & MÃE D’ÁGUA


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PARA OS CAPÍTULOS DE HISTÓRIA
ECONÔMICA DA PARAÍBA

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O professor e escritor Emmanoel Rocha Carvalho, da União Brasileira de Escritores, entidade com sede em São Paulo (SP) [Favor clicar na foto, para ampliá-la]
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Professor Emmanoel Rocha Carvalho aborda importância do complexo Curema-Mãe d’Água e faz alerta às autoridades

por Evandro da Nóbrega
escritor, jornalista, editor
[druzzevandro@gmail.com]


Versão algo diversa deste artigo (longo, bem escrito e revelador) do professor Emmanoel Rocha Carvalho, da UBE (União Brasileira de Escritores), já foi publicada pela revista literária GENIUS, editada pelo escritor e acadêmico Flávio Sátiro Fernandes. O escrito do especialista — publicado logo em seguida a este nariz-de-cera — é rico em informações de variegada natureza sobre o complexo hídrico constituído pelas barragens de Curema (Coremas) e Mãe d’Água, no Alto Sertão paraibano.  

Além disto, o Autor — que lançou recentemente um livro justamente sobre as barragens de Curema e Mãe d’Água — aproveita o ensejo para invocar “a atenção das autoridades responsáveis pelo gerenciamento dos recursos hídricos do Estado para um controle mais rígido dos poucos (recursos hídricos) ainda disponíveis nos dois reservatórios”.

— Igualmente — diz o Dr. Emmanoel Rocha Carvalho — invoco o  Ministério Público para acompanhar, de perto, esse gerenciamento, presente a possibilidade de prolongamento da estiagem, o que levaria o estado a enfrentar sérios problemas de abastecimento d’água para consumo humano no sertão. Ademais, faz-se necessário agir rapidamente para a eventual solução de problemas suscitados no presente trabalho, especialmente os que dizem respeito à qualidade das águas distribuídas para consumo humano e animal, focando, prioritariamente, a saúde e as necessidades aquíferas desses seres, ao meu sentir mais importantes que quaisquer outros interesses.

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A IMPORTÂNCIA DO COMPLEXO 
CUREMA-MÃE D’ÁGUA:
CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS 
E SOCIOECONÔMICAS

por Emmanoel Rocha Carvalho,
da UBE-SP

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No ano de 1911 o Presidente Hermes da Fonseca – eleito pelo Partido Conservador (PRC),  para o período de 15.11.90 a 15.11.1914 – autorizou a elaboração do megaprojeto do empreendimento. Era governador do estado da Paraíba o Senhor João Lopes Machado, eleito para o período de 28.10.1908 a 22.10.1912.

O projeto foi elaborado à época da antiga IOCS (Inspetoria de Obras Contra as Secas), criada em 21.10.1909, tida como a mais adequada instituição para o enfrentamento dos problemas  trazidos com as frequentes secas no Nordeste semiárido brasileiro durante longos anos. Contribuíram com a sua elaboração técnicos americanos ligados ao US Bureau of Reclamation, criado em 1902, agência americana voltada para abastecimento, irrigação e hidrelétrica no Oeste do Estados Unidos.

Cabiam à IOCS os estudos, predomínio de levantamentos e reconhecimentos da área, de suas potencialidades e recursos naturais, missão de que se desincumbiu muito bem, chegando, na sua curta existência, a construir algumas obras estruturantes como estradas, pontes, pequenos  açudes, perfuração de poços, dentre outras. Foi ela sucedida pela IFOCS-Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas, através do Decreto 13.687/1919, com atividades ampliadas, a exemplo de construção de grandes reservatórios, de campos de pouso (aeroportos), portos, vilas operárias, escolas, além de serviços de eletrificação.

Durante sua existência, grandes açudes públicos da região Nordeste foram construídos, marcados com a atuação de dois grandes presidentes:

1 - Epitácio Pessoa, eleito pelo Partido Republicano Mineiro (PRC), período de 28.06.1919 a 15.11.1922 e cujo governo autorizou a construção dos açudes Boqueirão de Piranhas e São Gonçalo, na Paraíba, cujas obras somente foram realizadas nos anos de 1932 a 1936); e

2 - Getúlio Vargas, colocado no governo pela Aliança Liberal (AL), período de 03.11.1930 a 29.10.1945 e, no segundo governo, pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), período de 31.01.1951 a 24.08.1954, quando se suicidou.

O Projeto Curema-Mãe d’Água
Por motivos até hoje não bem esclarecidos, o governo de Epitácio Pessoa não foi o responsável pela partida inicial da implementação do projeto, o maior elaborado para a região Nordeste, contemplando, em especial, represamento de águas, perenização de rios  e  irrigação. A sede do projeto – hoje Coremas(PB), no alto sertão – dista 403 km da capital.
Elaborado no governo de Hermes da Fonseca, durante muitos anos o projeto esteve arquivado. Somente no governo de Getúlio Vargas ele foi lembrado e enquadrado no Plano de Ação do presidente, assim mesmo, de forma tardia, certamente por força do volume de recursos que demandaria a sua execução, uma vez que outros projetos menores, no estado, foram ali contemplados (Boqueirão de Piranhas,  atual Barragem Engenheiro Ávidos, com capacidade  nominal de represamento de 255 milhões de m3, iniciado em 1932 e concluído em 1936, no então município de Cajazeiras, e São Gonçalo, com capacidade nominal de represamento de águas de 44,6 milhões de m3, iniciado em 1932 e concluído em 1936, no município de Sousa). No meu entendimento, a inclusão do projeto  do complexo Curema-Mãe d’Água no Plano de Ação do presidente Getúlio Vargas deveu-se ao empenho do grande estadista paraibano José Américo de Almeida, que era Ministro da Viação e Obras Públicas.

O projeto Curema-Mãe d’Água era gigante, formado por dois grandes açudes, o de Curema, com quatro barragens de terra (a maior, com 1.550 km, com uma proteção interior de uma cortina central  de concreto armado, e revestimento de cimento em toda extensão, a montante;  e com capacidade nominal de represamento de águas de 720,0 milhões de m3) e o de Mãe d’Água, com uma única barragem, de concreto ciclópico (com capacidade nominal de represamento de 638,0 milhões de m3), sendo que esta seria o sangradouro do referido complexo hídrico.

Para se ter uma ideia da dimensão do referido complexo (1,36 bilhão de m3) é bastante reportar-se à capacidade da barragem Gramame/Mamoaba, no município do Conde, de 56,9 milhões de m3, e que abastece cerca de 60% da região metropolitana da  capital do estado, aqui entendida como João Pessoa, Cabedelo e grande parte de Bayeux. Vale esclarecer que a referida barragem recebe águas, também, de rio perenizado.

Dados técnicos da barragem de Curema
O coroamento (extensão) da barragem principal, como foi visto, é de 1.550 m; a bacia hidráulica é de 5.950 ha; a bacia hidrográfica é de 6.840 km2 e a altura máxima é de 47 m;  o volume de terra zoneada com cortina central de concreto armado é de 2.687.530 m3. Com a inclusão das três barragens auxiliares, são acrescentados – embora dispersos -  ao coroamento 945 m e ao volume, 76.040 m3 de terra;  o rio barrado é o Rio Piancó.

Os dados sobre a bacia hidrográfica – área captadora das chuvas, cujas águas são direcionadas para a barragem -  vêm sendo hoje contestados, havendo informações oficiais  que levaram o escritor Francisco Teotônio de Sousa a registrar no seu livro PIANCÓ – O Pequeno Grande Rio - edição da Editora Universitária, da UFPB, João Pessoa, 2008 - que a mesma é de 9.242,75 km2.

Entendo que o atual desenvolvimento tecnológico concernente  confere mais credibilidade aos atuais instrumentos de medição (o projeto  data do início do século passado). A bacia hidráulica é aquela formada pela lâmina d’água represável/represada, de medição pouco menos complexa.

Objetivos do projeto do complexo
Dentre tantos objetivos, o projeto do complexo focava  a perenização dos rios Piancó, Aguiar e Piranhas, na Paraíba, e Açu, no Rio Grande do Norte, bem assim a  irrigação das várzeas de Sousa, na Paraíba, então estimadas em 20.000 ha,  e das várzeas do baixo vale do Açu, no Rio Grande do Norte, estimadas em 25.000 ha.

O foco central do plano era dirigido para o barramento do Rio Piancó, com nascente  no riacho Santa Inês, ao sopé da serra da Baixa Verde, no hoje município de Santa Inês (PB), a 120 km do local onde seria construída a primeira grande barragem, de Curema, no boqueirão do mesmo nome, na Serra de Santa Catarina; numa segunda etapa, seria barrado o Rio Aguiar, com nascente no local Timbaúba, no então  município de Itaporanga (PB), a 80 km da barragem de concreto a ser construída no boqueirão de Mãe d’Água, na mesma serra de Santa Catarina, a cerca de  3,7  km   do boqueirão de Curema.

Com a construção das várias barragens (quatro no açude Curema e uma no açude Mãe d’Água), as águas represadas destinar-se-iam à dessedentação humana e de animais, irrigação, e  perenização dos referidos rios, com o que se produziria alimentação barata, inclusive peixes, para as comunidades adjacentes e carentes, além de  manter a população no interior dos sertões envolvidos (Paraíba e Rio Grande do Norte).

Como a irrigação principal seria dirigida às várzeas de Sousa (e do baixo Açu), o projeto previa a construção de um canal para o açude de São Gonçalo, que alimentaria as necessidades aquíferas das referidas várzeas. Seria uma obra de elevado custo, mesmo porque contemplava construção de longo canal, de 45 km, com elevação e construção de túneis no percurso, estes com 15 km de extensão.

A Longa Execução do Projeto
A história da IFOCS é rica de feitos marcantes, de estudos e obras  estruturantes  na região do semiárido do Nordeste brasileiro, por longo tempo esquecida. Para o êxito do seu grande papel, aquela inspetoria criou várias comissões técnicas, a exemplo da Comissão Técnica de Reflorestamento e Postos Agrícolas do Nordeste, e Comissão Técnica de Piscicultura, em 1932. No ano de 1935 criou a Comissão do Alto Piranhas, para construir os açudes Curema e Mãe d’Água,  e as primeiras obras de irrigação do açude São Gonçalo, além de trechos de  estradas de Curema a Catolé do Rocha e Sousa a Curema, via São Gonçalo. Sua sede foi fixada em Curema. 

A execução do amplo projeto foi entregue ao Dr. Estevam Marinho, rio-grandense do Norte, nomeado Chefe da Comissão do Alto Piranhas. Diferentemente do que muitos pensaram por longos anos, ele era geógrafo. Graduou-se engenheiro civil somente em 1948, juntamente com o seu filho Luciano Marinho, em Recife(PE), em pleno exercício da chefia daquela referida Comissão.

O local escolhido para a construção do primeiro dos dois grandes açudes foi o boqueirão de Curema, juntinho do povoado  Boqueirão de Curema. Acredito que o nome Curema se traduza numa homenagem à valente tribo Coremas, da nação Cariri, que teria povoado, nos séculos XVI e XVII, parte do estado de Pernambuco e  extensa região do Vale do Piancó, chegando até os boqueirões da Serra de Santa Catarina.

No capítulo I, “Da povoação de Curema ao início da construção da barragem”, do livro BARRAGENS DE CUREMA E MÃE D’ÁGUA – Nos bastidores da construção, edição do Autor, João Pessoa, 2013, de minha autoria, procurei mostrar, claramente, que o nome da barragem é Curema. Pelo Decreto-Lei 1.164, de 15.11.1938, o distrito de Curema é alterado para Coremas e com este nome foi mantido com a Lei 1.005, de 30.12.1953, que criou o município, cuja instalação se deu em 04.04.1954.

A construção da barragem de Curema:
1ª. etapa operacional do complexo
Grandes dificuldades foram enfrentadas para a construção da grande barragem (local pobre, de diminuto povoamento (estimei, para o ano de 1935, uma população de  500 pessoas, com argumentos expendidos na minha obra citada), de estradas carroçáveis precárias e, como consequência, um pequeno comércio, desprovido de quase tudo, o que, de início, já se constituía num grande desafio para o Dr. Estevam Marinho.

O Dr. Estevam Marinho partiu para as primeiras e acertadas providências. Logo instalou à margem esquerda do Rio Piancó, juntinho do boqueirão da Serra de Santa Catarina , o acampamento que abrigaria o sistema IFOCS-Curema, separado da sede do povoado, que ficava à margem direita do mesmo rio. Não pensou duas vezes, deu celeridade, entre as construções de obras de infraestrutura, à edificação  de casas que viriam abrigar as famílias dos engenheiros e dos funcionários técnico-administrativos, além de 113 casas na vila operária, para pessoal semiqualificado; ao lado desses serviços, em 1936 foi criada a Cooperativa de Consumo dos Funcionários do DNOCS, e iniciados os trabalhos de escavação profunda no boqueirão, para a formação da base principal  de fundação do açude Curema, no local onde hoje está a galeria.

Em março de 1937 — às vésperas do início da construção da barragem, ocorrido em abril seguinte — estavam concluídos o projeto urbano e o de obras estruturais (construção do almoxarifado, casa de força, do escritório central, redes elétrica, hidráulica e sanitária,   hospital e maternidade, grupo escolar, hotel, casa de hóspedes e  grandes  prédios e galpões para abrigar garagens e oficinas, instalação de serviços de radiotelegrafia e telefonia,    além de linda capela, devotada a Santa Terezinha, para aliviar as carências espirituais dos moradores do acampamento.

Na parte sócio-desportiva, segundo antigos moradores que residiram no citado acampamento,  fazia gosto ver funcionar aquilo tudo previsto no projeto, mas de uma forma muito melhorada, graças à visão e o sentimento do Administrador Chefe: parque esportivo-social constituído de grande piscina, campo para tênis (segundo o tenista  José do Patrocínio de Oliveira Lima, meu saudoso amigo e ex-colega no BB, o acampamento da IFOCS chegou a sediar, na década de 1940, campeonato Norte-Nordeste, na modalidade, o que me levou a admitir que o esporte chegou a Curema bem antes de chegar a João Pessoa), campo para vôlei e basquete,  e clube social.

O campo de futebol foi construído em espaço diferente, junto ao final da vila operária, nem por isso deixando de ser um primor. Ah, como deve ter sido bom aquele tempo! Faço tal juízo porque eu cheguei a utilizar os mesmos equipamentos comunitários  a partir de 1947, já contando seis anos e frequentando a escola (Grupo Escolar Arrojado Lisboa). Ali vivi uma infância da adolescência feliz, junto dos meus pais,  irmãos e amigos,  estudando, brincando, pescando, caçando e criando pássaros. 

As vantagens da construção
tardia da barragem de Curema
Como foi visto anteriormente, o projeto Curema-Mãe d’Água só foi desarquivado quando os projetos de Boqueirão de Piranhas e o de São Gonçalo estavam em adiantada execução, já próximos da finalização. Estes foram concluídos  em  1936, e puderam liberar mão-de-obra experiente para a grande barragem de Curema (topógrafos, auxiliares de topografia, mecânicos, serralheiros, carpinteiros etc.). 

De outro lado, os projetos de Boqueirão de Piranhas e de  São Gonçalo contrataram, no início da construção dos açudes, um número elevado de operários, porquanto foram utilizados trabalhadores atrelados a animais no transporte de materiais, durante boa parte da execução dos serviços. Esse transporte foi substituído nos dois últimos anos das construções por patrulhas mecanizadas, que foram parcialmente liberadas para o início da construção da barragem de Curema. Por isso, embora a execução do projeto tenha sido iniciada tardiamente, a barragem de Curema foi significativamente beneficiada, ao contar, de partida, com mão-de-obra qualificada e experiente, além de  equipamentos modernos.

Com os serviços de infra-estrutura e de fundação concluídos — iniciados em 1935 e terminados  em março de 1937 —, foi a construção  da barragem iniciada, efetivamente, em 08.04.1937, segundo o historiador Cristovam de Abreu, no seu livro CONJUNTO ESTEVAM MARINHO, edição dos familiares (sob a minha coordenação), João Pessoa, 2014. Na obra, são tratadas, em versos, as construções das barragens Curema e Mãe d’Água, sendo de destacar que o Sr. Cristovam exerceu, com competência, a função de topógrafo nas citadas barragens, tendo sido grande servidor da IFOCS/DNOCS por longos anos. De outro lado, considerada a grande dimensão do empreendimento, a IFOCS chegou a utilizar, conjuntamente, seis engenheiros, espalhados pelas diversas frentes de trabalho, no inicio da grande obra.

Pelo gigantismo do empreendimento e dificuldades financeiras enfrentadas pelo país, com uma então economia focada, consideravelmente, na exportação de commodities agrícolas, a obra caminhava lentamente, mesmo porque, antes e durante muitos anos, o Nordeste semiárido  do Brasil não era uma prioridade nacional. Era sempre lembrado – e quase somente isso – nos períodos de grandes estiagens, de mortes de pessoas e animais, dentre outras ocorrências nefastas. Somente na seca de 1877, que se estendeu a 1879 e que foi chamada de a “Grande Seca”, morreram mais de 500.000 pessoas no estado do Ceará  e regiões circunvizinhas.

A construção do complexo foi iniciada sob a administração da IFOCS, com o aparelhamento singelo mas com a forte atuação em favor da referida região, calcada na competência dos seus servidores. A referida IFOCS recorria sempre ao US Bureau of Reclamation, dos Estados Unidos,  para obter cooperação na solução de problemas técnicos enfrentados, já que aquele país contava com experiência no trato com região semiárida semelhante  em alguns estados daquela grande Nação. E o que é mais importante,  socorria-nos e nos oferecia tecnologias novas na área. Um exemplo  disso é sua participação na elaboração do projeto do complexo e  o socorro que nos prestou no açude de  Boqueirão de Piranhas, em 1972, para solução de problemas técnicos na barragem e no sangradouro.

Em 1938, a IFOCS autorizou a instalação de um Laboratório de Solos e Concreto, no acampamento em Curema, que chegou a prestar serviços a obras da autarquia em outros estados do Nordeste brasileiro. Teria sido o primeiro laboratório da espécie no país, o que não consegui comprovar  em pesquisas efetuadas. Instalou, também, um lindo e confortável prédio (para os padrões da época), onde eram exibidos filmes interessantes, em sessões noturnas, sem nada dever aos mostrados em regiões desenvolvidas do país. Era o Cine CAP (Comissão do Alto Piranhas), que muito o frequentei na minha infância/adolescência. 

A barragem de Curema mereceu  visitas de pesquisadores, turistas e autoridades nacionais, dentre elas  os Presidentes Getúlio Vargas, em 16.10.1940, e Eurico Gaspar Dutra, em 01.10.1949; em julho de 1955 visitou-a o general Juarez Távora em campanha eleitoral para a presidência da República, em disputa com  Juscelino Kubitschek de Oliveira. Este a conheceu quando veio inaugurar a barragem de Mãe d’Água e a hidrelétrica de Coremas, em 15.01.1957.

Com muitas dificuldades, a barragem de Curema foi  concluída em 08.05.1942, sem festas e sem inauguração. Uma tristeza! Naquela época o país se encontrava envolvido com interesses, no meu entender,  muito delicados, diante da ocorrência da 2ª. Guerra Mundial (1939/1945). Em fevereiro de 1942 o Brasil teve embarcações comerciais torpedeadas  pelos países do Eixo, em represália à sua adesão aos compromissos da Carta do Atlântico, que previa o alinhamento automático com qualquer  nação do continente americano que fosse atacada por uma potência extracontinental.

Entendo importante registrar que ao término da construção da barragem, Coremas contava com população urbana em torno de 2.500 pessoas, bem superior ao número de 500 pessoas estimado por mim no início da obra, por ocasião da pesquisa realizada para a produção do livro Barragens de Curema e Mãe d’Água, já citado. De outro lado, como citado no mesmo livro, a Revista Brasileira dos Municípios (no. 30, ano VIII, 1955) informa que a população de Coremas era de 2.982. A justificativa que entendo para o número de 2.500 em maio de 1942, é que as obras do complexo estiveram paralisadas durante sete anos.

Ao reinício das obras, com a construção do açude  Mãe d’Água, pouca gente foi recrutada, cerca de 130 pessoas, segundo escreveu Raimundo Carvalho (mestre de obras naquela barragem,  1949/1957), em relatório manuscrito  que produziu para mim, a partir da sua prodigiosa memória, aos 91/92 anos, informações contidas no meu livro citado. Por fim, registro que os insumos adquiridos pela autarquia responsável pela construção eram adquiridos, na expressiva maioria, em centros comerciais do estado e de estados vizinhos. É possível que tudo isso, naturalmente, tenha  impedido um   crescimento significativo da população entre 1942 e 1955.   

Paralisia na construção do
Complexo Curema-Mãe d’Água
O projeto esteve paralisado durante vários anos, por motivos já conhecidos. Nem por isso o acampamento da IFOCS foi dissolvido. As casas permaneciam ocupadas, com o engenheiro Chefe  e auxiliares qualificados e experientes, aguardando o reinício das obras do complexo, ou seja, a  construção da barragem de Mãe d’Água.

Foi um período de mansidão, de descanso para aqueles que deram tudo de si para verem construído o primeiro açude, que  soltava águas pelas comportas, no período seco, e  pelo Riacho Seco, afluente do Rio Aguiar, em tempo de chuvas – quando a barragem enchia -, para irrigar culturas ribeirinhas, da Paraíba ao Rio Grande do Norte.  

Os serviços de piscicultura eram ampliados; o açude recebia novos alevinos, com o que o povoamento total era composto de pirarucu, tucunaré, curimatã, piau, traíra, cangati, cascudo, apaiari e até (não sei porque) piranha. Tilápias e pescadas, só décadas depois.

Caía por terra a esperança de levar águas do complexo para as Várzeas de Sousa, mesmo a longo prazo, em decorrência do enfraquecimento, durante a  segunda Guerra Mundial,  de várias  nações compradoras de  produtos da pauta das exportações brasileiras.                      

Sob o ponto de vista técnico, até que foi válida a interrupção da construção do complexo. O projeto foi revisto e se chegou à conclusão que o encaminhamento das águas para as várzeas de Sousa, a partir da conclusão da barragem de Mãe d’Água,  seria inviável, pela forma  com que fora inicialmente planejado - via açude São Gonçalo -,  devido ao alto custo das obras do canal e as dificuldades financeiras do país durante a guerra mundial antes referida.
Barragem do açude Mãe d’Água – 2ª etapa operacional do complexo

Dados técnicos da barragem
O coroamento (extensão) é de 175 m; a bacia hidrográfica é de 1.128 km2; a bacia hidráulica é de 3.844 ha; a altura máxima é de 35 m; o volume de concreto ciclópico é de 95.100 m3 e o rio barrado é o Rio Aguiar.

Já citado, o relatório produzido por Raimundo Carvalho registra 45 m para a altura da barragem e 95.000 m3 para o volume de concreto ciclópico, enquanto o relatório de Cristovam de Abreu — que serviu de base central do seu livro publicado, Conjunto Estevam Marinho — registra 49,05 m para a altura e 91.242 m3 para o volume de concreto ciclópico, isso tudo depois da barragem concluída.

Sobre a bacia hidrográfica, fineza considerar as justificativas apresentadas logo após os dados técnicos da barragem de Curema.
A construção da barragem de Mãe d’Água
“... em outubro de 1941, teve início a locação; em 1943, início da barragem em fundação e; e em 10 de outubro de 1948, a concretagem em ação. Foi com  esses três versos que o escritor e topógrafo Cristovam de Abreu ofereceu importantes informações à história da construção da barragem, no seu livro, já citado, Conjunto Estevam Marinho, informações essas não fornecidas nem tampouco confirmadas por antigos funcionários da IFOCS, em Coremas, à época da construção,  nem no Distrito do DNOCS (que sucedeu à IFOCS), em João Pessoa,  nem, ainda,  na Sede do Órgão, em Fortaleza, em 2013, quando pesquisei bastante para a pesquisa do meu livro  já citado. Uma lástima!

Não duvido das palavras do incansável e competente topógrafo Cristovam de Abreu. Pelo contrário, tenho muita crença nelas e louvação  em  tudo que ele fez. Isso tanto é verdade que incluí o seu nome numa diminuta e muito bem selecionada lista de HOMENS ÍNTEGROS,  no meu último livro, recém editado, VANDONY DANTAS – Um exemplo de integridade. Era Cristovam de Abreu um homem honrado, competente e simples. Muito respeitado.  Era também, sem fazer alardes, sobrinho do grande historiador Capistrano de Abreu, de muitas obras publicadas e um dos mais respeitados e antigos escritores  sobre a  história do Brasil.
         
Pelo espaçamento das datas citadas pelo Sr. Cristovam, há de se imaginar que a obra também foi atingida por paralisações, certamente por escassez de recursos financeiros.

Em 28.12.1945, pelo Decreto-Lei nº 8.486, é criado o DNOCS (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas), sucedendo à IFOCS e que nasceu com enriquecido acervo de obras e estudos técnicos e científicos das antigas IOCS e IFOCS. A novel Instituição (considerada secular, computando também  os anos de funcionamento da IOCS e IFOCS), outrora prestigiada e atuante no semiárido nordestino, encontra-se hoje sem o necessário apoio governamental. 

A primeira concretagem da barragem foi iniciada em 1948, tendo como mestre de obras o Sr. João de Paiva, sobre quem Cristovam de Abreu registrou muito boas referências no seu livro já várias vezes citado. Naquela época, continuava no comando da Comissão do Alto Piranhas o Dr. Estevam Marinho. Os serviços de concretagem eram realizados em reiterados espaços de três dias e três noites, ininterruptamente, fato que exigia a presença do mestre de obras na empreitada, chamada, naquele tempo, de “virada”, numa alusão à virada do dia para noite, trabalhando.

Surpreendentemente, meu pai, Raimundo Carvalho — que prestara relevantes serviços na construção da barragem de Curema —, foi procurado em casa, em setembro de 1949, por emissário do Dr. Estevam Marinho, que solicitava a presença dele no seu Gabinete. Da conversa, resultou um convite para acompanhá-lo numa viagem à obra. No dia seguinte, uma séria  conversa no trajeto de ida e volta (cerca de 8 km), com intervalo para mostrar a construção.

Na oportunidade, Dr. Estevam Marinho lhe segredou que não estava satisfeito com o andamento dos serviços, que liberava muito dinheiro e que os serviços não correspondiam ao esperado. Finalizou, dizendo, “preciso do senhor para assumir a função de mestre de obra da construção da barragem do Mãe d’Água”.

Meu pai, surpreso, disse: “Como, logo eu que estou exercendo função de almoxarife e que pouco conheço sobre cimento armado?”

O Dr. Estevam Marinho, arrematando, falou: “O senhor, sim! Venho acompanhando seus serviços há anos e tenho informações que o senhor já esteve várias vezes no Laboratório de Solos e Concreto, no afã de conhecer os serviços ali praticados. Pense sobre o meu pedido”.
         
Semanas depois o Sr. João de Paiva se afastou da condução da obra, alegando necessidade de ir morar em Natal e dar educação aos filhos. Diante disso, Raimundo Carvalho  é guinado à função de mestre de obras da grande barragem de Mãe d’Água, em dias de outubro de 1949. Com isso, estava sepultada a vida mansa de almoxarife e diminuídas as atividades de lazer que tanto amava, a caça e a pesca. Em contrapartida, ganhava carro com motorista,  telefone e uma grande área para plantio, nos fundos da casa onde morávamos, com cerca de 3 ha. Foi muito bom para a família, e para o Dr. Estevam Marinho, acredito.

Os trabalhos em ação faziam Raimundo Carvalho e o Dr. Estevam Marinho felizes.

O Dr. Estevam Marinho, que padecia de problemas cardíacos, convenceu o médico Dr. Firmino Ayres Leite — que morava em Piancó — a vir residir em Coremas, assegurando-lhe residência confortável no acampamento do DNOCS, ao tempo que invocava a necessidade de cuidados especiais, já que sua sede residencial era em Recife, onde permanecia a sua esposa, conduzindo mais de perto a educação dos filhos. Dr. Firmino também era político e escritor.

Quando tudo corria bem,  em 1952 o Dr. Estevam Marinho foi nomeado Chefe do 2º. Distrito do DNOCS, em João Pessoa-PB, sendo substituído pelo adjunto,  Dr. Egberto Carneiro da Cunha, seu  fiel amigo, que conhecia bem a capacidade do mestre de obras e tinha por ele grande admiração; por isso, manteve  Raimundo Carvalho no cargo.

Em 23.02.1953 faleceu em João Pessoa o Dr. Estevam Marinho, cujo corpo foi sepultado em Recife (PE), onde morava sua família.

O Dr. Egberto, fiel aliado do Dr. Estevam Marinho era, como ele, portador de problemas de saúde. Em decorrência disso, retornou em 1955 para Fortaleza — de onde viera há anos — para cuidar da precária situação da saúde. Foi substituído por um engenheiro jovem, Dr. Ivanildo Marinho Cordeiro Campos, egresso da sede do DNOCS, em Fortaleza, com pouca ou quase nenhuma experiência em concreto. Talvez por isso, manteve Raimundo Carvalho no cargo de mestre de obras da barragem. Sua passagem por Mãe d’Água foi meteórica; não consegui apurar os motivos. 

Foi ele substituído por um outro jovem engenheiro, o Dr. Vitoriano Gonzalez y Gonzalez, também inexperiente em serviços de concreto e em administração de grandes obras. Vinha, em 1955/56, do pequeno açude Escondido, com barragem de terra, no município de Brejo do Cruz-PB, com capacidade nominal de armazenamento d’água de apenas 16,6 milhões de m3. Certamente uma promoção. De cara, via-se diante da administração da maior barragem de concreto em construção pelo DNOCS, projetada para 640 milhões de m3, o que se constituía em grande desafio. Talvez por isso, meu pai, já amadurecido conhecedor dos serviços de concreto e de condução da obra, permaneceu no cargo de mestre de obras, dando a sua indispensável colaboração.

Por ato ministerial, a barragem de Curema passou a se chamar de barragem Estevam Marinho, conforme ofício do Sr. Diretor Geral do DNOCS, de número 636 T, de 03.06.1955, o que foi traduzido como homenagem merecida ao saudoso construtor, respeitável administrador e acreditado engenheiro. É uma tristeza que a barragem continuasse a ser chamada de Curema depois da homenagem. Ele não merecia isso! Hoje, até o DNOCS, quando se reporta à barragem Estevam Marinho traz, entre parênteses, a expressão “ex-Curema”.
           
Com as sucessivas  mudanças de engenheiros na direção da construção da barragem de Mãe d’Água, Raimundo Carvalho era cada vez mais  exigido, explorado diante dos seus conhecimentos em concreto. A sorte dele veio com a execução do plano governamental do Presidente Juscelino Kubitschek (eleito em  1955),  denominado Plano de Metas, que previa ações de cinquenta anos em cinco. Nesse diapasão, foi incluído o açude  de Mãe d’Água entre aquelas grandes obras inauguráveis em 1956, com o que recursos financeiros para a obra passaram a aportar celeremente. 

Acreditava meu pai que isso lhe exigiria muito mais, todavia, em compensação, após o ato inaugural poderia descansar longamente. Esse seu desejo não foi satisfeito. Após a inauguração, com serviços de acabamento ainda em curso, foi ele convocado pelo DNOCS para realizar serviços de concreto na adutora de Campina Grande e, depois, nos açudes Banabuiú  e  Orós, no Ceará, onde se aposentou na autarquia.

Segundo me afirmou Raimundo Carvalho, mestre de obras da barragem de Mae d’Água, no período de 1949 a 1957, muitos engenheiros e acadêmicos de engenharia  visitaram a barragem durante quase todo o período da sua construção, sendo ele, a partir de 1949, sempre  indicado para prestar esclarecimentos e informações sobre a respeitável obra de cimento ciclópico, a maior do DNOCS. 

Entendo até que aquela obra era vista como um centro tecnológico de concreto do Nordeste, pelo muito que instruiu  centenas de estudiosos e pesquisadores que por lá passaram. No final de 1955, a barragem de Mãe d’Água, em construção, já barrava o Rio Aguiar, afluente do rio Piancó, desaguando neste antes do encontro do rio Piranhas com o Piancó, nas proximidades de Pombal (PB).

Diante da impossibilidade da construção do canal partindo da barragem de Mãe d’Água para o açude São Gonçalo, a Diretoria do DNOCS mandou elaborar projeto de construção/instalação de uma hidrelétrica  na barragem de Curema, já que a água que estava sendo solta com destino ao Rio Grande Norte era suficiente para fazer funcionar a referida hidrelétrica. 

Ela foi imediatamente construída e inaugurada juntamente com a barragem de Mãe d’Água. Do seu funcionamento, resultou fornecimento de energia elétrica para várias cidades do sertão, a partir de Coremas; depois,  Piancó, São Gonçalo, Sousa, Cajazeiras, Patos, Catolé do Rocha e Itaporanga, segundo Cristovam de Abreu, no livro já citado, Conjunto Estevam Marinho

Para a realização dos serviços de distribuição da energia, foram gastos consideráveis valores com aquisição de transformadores, postes e linhas de transmissão de alta tensão. No final de 1969,  esses  serviços, à exceção dos  de Coremas, foram absorvidos pela CHESF, segundo o engenheiro Evandro Souza Araújo,  Chefe do Órgão em Coremas (a referida hidrelétrica foi desativada em 2014, quando produzia energia só para o município).

Paralelamente à realização dos serviços finais para a inauguração da barragem de Mãe d’Água, foi construído o canal vertedouro na região Riacho Seco, através do qual as águas do açude Curema se interligam com as do açude de  Mãe d’Água. Na verdade são dois reservatórios distintos, barrando rios distintos. Só com abundância de chuvas nas suas cabeceiras os açudes se interligam, na cota 237, formando um imenso reservatório, com capacidade nominal de 1,36 bilhão de m3.

Essa capacidade está hoje reduzida, efetivamente, para 1,16 bilhão de m3, segundo serviços de batimetria realizados nos dois açudes em dezembro de 2013, de que resultou uma capacidade nominal de 591,6 milhões de m3 para Curema e 568,0 de m3  para Mãe d’Água, tudo por força de assoreamento de muitos anos. Esses serviços de batimetria (determinação do relevo do fundo da área lacustre) tornaram-se necessários a partir da inclusão dos dois reservatórios dentre aqueles que, espera-se, receberão águas do Rio São Francisco, com a transposição de suas águas para reservatórios receptores nos estados de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte.

Pessoalmente e diante das  gravíssimas dificuldades financeiras por que passa o país – com possibilidades de se manterem e/ou se a agravarem nos próximos semestres – e as hídricas no Nordeste, não acredito que as águas do São Francisco cheguem aos açudes de Curema e de Mãe d’Água nem tão cedo, ainda mais porque a crise hídrica por que passa a região do semiárido nordestino vem ocorrendo desde 2012 e já há registros midiáticos de estudos  sobre a possibilidade do seu prolongamento.  

Finalmente, depois de inaugurada a barragem, com a presença do Presidente Juscelino Kubitschek, em 15.01.1957, estava concluído, em termos de represamento de águas, o  complexo Curema-Mãe d’Água, que se constituía no maior reservatório público construído pelo DNOCS, no Nordeste, então com capacidade nominal de represamento de 1,368 bilhão de m3 .

Outros grandes reservatórios lhe seguiram, também construídos pelo DNOCS, tomando a sua  hegemonia: açude Orós (barragem Juscelino Kubitschek de Oliveira), no Ceará,  com 2,1 bilhões de m3, concluído  em 1961; açude  Açu (barragem  Armando Ribeiro Gonçalves), no Rio Grande do Norte, com 2,4 bilhões de m3, concluído em 1963; açude Banabuiú (barragem Miguel Arrojado Lisboa), no Ceará, com 1,7 bilhão de m3, concluído em 1966; e o último — resultado de  uma  parceria do governo do Ceará/DNOCS —, o açude Castanhão (barragem Padre Cícero), no Ceará, com 6,7 bilhões de m3, concluído em 2002. Todos esses reservatórios, inclusive os que integram o  complexo Curema-Mãe d’Água, apresentam baixos níveis de represamento, devido à prolongada estiagem na região semiárida do Nordeste, desde 2012.

A barragem do açude Mãe d’Água, anos depois, em data que não consegui apurar, passou a ser denominada de Barragem Egberto Carneiro da Cunha,  homenagem do DNOCS a um dos seus construtores. Para minha tristeza, tal como ocorreu com a homenagem prestada ao Dr. Estevam Marinho, que emprestou o nome à barragem do açude Curema, os nomes dos engenheiros construtores foram esquecidos. As duas barragens continuam conhecidas, no âmbito externo do DNOCS, como Curema e Mãe d’Água, sendo mesmo, e oficialmente, Barragens Estevam Marinho e Egberto Carneiro da Cunha, respectivamente.    
         
Registro que o cuidadoso povoamento de peixes no reservatório  de  Curema – tão bem executado e acompanhado pelo saudoso Estevam Marinho – foi um sucesso até poucos anos depois do falecimento do grande construtor Chefe. Não sei se sua decadência deveu-se à omissão e/ou desinteresse da Chefia da Comissão do Alto Piranhas, ou pela falta de recursos para manter ativo e equilibrado o referido povoamento. O fato é que o município de Coremas se tornou  grande produtor e distribuidor de peixes durante muitos anos, incluindo os dois açudes.

A pesca predatória ali exercida era afrontosa, sem fiscalização na década de 50. Lembro-me bem, quando adolescente e antes de deixar o município em 1957, para residir em Campina Grande, presenciei nos reservatórios centenas de pescadores do local, do Ceará e do Rio Grande do Norte, atuando livremente, sem atropelos de quaisquer fiscalizações. Isso   foi um grande mal. Aos poucos o município de Coremas ia passando da condição de produtor e exportador para a de importador e distribuidor de peixes, como hoje se encontra, adquirindo pescados no Ceará, provenientes, na maioria, do açude Castanhão, já que os reservatórios do complexo Curema-Mãe d’Água — outrora comprovadamente piscosos — encontram-se praticamente despovoados das diferentes espécies.

Projeto de irrigação das
várzeas de Sousa (PIVAS)    
Com a eleição do sousense Antônio Marques da Silva Mariz para governador do estado (1995-1999), o projeto de irrigação das várzeas de Sousa voltou à tona. Ele assumiu os primeiros estudos e encaminhamentos, contudo, em vista do seu falecimento precoce em 17.09.95, as ações iniciais pareciam caminhar para o esquecimento.

Não foi isso o que aconteceu; com a posse do seu vice, o Dr. José Targino Maranhão, o desejo de Antônio Mariz foi honrado e o canal que levaria águas da barragem de Mãe d’Água para o município de Aparecida (PB),  praticamente nos portões das várzeas, de 37 km, foi construído. Com isso, finalmente as várzeas de Sousa receberiam as tão esperadas águas do açude Mãe d’Água.
         
Em 2004 — quando já existia a grande barragem de Açu, no município do mesmo nome, no estado do Rio Grande do Norte, e não se vislumbrava o período de longa estiagem que enfrentamos —, foi editada pela ANA (Agência Nacional de Águas), a Resolução nº 687, de 03 de dezembro, que dispõe sobre o Marco Regulatório  para a gestão  do Sistema Curema-Açu e estabelece  parâmetros e condições  para emissão de outorga preventiva e de direito de uso  de recursos hídricos e declaração de uso insignificante.

A referida resolução cita, nos “considerandos”, o Convênio de Integração celebrado entre a ANA, os estados da Paraíba e do Rio Grande do Norte, e o DNOCS, para a gestão integrada, regularização e ordenamento  dos usos dos recursos hídricos na bacia do rio Piranhas-Açu, em particular, do Sistema Curema-Açu. No Art. 2º estabelece a vazão máxima disponível  de 27,30 m3/s considerada para o Sistema Curema-Açu, sendo 6,4 m3/s na Paraíba (o  Conselho Gestor posteriormente criado para gerir as águas do Sistema Curema-Açu limitou as vazões de Mãe d’Água para as várzeas de Sousa em 2,0 m3/s e em 4,4 m3/s a vazão do açude Curema para a Paraíba e o Rio Grande do Norte, através dos rios Piancó e Piranhas) e 20,9 m3/s no Rio Grande do Norte. 

O parágrafo único do Art. 5º estabelece  que a ANA deverá delegar para os estados da Paraíba e do Rio Grande do Norte competência para emitir outorgas no Sistema Curema-Açu. Esse sistema é compartilhado com o Sistema Piranhas-Açu, pelo encontro dos rios Piancó e Piranhas, na região do Areial, bem próxima da cidade de Pombal (PB). Apenas no parágrafo único do Art. 1º da citada Resolução 687, no item I, o açude de Mãe d’Água é citado, nestes termos: “Trecho no. 1: Curema. Corresponde ao perímetro da bacia hidráulica dos reservatórios Curema e Mãe d’Água. Trecho localizado integralmente no Estado da Paraíba”.
         
Durante a fase de pesquisa, feita nos primeiros meses de 2013, para produção do livro Barragens de Curema e Mãe d’Água, constatei que em Dez/2012 a vazão do açude Mãe d’Água era de 1,9 m3/s e a estimada do açude Curema estava em torno de 3,5 m3/s. Recentemente, obtive informações extraoficiais  junto à Coordenadoria Estadual do DNOCS, na Paraíba, de que a vazão autorizada para as várzeas de Sousa, a partir do açude Mãe d’Água, é de cerca de 0,82 m3/s, inclusive cerca de 0,17 m3/s para a adutora de Sousa, a ser inaugurada; a do açude Curema, de cerca de 2,0 m3/s, é destinada aos estados da Paraíba e do Rio Grande do Norte.

O que é mais grave e me preocupa bastante, é que essas vazões atuais ocorrem num momento muito difícil, diante de: a) perspectivas de prolongamento da atual e preocupante  estiagem na região das bacias hidrográficas dos dois açudes, Curema e Mãe d’Água; b) baixo nível de disponibilidade de águas nos dois reservatórios, respectivamente de 15,1% e de 18,6% (posição em 10.09.15 - fonte: AESA-PB).

Com a realização da pesquisa, em 2013,  para a  produção do meu livro citado Barragens de Curema e Mãe d’Água — que trata, também, sobre o PIVAS – e com a experiência de ex-analista de projetos agroindustriais na alta Direção Geral do BB em Brasília, à época do PROÁLCOOL, visitando, no mais das vezes, bases agrícolas dos projetos em diversificadas regiões do país, firmei juízo no referido livro  sobre a temática, sobre o precário funcionamento do projeto em 2012, quando já consumia considerável volume de água do açude Mãe d’Água.  Cheguei a listar algumas informações e/ou considerações pertinentes no referido livro, adiante resumidas:

- os recursos destinados ao PIVAS (parceria do governo estadual com o federal) totalizaram R$ 160,5 milhões e corrigidos pela IPCA, a preços de maio de 2013, atingiam a 351,9 milhões.

- a área do projeto, de 6.335,74 ha, contempla, principalmente, 992,53 ha destinados à implantação de 179 lotes para colonos, ao que fui informado, já ocupados; 2.336,32 ha destinados a 19 lotes empresariais, sendo 03 ocupados e, ainda,  1.007,30 ha destinados ao INCRA, para assentamento de 141 famílias (que estariam hoje ocupados; por outro lado, o Projeto de Irrigação do Perímetro de São Gonçalo, com área irrigável de cerca de 3.000 ha, foi implantado há muitos anos nas várzeas de Sousa, muito próximo da região onde se instalou o PIVAS, e que chegou a ser  orgulho para o DNOCS nas décadas de 50/70, encontra-se hoje abandonado, sem água, sem crédito e sem rumo, com os cerca de 450 experientes  irrigantes  entregues à própria sorte; o açude São Gonçalo – que o alimentava – encontra-se com apenas 5,7% da sua disponibilidade aquífera, fonte  AESA,  10.09.15, dirigidos para Sousa-PB);

- em novembro de 2012, foi remetida pelo açude Mãe d’Água uma vazão de 1,9 m3/s; apenas 0,96 m3/s chegou ao PIVAS  (desperdício de 49%, causado por furto de águas em 122 pontos do canal);

- as terras utilizadas pelo PIVAS não seriam as melhores das várzeas de Sousa (opinião do experiente agrônomo Dr. José Furtado da Silva, ex-técnico e ícone do DNOCS, Mestre em Fitotecnia pela Escola de Agronomia de Piracicaba, com vários estágios e treinamentos no exterior, que trabalhou no Projeto de Irrigação do Perímetro de São Gonçalo e que conhece muito bem a constituição das terras das várzeas, segundo me afirmou);

- diminuto uso de mão de obra em 2013 (776  empregos diretos, contra 15.000 do projeto).

Destacada importância benéfica
no uso das águas de Curema
Dentre os benefícios  do complexo Curema-Mãe d’Água, listarei aqui somente aqueles que considero de grande alcance social; no passado:

a) desenvolvimento populacional, educacional/cultural/esportivo/turístico, econômico e religioso no antigo e atrasado povoado do Boqueirão de Curema – a população, que era de cerca de 2.500 pessoas ao término da construção do açude, em 1942, hoje  está acima de 15.000 habitantes;

b)  produção e distribuição de energia elétrica para várias cidade do sertão;

c) fornecimento de águas para irrigação de terras  ribeirinhas do estado e do Rio Grande do Norte (apurei junto ao DNOCS que os 2,0 m3/s liberados pelo açude Curema  não chegam ao grande açude Açu-RN); e

d) produção e  distribuição de pescados próprios (hoje, continua centro distribuidor, porém de  pescados de outras regiões).

Dentre benefícios do presente e de um passado recente, cito a utilização de águas por  25 municípios/distritos do alto sertão paraibano, bem assim por  populações ribeirinhas do estado e do Rio Grande do Norte, sem falar em incontáveis carros-pipas que as  distribuem nas  zonas rurais.

Vejamos os 25 municípios/distritos beneficiados, a partir de pontos, minissistemas e sistemas adutores, seja no próprio açude ou nos rios Piancó e Piranhas (este, também perenizado, a partir do encontro com o Rio Piancó): Areia de Baraúnas, Assunção (serviços já concluídos mas ainda não ativada a adutora), Belém de Brejo do Cruz, Brejo do Cruz, Cacimba de Areia, Cajazeirinhas, Catolé do Rocha, Condado, Coremas, Malta, Patos, Paulista, Passagem, Piancó, Pombal, Salgadinho, Quixaba, Santa Gertrudes, Santa Luzia, São José de Espinharas, São José do Sabugi, São Mamede,  São Bentinho, São Bento, Várzea e Vista Serrana. Ao todo, cerca de 180.000 pessoas são assistidas pelo sistema Curema-Açu. Tem-se como certa a adutora de Sousa, a ser inaugurada proximamente, com água de Mãe d’Água.
 
Informações colhidas em Coremas dão conta de que a água da cidade foge ao controle da CAGEPA e as águas do açude estariam poluídas, o que — é de se apurar — constitui-se  em   ameaça à saúde dos usuários locais e dos atendidos pelo sistema adutor originário do açude Curema.

Como último registro sobre os dois açudes, informo que a  primeira sangria do complexo Curema-Mãe d’Água ocorreu entre a noite do dia 19 e a madrugada do dia 20.03.1960, segundo me passou o saudoso  amigo de infância, José Virgulino Guerra, conceituado servidor do DNOCS/CHESF, que esteve presente a tão importante momento histórico. 

Nesta oportunidade, invoco a atenção das autoridades responsáveis pelo gerenciamento dos recursos hídricos do estado para um controle mais rígido dos poucos ainda disponíveis nos dois reservatórios. Igualmente, invoco o  Ministério Público para acompanhar, de perto, esse gerenciamento, presente a possibilidade de prolongamento da estiagem, o que levaria o estado a enfrentar sérios problemas de abastecimento d’água para o consumo humano, no sertão. Ademais, faz-se necessário agir rapidamente para a eventual solução de problemas suscitados no presente trabalho, especialmente os que dizem respeito à qualidade das águas distribuídas para o consumo humano e animal, focando, prioritariamente, a saúde e as necessidades aquíferas desses seres, ao meu sentir mais importantes que quaisquer outros interesses.

Ao finalizar, manifesto o entendimento de que se outros benefícios não resultaram do megacomplexo é porque o homem não deu o exemplo que era esperado para a proteção da sofrida região semiárida do Nordeste do nosso Brasil. A propósito, permito-me transcrever as contundentes e apropriadas palavras que um dos mais inteligentes, competentes e respeitados cientistas do quadro do DNOCS, o engenheiro Dr. Miguel Arrojado Ribeiro Lisboa  em  28.08.1913, no Clube de Engenharia do Rio de Janeiro, ao discursar sobre soluções para mitigar os graves efeitos das secas no nosso semiárido nordestino; encerrou a palestra assim:
         
“[...] Chegamos, assim, ao mais grave de todos os problemas: o da educação! Só ela, unicamente ela, permitirá  que o povo goze de sã higiene, aprenda a aperfeiçoar a irrigação, promova a indústria compatível com a ambiência, adote a fenação e use o silo, não abandone o gado e melhore-lhe a raça, facilitando-lhe  a água não contaminada, desenvolva as culturas nas grandes várzeas irrigadas, abra por si poços, faça pequenos açudes, compreenda, enfim, a importância desse grande esforço que está sendo empregado em prol do seu bem estar”.

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