Thursday, December 23, 2010

VEM AÍ O "MERÁ BUYÊ" DE JOSÉ ELIAS BORGES


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[Clique na foto para ampliá-la juntamente com sua legenda]



Vem aí o Merá Buyê de José Elias Borges


Obra póstuma do grande etnólogo e linguista sairá pelas Edições Linha d’Água, detalhando a História colonial dos primeiros indígenas cariris de Campina Grande

Evandro da Nóbrega,
escritor, jornalista, editor.
      Universidade Federal da Paraíba
      Instituto Histórico e Geográfico Paraibano
      Conselho Estadual de Cultura
http://druzz.blogspot.com
druzz@reitoria.ufpb.br
druzz.tjpb@gmail.com

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Este artigo — publicado originalmente no jornal A União, de João Pessoa (PB) — é também reproduzido pelos seguintes URLs:

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www.eltheatro.com

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Será lançada, na segunda quinzena de janeiro de 2011, pelas Edições Linha d’Água, uma das mais importantes obras do polígrafo paraibano (nascido em Pernambuco) José Elias Barbosa Borges (1932-2010). O livro intitula-se Merá Buyê: Súmula da História Colonial dos Índios Cariri de Campina Grande. A edição resulta da admiração do editor Heitor Cabral pela genialidade do Autor, que tanto excelia como engenheiro e planejador, executivo e administrador educacional, antropólogo e etnólogo, linguista e historiador. Face a tal versatilidade é que sempre o chamávamos de polímata.
Merá Buyê, o livro de Elias, com prefácio do historiador Guilherme d’Avila Lins, foi escrito em homenagem aos 322 anos de fundação da Missão dos Índios Cariri da depois Vila Nova da Rainha. Em cariri [kiriri, para os tupis], Merá Buyê significa exatamente “Campina Grande”. Provém  de merá [= "campo", "campina"] + buyê [= "grande", "muito"], antônimo de bupi [= "pequeno", “pouco”], seja em kariri propria­mente dito [bujê], seja em seus principais dialetos (dzubukuá, kipeá, kamuru e sabujá, sapuiá ou Pedra Branca). Compare: buyé-wi, em cariri e seus dialetos, significa “tornar-se grande”, “ficar grande”, “crescer”.
Uma das maiores homenagens a Elias foi a que lhe prestou o Boletim Informativo [número 52] da Sociedade Paraibana de Arqueologia, publicando edição especial, em outubro passado, totalmente a ele dedicada. É trabalho bio­bibliográfico de autoria dos especialistas Vanderley de Brito e Thomas Bruno Oliveira, integrantes da comissão editorial do Boletim. O texto que compõe esta edição ver-se-á integralmente transcrito, inclusive com as fotos, no volume a ser lançado no segundo semestre de 2011 pelas Edições Linha d’Água, como nos assegura o editor Heitor Cabral. Mas outras homenagens foram prestadas a Elias, destacando-se as seguintes:
1) no Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, quando o notável historiador Humberto Cavalcanti de Mello abordou em profundidade a importância das pesquisas empreendidas por Zé Elias;
2) no semanário Contraponto, do jornalista João Manuel de Carvalho, um excelente artigo da professora Neide Medeiros Santos, ex-aluna de Elias, sob o título de “Um mestre inesquecível”; e
3) uma sessão especial, no auditório da Fundação Casa de José Américo [entidade que Elias presidiu e que é hoje dirigida pela Dra. Letícia Maia Ferreira], por iniciativa do Conselho Estadual de Cultura, pronunciando-se, durante a solenidade, as professoras Neide Medeiros, Maria Aparecida Barbosa (da USP), Ivone Tavares de Lucena, Maria de Fátima Barbosa e Socorro Aragão, conhecida linguista paraibana, com vários anos de atuação na UFPB e outras instituições.
Nós mesmo redigimos, pa­ra a última página do número 19 da revista Paraíba Cultural [circulou a partir de 9 de dezembro, durante a Noite da Cultura de 2010, realizada no Espaço Cultural “José Lins do Rego”], artigo sob o título de “José Elias Barbosa Borges por Evandro da Nóbrega”. Entre outras coisas, anotamos que Elias discutia os cariris — em esperanto! — com linguistas estrangeiros, inclusive russos.
No mesmo número da publicação, saiu excelente artigo do escritor Otávio Sitônio Pinto (primo de Zé Elias), intitulado “Zé do Índio”, cuja atenta leitura recomendamos — mesmo porque, no escrito, Sitônio classifica Elias de “O Preceptor”, com o que todos concordam.

Na homenagem do IHGP, depoimento de Humberto Mello

Em sua palestra no IHGP sobre José Elias Borges, o historiador paraibano Humberto Cavalcanti de Mel­lo assinalou ter conhecido o notável estudioso dos indígenas nordestinos “quando ambos fazíamos o antigo ginásio no Colégio Pio X, ainda no velho prédio da Praça São Francisco [Centro de João Pessoa]”.
— Zé Elias era um ano mais adiantado que eu. Não houve maiores aproximações entre nós, mas posso testemunhar que Elias já se destacava como um dos melhores alunos do velho educandário.  Frequentava diariamente a Biblioteca Pública do Estado, ‘excelente naquele tempo’, como afirmou em palestra proferida neste mesmo Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, por ocasião do Ciclo de Debates intitulado ‘A Paraíba nos 500 anos do Brasil’. E foi então que teve o interesse despertado para os indígenas, começando a fazer pesquisas aprofundadas sobre os nossos gentios. E ele era ainda um adolescente.
Acentua Humberto Mello que, em 1948, concluído o ginásio, Elias mudou-se para Campina Grande. Lá, fez o antigo curso colegial, atual Ensino Médio, e os cursos superiores de Engenharia Civil, na Escola Politécnica (onde depois viria a ensinar) e de Letras Anglo-Germânicas na antiga Faculdade Católica de Filosofia de Campina Grande. Posteriormente, fez Mestrado em Letras e Livre Docência em Linguística, vindo a ser, também, professor universitário nestas áreas.
— Em Campina Grande, cidade a que se afeiçoou, não tardou a ver seu talento e sua cultura reconhecidos — prossegue Humberto Mello. Em 1964, quando foi festivamente comemorado o centenário da elevação da antiga vila a cidade, ele integrou a Comissão Cultural do Município, presidida pelo ex-prefeito e historiador Elpídio de Almeida. A Comissão fez publicar a Revista Campinense de Cultura, da qual saíram cerca de dez números.  Em quase todos, havia um artigo de José Elias, a maior parte sobre os  temas de sua predileção: os índios e a História de Campina Grande.  Outros artigos seus foram a lume nas revistas Paraíba Cultural e Educação e Cultura, ambas do Governo do Estado.
Humberto lembra que, ainda em Campina Grande, Elias começou a ensinar — primeiro em escolas secundárias: português, francês, inglês, línguas que dominava, além de outras, vivas (espanhol, italiano, alemão, holandês, russo), mortas (latim, tupi, cariri e tarairiú) e artificiais (esperanto). Depois, ensinaria nas faculdades por ele antes cursadas. Tanto lecionou disciplinas na área de Engenharia, como nas de línguas e literaturas. Voltou, depois, a João Pessoa, a pedido do então Reitor da UFPB Lynaldo Cavalcanti de Albuquerque, para dar aulas e elaborar projetos (MEC e agências de desenvolvimento) junto ao Campus I da Universidade Federal da Paraíba — e também para fazer sua pós-graduação. Aqui ficou até o fim.

Antes dele, a Paraíba desconhecia a existência de termos como tarairiú, badzé, dzubucuá, padzu etc

Recorda-nos Humberto Mello que as pesquisas sobre nossos indígenas sempre foram constante preocupação de José Elias. “Graças a elas, pôde mostrar o equívoco em que laborou Irenêo Joffily, que só viu na Paraíba duas nações indígenas (tupis e cariris), equívoco repetido por muitos historiadores.  Praticamente foi Elias quem revelou a existência dos tarairiús, completamente esquecidos, embora referidos por autores holandeses.
— Leu tudo o que sobre os índios nordestinos se escreveu.  Dos missionários que trouxeram seus depoimentos (padres Luiz Figueira, Mamiani, Bernard de Nantes, Claude d’Abbévile e Martin de Nantes), passando pelos holandeses (Herckmans, Barléus, Baro, Laet e Nieuhof), pelos alemães (von Martius e Marcgrave), até chegar aos contemporâneos (principalmente os americanos Loukotka, Lowie e Hohenthal). Dos brasileiros, vem dos mais antigos, como os padres Cardim e Loreto do Couto, aos posteriores Pompeu Sobrinho, Carrilho de Andrade, Serafim Leite, Estêvão Pinto, Geraldo Lapenda, Nelson Barbalho, Nimuendaju, Lyra Tavares e Clerot.
Esperamos, agora, a publicação, na íntegra, do artigo de Humberto Mello sobre José Elias. Humberto o considera “o maior conhecedor brasileiro do tema a que se dedicou: os índios nordestinos”. E diz que Elias é insubstituível: antes, era com ele que tirávamos nossas dúvidas; mas, agora, a quem perguntar? De nossa parte, três preocupações:

1) a preservação de sua riquíssima biblioteca multilíngue;
2) a localização,  organização e publicação de suas anotações científicas, manuscritos, originais etc; e
3) a edição de seu Vocabulário cariri-português. Mesmo sendo obra inacabada, não temos dúvida de que se constituirá em imensa contribuição ao estudo de nossos “tapuias”, como antes dele se dizia.

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Thursday, December 16, 2010

BEM "DE DENTRO" DA ORQUESTRA...


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CANHÕES VERSUS BUMBOS
Tchaikovsky previu 16 tiros de canhão na partitura original. Mas nem sempre se usam canhões reais...  



Bem “de dentro” da Orquestra...

Vendo-se, de repente (e sem querer), no meio dos músicos da orquestra, o autor tenta inventar algo suficientemente mentiroso que explique sua presença bem ao lado do mavioso naipe de trompas

Evandro da Nóbrega,
escritor, jornalista, editor.
Universidade Federal da Paraíba
Instituto Histórico e Geográfico Paraibano
Conselho Estadual de Cultura
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Situe-se: auditório & palco do Cine Banguê do Espaço Cultural “José Lins do Rego”, em João Pessoa (PB). Data: 9 de dezembro de 2010. Evento: Noite da Cultura. Atrações principais, entr’outras: apresentação da Orquestra Sinfônica da Paraíba (uma das três melhores do Brasil), sob a regência do maestro-titular Marcos Arakaki; da Orquestra Sinfônica Jovem da Paraíba (regente: maestro Luiz Carlos Durier); do Coral Sinfônico da Paraíba; e do Coral do UNIPÊ (Centro Universitário de João Pessoa) e convidados.

Ia-me dirigindo à entrada principal do Cine Banguê, quando uma mocinha, minha conhecida, alertou:
— Dr. Druzz! Não vá por aí! O auditório está totalmente lotaaaaado! Melhor ir por aqui: a entrada dos músicos, isto é, por onde entra a orquestra!...
Só há um inconveniente, se isto me importava, complementou a garota: “O Sr. vai ficar quase no meio da orquestra. Quer dizer, terá que se acomodar junto a uma seção lateral, a das trompas. Algum problema?”
Para mim, nenhum problema. Era até uma oportunidade de ver o funcionamento duma orquestra “por dentro”...
De modo que, com pouco mais, já ao lado de duas moças trompistas e um rapaz idem, vi-me olhando diretamente para o maestro, que se aprestava para reger um de meus espetáculos favoritos desde a infância: a célebre Abertura 1812, de Tchaikóvsky!
Puxa, com que então iria eu assistir, ver, sentir a Abertura famosa do velho Pyotr Ilytch de guerra numa posição realmente privilegiada: quase bem no meio da orquestra, se falarmos com certo exagero. Parafraseando Sérgio Porto, disse de mim para mim: “É minha ensancha oportunosa!”...

Mas isto não se daria sem algum, como direi, contratempo. Minha presença, ali, junto ao naipe das trompas, não deixaria de chamar a atenção de alguém na plateia — já que todos os olhares, evidentemente, se voltavam para as costas do maestro e para a frente da orquestra...

Logo o Dr. Demian, uma das autoridades aboletadas na primeira fila das poltronas do auditório, me acenou e sorriu. Rindo ainda mais, e me apontando discretamente, chamou a atenção, em cochichos ao pé do ouvido, de um dos vizinhos de cadeira, o Dr. Gaudy — e logo uma pá de gente (os Drs. Gaudy, Demian, Perreyre, Leytón, Maurice, Dovid e muitas outras personalidades, homens e mulheres) começou também a sussurrar e a me apontar, entre surpresos & divertidos, justamente por me verem na parte do palco (ou quase-palco) exclusiva dos músicos!...

Com a cara mexendo, fiquei também a olhar para todos eles e elas. Mas logo minha atenção voltou-se para uma senhora elegante bem à minha frente, que comentava algo totalmente fora de propósito:

— Vê aquele músico ali, que, só de quando em vez, bate no grande bombo branco, para imitar os canhões inicialmente previstos por Tchaikóvsky? É incrível, mas ele ganha o mesmo salário que ganha um spalla, o qual passa o tempo todo mexendo o arco nas cordas de seu violino?! Como é que pode?!

Não sabia eu (soube depois), mas o Dr. Demian, lá na primeira fila das cadeiras e apontando para mim, estava dizendo ao Dr. Gaudy mais ou menos o seguinte:

— Só mesmo o filósofo Druzz faria isto! Ao invés de estar aqui, conosco, de frente para a orquestra, ele inventa de ir lá para o meio dos músicos! Deve estar pensando em escrever um artigo no gênero “Ouvindo a Música erudita (ou, no caso, clássica ligeira) de dentro da orquestra”...

Em pompa e circunstância, dezesseis tiros dos canhões do czar

Interpretei tais sorrisos como de mofa — e, em segundos, enquanto a música não começava, minha febricitante mente esboçou uma “explicação-vingança”. Iria depois dar a eles minha versão da coisa. Versão totalmente inventada, claro.

Aproveitando o infeliz comentário da elegante senhora, dir-lhes-ia:

— Ah, Vocês estão por fora! Não sabe o homem do imenso bombo branco? Aquele que bate nele para imitar as salvas de canhão da partitura original? Pois bem, o maestro desconfia que o rapaz não esteja batendo o número exato de pancadas necessárias para substituir o fogo das baterias militares. O regente, então, sabendo que sou apreciador de Tchaikóvsky e que aprendi a ler música sozim, resolveu me atribuir tarefa bastante útil, embora capciosa: observar bem se o homem do bumbo estava cumprindo direito seu dever de castigar o couro dos drums nos momentos certos! Até me deu cópia da parte da percussão, só para eu me concentrar nessa partitura (não mais que cinco páginas) e, ao mesmo tempo, observar o comportamento do músico responsável pelos bombos. Só por isto é que eu, incognitamente, adentrara o espaço das trompas: para de lá melhor investigar, sem ser pressentido, o comportamento do homem do big tan-tan!

Tudo mentira minha, óbvio! Maestros não são capazes de tais atitudes!

De outro lado, há duas formas de performance da Abertura 1812:

a) em ambientes abertos, quando se pode (ou não) utilizar canhões verdadeiros, com balas de festim ou não, numa representação da artilharia dos czáricos exércitos; e

b) em ambientes fechados, caso em que dificilmente se utilizam canhões de vera — especialmente depois daquele célebre concerto em que um engano do operador, trocando as balas de festim por balas de verdade, arrasou grande parte do teatro...

Na tchaikovskiana Abertura, as trompas são mais usadas lá para o final do espetáculo — é, sim, um espetáculo! É quando já se torna irreversível a vitória dos exércitos da Santa Mãe Rússia sobre o invasor napoleônico.

Então, por enquanto, continuei a imaginar besteiras, já que não precisava me preocupar com o estridor das trompas... Não propriamente um stridor, esse “som estrondoso, áspero, incomodativo”, esse estrépito, estrondo ou zumbido cheio, penetrante... A trompa, afinal, produz um dos mais belos sons de toda a orquestra! Ah, as trompas nos “concertos de caça”, em que elas imitam à perfeição as buzinas em forma de chifre — aquelas que os caçadores sopra(va)m nas caçadas a cavalo e que devem fazer a delícia dos galgos corredores. E aquelas duas ali eram sem dúvida trompas cromáticas, de sonoridade suave, porque dotadas de pistões.

De outra parte, não podia eu ficar olhando para os tubos metálicos das trompas, arrumados como intestinos caprichosamente enrolados em si mesmos, nem para seus bocais largos ou sua saída cônica. Minha obrigação era atentar para isto: se o homem do bumbo dava suas batidas nos momentos certos.

De um modo ou outro, não poderia haver nome mais apropriado, a aplicar a esse instrumento, senão trompa mesmo, que chega a ser onomatopaico — desde aquelas primordiais trompas cônicas, ditas “lisas”, sem orifícios e cuja afinação depende exclusivamente de seu tamanho ou extensão, até as trompas de harmonia, cujo som se altera graças a tubos suplementares.

As três ou quatro trompas em fá não são os únicos instrumentos que dão beleza à Abertura 1812. Tchaikóvsky usou tudo a que tinha direito: flautas e piccoli, oboés e corne inglês, clarinetes em si bemol, fagotes & contrafagotes, trompetes em mi bemol, cornetins em si bemol, trombones e tubas, violinos e violas, violoncelos e contrabaixos — e, óbvio, os tímpanos e a percussão, motivo pelo qual, já nem precisa dizer, estava eu ali amofumbado entre os músicos, com uma cópia da partitura na mão: a parte dos tímbales em sol, si e mi sustenido, sinos grandes e sinos pequenos — e, naturalmente, os tambores pelo vulgo ditos bombos, bumbos ou gongos deitados.

Tchaikóvsky previra também uma banda militar completa, como integrante da orquestra maior — banda mavórtica que só toca no final, mas também com seus cornetins em si bemol, trompas em fá, trombones e, ai!, seus tambores & tímbales, tímpanos & tamborins, para não falar dos pratos, esses instrumentos de percussão, compostos por discos metálicos, que podem deixar momentaneamente surdo quem passar nas imediações, quando do choque entre o prato da direita e o da esquerda... ;-)))

La Marseillaise não era então o hino francês — mas, em nome da Arte, quem se importa com isto?

O músico responsável por aqueles imensos tambores superiormente retumbantes segue à risca o que vê escrito em sua parte, id est, a partitura. Da mesma forma que os demais músicos, tem que acompanhar a execução da peça musical desde o início, até o fim, para somente dar tal ou qual pancada quando necessária (e usar a mão livre para abafar efeitos). Não pode ficar batendo aqui e ali, aleatória e adoidadamente, como se agitasse pandeiros.

Há orquestras que substituem a banda de metais por um órgão. Outras, ao invés dos sinos de carrilhão, usam os chamados sinos tubulares; e ainda outras existem que, ao invés dos canhões (ou dos bumbos), empregam canhoneios reais gravados. Não é o caso, aqui — e a orquestra já iniciava os primeiros acordes da inesquecível Abertura em mi bemol maior que a gente, ainda criança, aprendia de cor, da primeira à última nota, de tanto ouvi-la na antiga coleção de música clássica ligeira de Seleções do Reader’s Digest.

Se muito não laboro em erro, seguem-se o largo, depois o poco più mosso, ainda depois o poco stringendo, o andante e, por fim, o allegro giusto/allegro vivace... Tudo para celebrar em 1882, os 70 anos do êxito, em 1812, no campo de Borodino (onde morreram mais de 100 mil pessoas), das forças do czar defendendo Moscou contra as tropas napoleônicas.

Transportamo-nos, pela bela música, para o gélido campo de batalha, com La Marseillaise opondo-se aos hinos Deus salve o seu povo e Deus salve o czar...

E, aqui, há um anacronismo a que Tchaikóvsky fez vista grossa, na intenção de dar maior expressividade à encomendada música algo incidental, mas genial: quando Napoleão invadiu a Rússia, o hino nacional francês já não era mais La Marseillaise (ele a vetara em 1805!), embora voltasse a sê-lo tempos depois, em 1879.

Por causa disto, não, que, à época da luta em Borodino, a Rússia também não tinha um hino que pudesse chamar de seu... Deus salve o czar viria depois...

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Monday, December 13, 2010

HISTORIADOR PARAIBANO LANÇA DOIS LIVROS EM PORTUGAL

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[Clique na foto, para vê-la aumentada, juntamente com a legenda]

HISTORIADOR PARAIBANO GUILHERME D’AVILA LINS LANÇA DOIS LIVROS NA BIBLIOTECA NACIONAL DE PORTUGAL

Além de ter obras suas citadas em importante publicação lusitana, o historiador e médico paraibano Guilherme Gomes da Silveira d’Avila Lins — Professor Emérito da UFPB e um dos maiores especialistas brasileiros em História Colonial, com mais de 60 títulos publicados — encontra-se justamente em Lisboa, desde 3 de dezembro próximo passado, a convite da Biblioteca Nacional de Portugal, para lançar duas novas obras de sua autoria: uma sobre Pero de Magalhães Gândavo e outra sobre o tipógrafo Jorge Rodrigues, célebre impressor do mundo editorial luso de fins do século XVI a meados do século XVII.
        

Evandro da Nóbrega,
■ escritor, jornalista, editor.
  Universidade Federal da Paraíba
  Instituto Histórico e Geográfico Paraibano
     Conselho Estadual de Cultura
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Não é todo dia que se encontra um autor paraibano citado em livros estrangeiros. Por isto a nossa satisfação de constatar, folheando a obra América do Sul - Património de Origem Portuguesa no Mundo: Arquitetura e Urbanismo [Edição da Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2010], que estão lá, citadas — e citadas por nove vezes, entre as quotations propriamente ditas e as referências bibliográficas! —, obras de autoria de um paraibano, o historiador Guilherme Gomes da Silveira d’Avila Lins. 
O especialista que dirigiu/coordenou este insubstituível volume sobre o patrimônio lusitano na América do Sul outro não é senão o insigne professor universitário, escritor e medievalista José Mattoso — um dos mais ilustres historiadores portugueses da atualidade. De fato, José Mattoso é um daqueles historiadores cuja produção lítero-histórica a gente tem ganas de ler em sua integralidade — principalmente sabendo-se que ele já tem publicadas cerca de 30 obras de fôlego, muitas delas premiadas tanto em Portugal como no Exterior.
Se Você também tem a curiosidade de ver pessoalmente as coisas, é lembrar que as referências feitas por essa obra de José Mattoso a livro(s) de Guilherme d’Avila Lins encontram-se às páginas 76, 116, 117, 118, 119, 120, 121, 206 e 525 do citado América do Sul - Património de Origem Portuguesa no Mundo: Arquitetura e Urbanismo.

QUEM É JOSÉ MATTOSO                          
O historiador luso José Mattoso destacou-se desde 1977 como docente da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Dirigiu, entre 1996 e 1998, o Instituto dos Arquivos Nacionais (aqueles da Torre do Tombo). Seu nome, au grand complet, é José João da Conceição Gonçalves Mattoso. Nasceu em Leiria (1933), já filho de historiador (António Gonçalves Mattoso).
Licenciou-se em História pela Universidade de Lisboa e doutorou-se em História Medieval pela Universidade Católica de Louvain, Bélgica (1966). Tendo sido monge beneditino, (re)iniciou a vida acadêmica como pesquisador do Centro de Estudos Históricos da Universidade de Lisboa, professor da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e, posteriormente, catedrático da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.
Sobre este multipremiado escritor, de ação nacional e internacional (inclusive em Timor-Leste), diz a Wikipédia portuguesa: "É reconhecido em Portugal e no Estrangeiro como um dos mais insignes especialistas na História Medieval de Portugal, tendo dedicado grande parte de seus estudos a essa fase da História".

    GÂNDAVO & RODRIGUES
O Dr. Guilherme encontra-se em solo português a convite da Biblioteca Nacional de Portugal, sediada em Lisboa, a fim de lançar duas de suas obras já bem conhecidas dos brasileiros em geral e dos paraibanos em particular:
        
a) Pero de Magalhães de Gândavo, autor da primeira obra sobre a ortografia da língua portuguesa e da primeira  História do Brasil; e

b) Bibliografia das obras impressas em Portugal pelo tipógrafo Jorge Rodrigues entre 1598 e 1642 (segunda edição, revisada, ampliada e ilustrada).

    LANÇAMENTO NO DIA 7
Os lançamentos ocorreram no dia 7 de dezembro próximo passado, na capital portuguesa — mais exatamente no Auditório da Biblioteca Nacional de Portugal, por especial deferência do Professor Doutor Jorge Couto, seu Diretor Geral e docente da Universidade de Lisboa.
Guilherme d’Avila Lins confessa-se mui honrado pelo fato de o Dr. Jorge Couto haver tomado a iniciativa de abrir espaço nessa monumental biblioteca portuguesa para promover o lançamento de um par de obras de um autor brasileiro. De qualquer modo, os dois aludidos livros — o sobre Pero de Magalhães Gândavo e, o outro, a respeito das obras impressas em Portugal pelo tipógrafo Jorge Rodrigues — têm interesse tanto para o Brasil quanto para Portugal.

UFPE BANCOU CUSTO
Logo que concluiu a elaboração dessas duas novas obras suas, o historiador Guilherme d’Avila Lins encaminhou os originais ao Conselho Editorial da Editora da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco).
— Pedi que o Conselho Editorial nomeasse as duas respectivas comissões ad hoc para que fizessem uma avaliação crítica de conteúdo das obras, já que eu aspirara para aqueles dois textos a aprovação, o acolhimento e a produção editorial deles por intermédio da Editora da UFPE, por motivos que não cabe aqui esmiuçar.
As expectativas do Dr. Guilherme “foram amplamente coroadas de êxito, tendo em vista que ambos os textos foram aprovados, acolhidos e publicados pela Editora da UFPE, ainda no segundo semestre de 2009”. E d’Avila Lins ajunta: “Aliás, excetuando o caso de teses universitárias ali impressas, não tenho notícia de outras obras de paraibanos (radicados na Paraíba) com tal merecimento, muito menos duas delas de uma só vez”.
Em tempo: a Editora da UFPE não somente aprovou os dois livros de Guilherme como também assumiu os custos de sua publicação.

HILDEBERTO BARBOSA
Esses dois livros — a primeira edição de Pero de Magalhães de Gândavo, autor da primeira obra sobre a ortografia da língua portuguesa e da primeira  História do Brasil e a segunda edição, revista, ampliada e ilustrada de Bibliografia das obras impressas em Portugal pelo tipógrafo Jorge Rodrigues entre 1598 e 1642 — foram inicialmente lançados, a 30 de março de 2010, na Academia Paraibana de Letras, que para isto realizou sessão conjunta com o IHGP (Instituto Histórico e Geográfico Paraibano), a APF (Academia Paraibana de Filosofia) e a APMED (Academia Paraibana de Medicina).
O brilhante apresentador deste lançamento duplo foi o acadêmico, escritor, professor e crítico literário Hildeberto Barbosa Filho.

ÉTICA BIBLIOGRÁFICA
Hildeberto foi também o autor do Posfácio (“Gândavo redescoberto”) especialmente redigido para o primeiro dos livros.
Não satisfeito, o mesmo Hildeberto Barbosa Filho escreveria posteriormente, às páginas 29 e 30 do periódico paraibano Correio das Artes (número 7, julho de 2010), um artigo intitulado “Guilherme d'Avila Lins e Ética Bibliográfica”, alusivo ao outro livro, aquele sobre o tipógrafo português Jorge Rodrigues.
Afora isto, a única notícia saída na mídia paraibana em torno desse lançamento de obras de um conterrâneo na Academia Paraibana de Letras foi publicada, em João Pessoa, pelo jornalista William Costa.

LANÇAMENTO EM RECIFE
Ainda mais tarde, exatamente a 11 de agosto de 2010, ocorreu, no Centro de Convenções da Universidade Federal de Pernambuco, em Recife, o lançamento coletivo oficial das obras impressas em 2009 pela Editora da UFPE. Incluíam-se, aí, aqueles dois livros de autoria do historiador paraibano Guilherme d’Avila Lins, para não falar dos demais volumes lançados, de outros autores igualmente publicados no mesmo ano.
Tudo isto fez parte das comemorações do 64º. aniversário de existência da Universidade Federal de Pernambuco.

LANÇAMENTO EM PORTUGAL
Guilherme d’Avila Lins teve o cuidado de enviar um exemplar de cada uma daquelas duas obras para o acervo de diversas bibliotecas nacionais e internacionais. Entre essas, estava a Biblioteca Nacional de Portugal — e foi por isto que seu Diretor Geral, Dr. Jorge Couto, “gentilmente agradeceu a oferta e me proporcionou um novo lançamento dos mesmos livros no Auditório daquela grandiosa Biblioteca portuguesa”. Mas Guilherme dá outras razões que podem haver contribuído para essa deferência: “Incidentalmente, alguns meses antes da editoração desses dois livros, eu já conseguira, do setor competente, a licença especial para reproduzir algumas dezenas de imagens de obras raras de interesse geral, para ilustração dos dois já citados livros”.
— Para tanto, evidentemente, eu já enviara os dois textos originais para a Biblioteca Nacional de Portugal. Acredito eu, portanto, que isto contribuiu sobremaneira para que me dessem aquela incomum licença especial, para a utilização da citadas imagens privativas da respectiva Biblioteca Nacional Digital em obras com fins comerciais — conclui o historiador paraibano, considerado nacionalmente como um dos maiores especialistas brasileiros em História Colonial.

    IMPORTÂNCIA DE GÂNDAVO
    Pero de Magalhães de Gândavo, nascido em Braga, Portugal, e objeto de um desses livros recém-lançados por Guilherme d’Avila Lins, é importantíssimo autor português do século XVI. Mas Gândavo, logo após sua morte, ocorrida em data desconhecida, caiu no completo esquecimento — situação que persistiu por mais de duzentos anos.
Quando o nome de Gândavo voltou à tona, já quase nada se sabia sobre ele próprio, nem sobre sua bibliografia. Sabia-se, todavia, que ele, grande latinista, era também amigo de Camões — que chegou a escrever versos inéditos para serem publicados num livro do autor bracarense.

LEDO (E IVO) ENGANO...
Mas persistiam renitentes dúvidas em torno de Gândavo — dúvidas até acerca de seu próprio nome e/ou relativas inclusive à pronúncia correta de um de seus sobrenomes. Discutia-se também se ele de fato estivera no Brasil ainda no século XVI. Autoridades da História, como o escritor Pedro Calmon, negavam isto peremptoriamente.
— Era ledo engano deles — pode hoje dizer o historiador paraibano Guilherme d’Avila Lins: as provas da permanência de Gândavo no Brasil estão fartamente debulhadas neste seu livro, já lançado na Paraíba e agora relançado em Portugal.

TRAGÉDIA POTENCIAL
Ao longo do século XX, diversos autores, tanto brasileiros quanto portugueses, lançaram algumas novas e importantes luzes sobre a figura e a obra de Pero de Magalhães Gândavo. No entanto, ao longo das últimas quatro décadas, estavam novamente caindo no esquecimento sua figura e sua obra, quer a obra histórica, quer a gramatical (pois fora ele também professor de Português e Latim no Norte de Portugal).

Foi aí que, ante essa potencial tragédia para nossas Letras (e para a História), Guilherme d’Avila Lins resolveu “tentar reacender a chama do interesse dos leitores para o grande Pero de Magalhães de Gândavo, a quem devo ter conseguido trazer algo em torno de 20% de achegas até então inéditas”.
        
O TIPÓGRAFO RODRIGUES
A propósito de sua outra obra lançada pela Editora Universitária da UFPE, sob o título de Bibliografia das obras impressas em Portugal pelo importante tipógrafo Jorge Rodrigues, entre 1598 e 1642, informa o historiador Guilherme d’Avila Lins:
— Logrei coligir 142 títulos por ele publicados. E, em meu livro, apresento muitos desses com as ilustrações dos respectivos frontispícios. Incluídos nos 142 títulos, encontram-se, em verdade, 17 títulos a mais do que os contidos na primeira edição da mesma obra, saída em 1997. A obra era, então, apenas uma plaquette, ainda sem ilustrações. Mesmo assim, foi uma plaqueta, de minha autoria, que mereceu figurar no Catálogo das Obras Raras da Biblioteca Nacional, de Rio de Janeiro, Brasil. 

BIBLIOGRAFIA HISTÓRICA
Esta obra de Guilherme d’Avila Lins, Bibliografia das obras impressas em Portugal pelo importante tipógrafo Jorge Rodrigues, entre 1598 e 1642, é eminentemente uma bibliografia, mas uma bibliográfica organizada com superior técnica — e, além do mais, complementada por muitos outros elementos históricos e biográficos dos autores publicados pelo tipógrafo lusitano Jorge Rodrigues. Aliás, o próprio d’Avila Lins aproveita o ensejo para corrigir certos dados biográficos do tipógrafo Jorge Rodrigues que se vieram acumulando e repetindo através dos séculos.
Entre os autores publicados pelo impressor lusitano Jorge Rodrigues podem ser citadas figuras como Cícero, Garcia de Resende, João de Barros, Jorge de Cabedo, Miguel de Cervantes, o padre Fernão Guerreiro e Lope de Vega, para somente citar alguns.

DESCONHECIDA NA PARAÍBA
Da tipografia de Jorge Rodrigues também saíram oito títulos de particular interesse sobre o Brasil. Um deles é uma obra de extrema raridade: hoje, só se conhecem dela três exemplares — e é, de quebra, igualmente uma obra de inestimável valor para a História da Paraíba e para a História do Brasil durante o período holandês.
— Trata-se de uma preciosidade jamais citada por qualquer autor da Paraíba — garante Guilherme d’Avila Lins, acrescentando que ela também nunca foi utilizada na Historiografia paraibana.

QUASE 380 ANOS DEPOIS
Aliás, no restante do Brasil, apenas o título de tal obra rara chegou a ser mencionado — e isto ocorreu ainda na segunda metade do Século XX, sem que se fizesse qualquer alusão a seu valiosíssimo conteúdo. E, para usar as palavras do historiador d’Ávila Lins, “isto ocorre lamentavelmente na parte que toca ao período holandês na Paraíba, um dos períodos mais obscuros de nossa Histórica Colonial”.
É diante disto que o próprio Guilherme d’Ávila Lins já está bem adiantado na redação de um novo trabalho seu, que promete causar frisson: uma nova edição daquela preciosidade histórica, acompanhada do correspondente aparato crítico. E isto é feito quase 380 anos depois de sua publicação original, totalmente desconhecida na Paraíba.

AINDA JORGE RODRIGUES
Para que o leitor possa avaliar ainda mais a importância de um tipógrafo lusitano como Jorge Rodrigues, basta dar mais um exemplo de obra de relevo por ele lançada (no caso, publicada em Lisboa, em primeira edição, no ano de 1630). Trata-se de um livro in octavo de Jacinto Freire de Andrade, intitulado Primor e honra da vida soldadesca no Estado da Índia.
Esse Jacinto (por vezes citado como Jancinto) foi autor, também, da Vida de Dom João de Castro, quarto Viso-Rey [Vice-Rei] da Índia, impressa em Lisboa nos idos de 1651, com a descrição de acontecimentos nas Índias Orientais, particularmente Goa.

NO ESTADO DA ÍNDIA
Aqueloutra obra de Freire de Andrade — Primor e honra da vida soldadesca no Estado da Índia — é hoje rara e os exemplares remanescentes veem-se adquiridos a peso de ouro por colecionadores e experts. Constitui-se, também, em importante fonte sobre a trepidante e complicada História portuguesa na Índia, vez que discute a própria viagem de Vasco da Gama e seu período como Vice-Rei português nessa parte da Ásia.
Para além disto, o livro eventualmente aborda relevantes ocorrências lusitanas no Estreito de Magalhães, bem como outras descobertas portuguesas e a realidade de suas colônias através do Mundo então conhecido.

DE PAI PARA NETO
Nesse livro saído das oficinas do impressor Jorge Rodrigues, há até um capítulo sobre o filho de Vasco da Gama, Estêvão, que também foi Vice-Rei lusitano na Índia, assim como capítulos referentes à presença de Portugal em Bengala, Goa e Birmânia (então chamada Pegu, bem antes que os ingleses a chamassem Burma). Estêvão — filho de Vasco da Gama e Vice-Rei da Índia entre 1540 e 1542 — teve destacado papel na consolidação do controle lusitano sobre o Mar Vermelho, Mar da Arábia e cercanias.
Há ainda outro notável chamariz no livro de Freire de Andrade: a citação do pai (Estêvão) e do quarto filho de Vasco da Gama (também chamado Estêvão), mencionados, tanto o primeiro quanto o segundo, com respeito à conquista do Mar Vermelho, o Mar da Arábia e o comércio com a Arábia e a Etiópia da época. Portanto, um dos filhos de Vasco da Gama recebeu o mesmo nome do avô, Estêvão da Gama, que comandou a terceira flotilha da quarta armada do pai e que por dois anos governou a Índia (Goa) como Vice-Rei. Ao que se sabe, e se muito não caio em erro, houve um terceiro Estêvão da Gama, também sobrinho-neto daquele primeiro Estêvão e primo de Vasco da Gama (pois filho de um tio paterno seu, Aires da Gama), sendo primo-segundo, portanto, do xará mais famoso, igualmente chamado Estêvão e que chegaria a Vice-Rei da Índia.

PEDR’ÁLVARES CABRAL
Não poderiam faltar, como não faltam, longos textos em torno do papel de Pedro Álvares Cabral, que, por acidente ou não, descobriu o Brasil, em sua segunda viagem exitosa às Índias pelo Cabo da Boa Esperança. Como se sabe, a primeira viagem de sucesso, à Índia, pelo caminho marítimo do antigo Cabo das Tormentas, viria a ser completada por Vasco da Gama, que por aí realizou mais duas viagens, a última delas como Vice-Rei da Índia.
Mas isto só pôde ser realizado após a grande conquista de seu compatriota Bartolomeu Dias, que dobrou o Cabo em 1488. Logo depois dessa data — a acreditar-se em cronistas como Joam de Barros e Fernão Lopes de Castanheda —, o pai de Vasco da Gama, Estêvão da Gama, fora encarregado pelo rei Dom João II de liderar a primeira expedição às Índias, por mar, o que não foi possível concretizar senão através do filho, o próprio Vasco da Gama.  

EM CONCÂNI & MÁRATA
Vasco da Gama morreria, infelizmente, poucos meses depois, em Cochin (hoje Kochi, pronunciando-se kotchí). Por algum tempo o túmulo desse notável Gama — primeiro explorador europeu a navegar para a Índia — permaneceu em Cochin, mais propriamente na igreja de São Francisco, de onde seus restos mortais seriam transferidos para Portugal em 1539.
Mesmo assim, o nome de Vasco da Gama batiza, ainda hoje, uma cidade indiana. Fica tal cidade na província de Goa (costa oeste da Índia). Sua designação tipicamente portuguesa é grafada, nas duas línguas locais/regionais (o concâni e o márata) como वास्को. Sendo a localidade mais populosa do Estado goense, viu-se fundada ainda em 1543, mas somente seria devolvida à Índia, por Portugal, muito tempo depois: em 1961 — mantendo, no entanto, seu nome histórico de “Vasco”.

O PORQUÊ DA MEMÓRIA
O forte de Cochin/Kochi foi o primeiro estabelecimento europeu no início da colonização europeia na Índia — e Portugal mandou, soberano, nessa parte do Mundo, de 1503 a 1663, inclusive para desgosto da população judia que aí se refugiara, tendo em vista que, também na Índia, a Inquisição Portuguesa era quem sabe mais ativa que na própria Lisboa... O predomínio luso em Cochin transferir-se-ia depois aos holandeses, que, para derrotar os portugueses, contaram com o apoio dos samorins e outros potentados indianos das proximidades.
É a presença do Guilherme d’Avila Lins em terras de Portugal, “nosso avozinho”, que nos conduz à lembrança de todas essas coisas realmente memoráveis...

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