Thursday, December 31, 2009

RENATO RUSSO VISTO EM PROFUNDIDADE


O Editor-Executivo do Correio Braziliense, Carlos Marcelo Carvalho, é autor da mais recente biografia do carismático músico, cantor, compositor e fundador de bandas como Legião Urbana. Já nas livrarias, a obra distingue-se das outras biografias de Renato Russo justamente por não ser só uma biografia — é, para além disto, um estudo em profundidade da importância do cantor para a recente história da Música Popular Brasileira



Evandro da Nóbrega
Escritor, Jornalista, Editor
http://druzz.blogspot.com
[druzz.tjpb@gmail.com]



Este material é também gentilmente reproduzido pelos seguintes URLs:


*Blog Cultural El Theatro, de Elpídio Navarro [www.eltheatro.com];


*Portal PS on Line, de Paulo Santos [www.psonlinebr.com]; e


*Jornal A União On Line [www.auniao.pb.gov.br]



Depois de lançado em Capitais do Sudeste, em Brasília (DF) e em Recife (PE), chegou finalmente à Paraíba a biografia escrita por um paraibano/brasiliense sobre o cantor, compositor e músico carioca-noviorquino-brasiliense Renato Russo, criador da importante banda tupiniquim Legião Urbana.

Trata-se do livro Renato Russo: o Filho da Revolução, de autoria do jornalista e escritor Carlos Marcelo Carvalho, jovem profissional das Letras cujos 39 anos de idade não o impedem de exercer com brilho a Editoria-Executiva do jornal Correio Braziliense. E este mesmo autor — hélàs! — vem a ser filho de nosso dileto amigo, colega de Conselho Estadual de Cultura e inspirado cronista neste mesmo jornal A União, Carlos Pereira de Carvalho e Silva, engenheiro que tantos trabalhos já prestou à nossa Cultura. Comprova-se, mais uma vez, aquilo de que “de bom grão nunca mau pão” ou “quem sai aos seus não degenera”.

O livro sobre Renato Russo (1960-1996) veio a lume pela Editora Agir, tem 416 páginas, custa em torno de R$ 60,00 e viu-se lançado, semana passada, no Centro Cultural Zarinha (Tambaú, João Pessoa).

Não é preciso insistir sobre a importância deste livro, especialmente para melhor compreensão da recente História da Música Popular Brasileira. A própria revista Veja, em sua edição 2.116, de 10 de junho deste ano de 2009, dedicou vasta e bem ilustrada matéria ao livro de Carlos Marcelo.

A reportagem da Veja exibe uma foto de Renato Russo, feita pelo fotógrafo Marcos Prado, em 1995 (um ano antes da morte do compositor), com a legenda:

“Imobilizado na cama por uma doença na perna, ele [Renato Russo] projetou, ainda adolescente, a banda que anos depois seria o Legião Urbana”.

Essa reportagem, na seção “Livros” da principal revista semanal brasileira intitulou-se “O homem que calculava” — mas nada tinha a ver com o romance infanto-juvenil homônimo do escritor brasileiro Malba Tahan, heterônimo do professor Júlio César de Mello e Souza, e já em sua 75ª edição.

O “homem que calculava”, no caso do livro de Carlos Marcelo, é o próprio Renato Russo, no sentido de que o compositor planejou cuidadosamente a condução de sua carreira artística. Este é um dos pontos essenciais da mais nova obra (e a mais completa, diga-se de passagem) sobre a mais importante figura do rock brasileiro.

A matéria da Veja — assinada por Sérgio Martins — revelava também que o biógrafo de Renato Russo fala das “saborosas excentricidades que fizeram sua fama” (dele, Renato).

Por estas e outras é que a biografia montada por Carlos Marcelo — que não é propriamente uma biografia, mas um aprofundado estudo sobre o biografado e seu tempo — vem alcançando sucesso de crítica e de público. Diferentemente de outros relatos sobre a vida de Renato Russo, traça um “perfil incomum, de raro valor”, no conjunto de narrativas sobre a trajetória do cantor, cujo perío­do de atividade abrangeu os anos de 1978 a 1996.


Nome mais importante do rock brasileiro



O obstinado músico Renato Russo chamava-se Renato Manfredini Júnior. Aos 15 anos de idade, em 1975, os médicos descobriram que ele estava com epifisiólise (desgaste de cartilagens e ossos que faz com que o a parte superior do fêmur se descole da bacia). Com três pinos nesse osso, passou dois anos imobilizado numa cama. Sobre o livro de Carlos Marcelo, anota ainda a Veja:

“Nesse período de sofrimento e tédio”, Renato Russo “dedicou-se a criar uma banda de rock imaginária, a 42nd Street Band, na qual assumiria a persona do baixista e vocalista Eric Russell. Encheu cadernos e cadernos (em inglês) com a história da banda. Aos 19, já recuperado, o jovem dava os primeiros passos para realizar os projetos que esmiuçara nos seus rascunhos, como cantor e baixista do grupo punk Aborto Elétrico. Já adotara então o nome artístico com o qual ficaria conhecido: Renato Russo. Em 1985, ao lado do baterista Marcelo Bonfá, do guitarrista Dado Villa-Lobos e do baixista Renato Rocha, ele lançou o primeiro disco do Legião Urbana. Foi como letrista e vocalista dessa banda que Renato Russo se tornou o maior nome da história do rock brasileiro. Os treze discos do grupo e os quatro álbuns-solo do cantor somam 14 milhões de cópias vendidas – 300 mil unidades só no ano passado” [2008].

Tendo nascido no Rio de Janeiro, onde morou até os seis anos de idade, Renato Russo viveu de 1967 a 1969 em Nova York, para onde havia sido transferido seu pai, servidor do Banco do Brasil, e onde foi grandemente influenciado pela cultura americana. De volta ao Brasil, foi novamente viver no Rio de Janeiro, de onde partiria depois para Brasília (1973).

A primeira banda de Renato Russo, Aborto Elétrico, surgiu em 1978, mas só durou quatro anos, por causa das brigas entre o cantor e o baterista. A partir de 1982 e até sua morte, Russo empenhou-se em sua banda Legião Urbana, dedicando-se mais ao rock e ao pop que ao punk.

Mas deixou também discos solo, tendo cantado com a 14 Bis e Biquíni Cavadão, além de músicos do naipe de Herbert Vianna, Erasmo Carlos, Leila Pinheiro, Cássia Eller, Adriana Calcanhoto e Paulo Ricardo. Da Aborto Elétrico é que sairia, além da Legião Urbana, outra banda, Capital Inicial.

Há outros livros sobre o famoso cantor, a exemplo de

1) Conversações com Renato Russo;

2) Depois do fim: Vida, amor e morte nas canções da Legião Urbana, de Angélica Castilho e Érica Schlude, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro;

3) O Trovador Solitário, de Arthur Dapieve; e

4) BRock - O rock brasileiro nos anos 80, também de Dapieve.

Sobre o livro de Carlos Marcelo Carvalho, diz a Wikipédia brasileira:

“A obra é contextualizada desde o período de infância de Renato, passando pela sua juventude —com acontecimentos políticos históricos da época forte de opressão da Ditadura Militar—e culminando com o seu amadurecimento como homem, poeta, artista e músico”.


Pequeno trecho do livro de mais de 400 páginas


Nas idas ao cinema ou ao curso de inglês, Renato Manfredini Júnior tentava apreender os segredos de Brasília. Mistérios que ainda causavam espanto tanto para os moradores quanto para os visitantes.

"— Parece incrível que Brasília, ao completar seu 14o aniversário como sede do governo da República, ainda esteja sujeita a periódicas crises de falta de confiança para cumprir os altos desígnios de seus construtores", observou o jornalista Tão Gomes Pinto em reportagem de capa da revista Veja, publicada em abril de 1974.

Três meses depois, ao cumprir a promessa feita em 1962 e regressar à cidade, Clarice Lispector registrou no Jornal do Brasil a angústia de 48 horas transcorridas no Planalto:

“— Brasília é o mistério classificado em arquivos de aço. E eu, quem sou eu? Como me classificaram? Deram-me um número? Sinto-me numerificada e toda apertada. Brasília é um futuro que aconteceu no passado. É o fracasso do sucesso mais espetacular do mundo. Brasília é uma estrela espatifada. Estou abismada.”

Após afirmar ter voltado para o Rio de Janeiro "irremediavelmente impregnada por Brasília", Lispector confessou:

"— Prefiro o entrelaçamento carioca." Talvez porque as ruas da capital carecessem da capacidade de sintetizar a "expansão de todos os sentimentos da cidade", na célebre definição de João do Rio (1881-1921).

Não tinham nascido "como o homem, do soluço, do espasmo" e por isso jamais poderiam ser consideradas "a mais igualitária, a mais socialista, a mais niveladora das obras humanas", como definiu o cronista em sucessão de textos publicados entre 1904 e 1907, pouco depois de a cidade fluminense se tornar a capital federal.

Pelo contrário: as quadras brasilienses, apesar de parecidas no traçado, tinham ocupação estratificada de acordo com a atividade profissional dos moradores. Algumas exclusivas para parlamentares, outras para militares graduados, outras ainda para funcionários públicos — e os filhos dos ocupantes reproduziam fielmente, muitas vezes de forma violenta, a rígida hierarquia habitacional.”

Renato sabia, por exemplo, que deveria tomar cuidado ao adentrar quadras vizinhas. Magro e baixinho, podia ser considerado vítima em potencial das constantes brigas entre jovens, muitas surgidas sem motivo aparente, quase sempre quadra-contra-quadra. Delimitação de território. A turma da 303 Sul, por exemplo, saiu várias vezes no braço com o pessoal da 305.

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Artigo publicado originalmente no jornal A União,
de João Pessoa, PB, na quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

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Thursday, December 10, 2009

A FARSA DOS PROTOCOLOS DOS SÁBIOS DE SIÃO


[Para ampliar fotos e legendas, clique na ilustração acima]



Ainda há bobos (ou pessoas de má-fé) que acreditam (ou fingem acreditar) num “documento” comprovadamente forjado em fins do século XIX pela polícia secreta do czar


Evandro da Nóbrega
ESCRITOR, JORNALISTA, EDITOR
[http://druzz.blogspot.com]
[druzz.tjpb@gmail.com]



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*Blog Cultural El Theatro, de Elpídio Navarro [www.eltheatro.com];

*Portal PS on Line, de Paulo Santos [www.psonlinebr.com] e

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Há alguns dias, sem se identificar, alguém telefonou para emissora de rádio local, que no momento apresentava entrevistas e debates. Ao telefone, o ouvinte desconhecido aconselhava enfaticamente: “Leiam os Protocolos dos Sábios de Sião! Leiam os Protocolos dos Sábios de Sião!”...

Os radialistas ficaram sem saber o que danado era aquilo. Alguém arriscou: “Talvez seja um doido com mania de falar coisas incompreensíveis”.

Coin­­cidiu que o entrevistado seguinte foi Edivaldo Nóbrega, secretário estadual do Desenvolvimento e que vem a ser meu terceiro irmão. Quando lhe relataram o telefonema sobre os tais Protocolos, o mano aconselhou: “Liguem pro Druzz (eu, Evandro), que ele explica tudim”. Os radialistas pensaram então numa entrevista comigo em torno do assunto.

Precisa entrevistar, não! Nesta página de A União, Universidade Viva do Jornalismo, tento explicar didaticamente este negócio de Protocolos dos Sábios de Sião. Algo que deveria ser, aliás, do conhecimento de qualquer cidadão antenado com a realidade mundial.

Primeira coisa a ser dita: quem liga para uma emissora recomendando que as pessoas leiam os tais Protocolos dos Sábios de Sião, só pode ser

1) ignorante ou desinformado;

2) ou de má-fé;

3) ou os itens anteriores juntos — sem descartarmos a já referida sugestão de doidice. Isto porque, desde 1921, ficou indubitavelmente provado & comprovado que esses Protocolos não não passam de grosseira falsificação, de grotesca farsa.

Hoje, não pode haver, no Mundo, alguém educado, culto, informado, que ainda ache ter esse amontoado de baboseiras algum laivo de veracidade.

Vamos começar pelo começo. Em 1903 e 1905, na Rússia, apareceram — respectivamente em jornal e em livro — uma catadupa de mentiras antissemitas com o título de Os Protocolos dos Sábios de Sião. Era uma espécie de minuta de um “plano conspiratório judaico-maçônico” visando a substituir o Capitalismo e o Cristianismo, em particular no Ocidente, por nova ordem mundial, sob o comando os judeus e maçons.

O “livro” surgiu justamente na Rússia, país de longa tradição anti-semita, para justificar pogroms, os incríveis massacres de judeus, escolhidos como bodes expiatórios das frustrações sociais. Doença multissecular, o anti-semitismo obviamente não nasceu na Rússia e dela não é exclusivo. E o insano e inexplicável ódio que lhe é subjacente não se dirige só a judeus: atinge também árabes, negros, “bruxas”, homossexuais, “magos”, deficientes físicos et alii.

No russo original, os Protocolos chamaram-se Protokoly sionskikh mudryetsov [= Protocolos dos Sábios Sionistas], reduzido para Sionskie Protokoly [= Protocolos Sionistas]. Outra designação: Programma zavoevaniya mira evreyami [= Programa de dominação mundial pelos judeus]. Hoje em dia, são alguns países árabes e o Irã que irresponsavelmente mais disseminam edições desse lixo histórico, por irracional ódio gratuito à democracia representada por Israel.

Anti-semita & anti-Revolução

Além de perfídia contra judeus, maçons e a inteligência das pessoas, os Protocolos serviram à perfeição a reacionários russos e estrangeiros. Muitos dos revolucionários de 1917 eram efetivamente judeus. Entre esses, encontravam-se alguns dos mais educados cidadãos, vez que é de todos sabido ( embora o ressentimento antijudaico impeça a muitos o reconhecimento público desta verdade): o judeu, como regra, sempre privilegiou o saber, a escrita, a vida do espírito, a preservação da experiência para a posteridade.

Era do interesse dos czaristas e dos reacionários externos fazer com que parecesse verdadeiro aquele falso plano de dominação mundial “patrocinado” por Sião (Zion é outra forma de dizer Israel ou “o povo de Israel”).

Os Protocolos — com várias edições ou em séries na Imprensa, panfletos, livros etc — apareciam como a trancrição de fictício encontro secreto, mantido em 1897, na cidade de Basiléia, Suíça, por líderes judeus e maçons. Nesse imaginário encontro, tais lideranças propunham um “plano” de dominação mundial — absurdo em que alguns poucos infelizes gatos pingados ainda hoje creem.

Quem acredita em patranhas tais de normal tem obsessão por teorias conspiratórias, lendas urbanas, invasão de alienígenas, permanente desconfiança em tudo — e há até quem sofra de graves problemas mentais. São também indivíduos de má-fé, soturnos, doentios, ideologicamente deformados, com parti-pris pelas mais insensatas doutrinas.

Além de embuste, um caso de duplo plágio

Em Londres, no ano de 1920, apareceu o livro O perigo judeu, que outra coisa não era senão a transcrição dos falsos Protocolos. À mesma época, circulou em Paris uma tradução francesa. Havia o objetivo, não enxergado pelo público leitor influenciável, de dar veracidade aos falsos Protocolos.

Os “protocolos” teriam sido “descobertos” por um tal Serguiêy Nilus, servidor do regime czarista (parte do qual tinha todo o interesse em disseminar a perseguição popular aos judeus e, como depois se tornou óbvio, em desmoralizar a esquerda revolucionária russa). Mas, em 1921, o conceituado jornalista Philip Graves, correspondente de The Times de Londres em Constantinopla, investigou o caso a fundo.

E descobriu terem sido esses papéis simplesmente forjados pela Okhrana, a polícia secreta do czar. E, além disto, haviam sido plagiados, em grande parte, de duas obras obscuras: a) uma sátira a Napoleão III, escrita por advogado francês e publicada em Genebra e Bruxelas (1864 e 1865); e b) um romance fantasioso saí­do na França.

O rigoroso The Times imedia­tamente localizou os originais dos livros que haviam servido de base aos Protocolos — e a farsa foi inteiramente posta a descoberto. Enfim, os Protocolos não passavam (e não passam) de um plágio de outros plágios!... E toda a trama foi confessada, também, por um “russo branco” — um antibolchevista que lutava contra o novo regime comunista: um certo Mikhail Raslovlev, com ligações com a tal polícia secreta czarista.

Ocorre hoje o que ocorria então: as pessoas não leem, não se informam, e ficam acreditando em tudo quanto é invenção. Muitas têm até necessidade compulsiva de crer nas mais disparatadas lorotas — adoram ser enganadas. Como dizia aquele famoso dono de circo americano: “Você não perderá dinheiro se apostar na credulidade humana”...

No Brasil, só historiadores racistas aceitaram essa armação

Outra prova de que os Protocolos foram usados como arma política: na edição americana de 1919, as referências aos judeus viram-se substituídas por alusões aos comunistas soviéticos. No Brasil — onde tivemos nosso protocolozinho, sob a forma da farsa do Plano Cohen, em 1937, que resultou no Estado Novo —, somente escritores manifestamente racistas deram crédito aos Protocolos.

Em termos mundiais, hoje em dia, apenas regimes fanaticamente retrógrados, como o vigente no Irã, ainda aceitam os Protocolos como autênticos. Liderados por reconhecidos analfabetos em História, regimes teocráticos assim como esse não compreendem haver insanáveis discrepâncias entre diferentes versões dos “manuscritos”, que mudam de título e/ou de conteúdo conforme a língua e o país em que circulam.

Os defensores da insustentável autenticidade dos Protocolos são os mesmos analfas que pretendem negar a realidade do Holocausto, responsável pelo deliberado genocídio de 6 milhões de judeus na Europa hitlerista.

Pode-se até ver Mein Kampf, o “livro” do doido-ruim Adolf Hitler, como versão amplificada dos Protocolos. Antes de lerem as coisas que devem realmente conhecer, muitas pessoas vão logo acreditando, de cara, em doutrinas estapafúrdias, desde que atendam a seus vieses político-ideológicos. Assim, da próxima vez que alguém disser “Leia os Protocolos dos Sábios de Sião”, responda:

Leia você, na Encyclopaedia Britannica, o artigo ‘Protocols of the Lear­ned Elders of Zion’, que assim começa: os Protocolos constituem documento fraudulento que primordialmente serviu como pretexto e racio­nalização para o anti-semitismo de inícios do século XX...

Mas sabe o que um desses capadócios me respondeu? “É em inglês, não é? Não vou ler, não. Inglês é a língua de capitalistas, de imperialistas. Não quero negócio com qualquer coisa que venha dos EUA”.

O que é que se vai fazer com uma pessoa assim, a não ser cruzar os dedos para que a internem?! Esses retardados da Cultura presumem ter a “cabeça feita” e não querem queimar as pestanas, ler alguma coisa que preste. São efetivamente analfabetos funcionais: podem até ler alguns textos, mas não os compreendem — e compreendem ainda menos os contextos históricos que os produziram.

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[Publicado originalmente na última página da edição do jornal A União, de João Pessoa, PB, no domingo, 6 de dezembro de 2009]

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Monday, November 30, 2009

CECCO, O ANTI-DANTE ALIGHIERI


[Para ampliar as fotos e sua legenda, clique na ilustração acima]


O genial autor da Divina Comédia viu-se ridicularizado por ótimos sonetos de outro grande vate italiano, Cecco Angiolieri


Evandro da Nóbrega
ESCRITOR, JORNALISTA, EDITOR
[druzz.tjpb@gmail.com]


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O primeiro filósofo com quem convivi, a partir dos sete anos (depois viriam outros, de Sócrates a Adorno) foi Ninim, vaqueiro tirador de leite das vacas de meu pai.

Sendo isto em Patos (PB), sempre o chamei Ninim das Espinharas.

Era de infinita bondade, conhecia tudo de pastorar gado e de aboios — e, todos os dias, me dizia inesquecíveis frases, no estilo:

— O Mundo é doido e a mãe num sabe.

— Quando a gente morre, tudo isto se acaba.

— Deus é grande e sabe o que faz.

— O Céu só tem uma coisa ruim, as virgens eternas...

Certa vez, Ninim me explicou sua, como direi, teoria dos espíritos-de-porco.

Segundo ele, quando nasce uma pessoa, o "povo do Céu" manda um anjo da guarda para acompanhá-la na Terra.

Nos Infernos, irritado com isso, o Cão-de-Rabo, vulgo Belzebu, destaca um de seus inumeráveis "secretários" (diabos, coisas-ruins, demônios, capirotos ou que nomes tenham) para também acompanhar essa mesma pessoa, atazanando-lhe a vida.

Dante Alighieri (circa 1265–1321) também teve seu cão perseguidor, o diabrete incansável que o tirava do sério: outro poeta, Cecco Angiolieri (circa 1260-1312), uma espécie de "anti-Dante".

Enquanto Dante mostrava-se sério, compenetrado, o blasfemo Cecco levava vida dissoluta: jogo, bebida, mulheres, brigas, sonetos mordazes...

Sua família era rica e nobre, além de haver fornecido um banqueiro ao Papa. Mas Cecco se afastou do pai e da mãe.

Nos poemas, dizia odiar os dois, alegando serem contra a ligação amorosa que mantinha com a desabrida Becchina, musa de sua vida e poesia.

Além disso, o pai não morria — para lhe deixar a fortuna.

Becchina (pronuncia-se bek-kína) é diminutivo de Domenichina (Domenikina, ‘Dominguinha’). Não era nobre, mas filha do coureiro/curtidorBenci.

Pronunciado tchékkô, com ênfase na primeira sílaba, Cecco é um dos diminutivos de Francesco, por si já diminutivo de Franco. Assim, Francesco Angiolieri da Siena adotou o apelido de Cecco Angiolieri (forçando um pouco, Chico dos Anjinhos). Mas nem pense em chamar Francesco Petrarca de Cecco Petrarca!

Constituída por mais de uma centena de sonetos muito bem resolvidos (alguns dos quais apenas atribuídos a ele, sem certeza de autoria), a obra de Cecco viu-se ignorada por muito tempo. Mas, depois, veio sua revalorização (ver abaixo).


“Se eu fosse o fogo”...

O soneto mais famoso de Cecco não é um dos que compôs para ou sobre Dante, mas aquele que diz:

“S'i' fosse foco, ardere' il mondo...”

[= “Se eu fosse o fogo, queimaria o Mundo...”]

Depois do soneto sobre o Florentino (abaixo), vêm, por importância, os que cantam os beijos de Becchina — e outro, hilariante, “dedicado” (naturalmente que contra a vontade da “vítima”...) a um cavaleiro de Siena, Neri.

Este ótimo soneto intitula-se ‘Quando Ner Picciolin voltou da França’ — metido a besta, com sotaque francês e ostentando riqueza.


Arialdo DeBernardi, Arialdo di Brescia

& Humberto Cavalcanti de Mello

Devo o interesse por Cecco ao falecido amigo italiano Arialdo DeBernardi, que me presenteou com livros sobre ele — além de outras autênticas preciosidades da Literatura italiana que me trazia pessoalmente (ou me enviava regularmente), direto de Brescia.

Já o notável historiador paraibano Humberto Cavalcanti de Melo — nosso maior historiador político e grande apreciador da Literatura italiana — também me estimulou a persistir na tradução dos sonetos de Cecco Angiolieri, de quem pouco se fala no Brasil.

Se algum livro sair deste outro esforço que ora empreendo, Humberto será o prefaciador. E o volume será com toda justiça dedicado a Arialdo DeBernardi, a quem sempre chamei de “Arialdo di Brescia” (realmente, um personagem histórico importante), por ser meu falecido amigo também originário, como seu xará mais antigo, dessa importante e mui histórica cidade italiana.

Como foi a briga dos poetas

Dante emitiu comentário maldoso sobre o colega Cecco, vate bem menos famoso que ele. Teria insinuado que Cecco era um begolardo nos palácios dos nobres, onde contava lorotas para goderar refeições deles.

Begolardo, já no italiano da época, significava charlatão, fanfarrão, bufão, contador de vantagens. Cecco não gostou. Tascou um soneto ferino (e bem escrito) em cima de Dante, fazendo-o calar-se — pelo menos no tocante a Cecco, poeta também já respeitado, por ser autor de ótima paródia (séria!) de um soneto de Petrarca.

Dante estava em Verona e Cecco, em Roma, ambos refugiados de problemas políticos em suas cidades natais, Florença e Siena.

Noutros sonetos (vide abaixo), Cecco já citara Dante. De início, eram amigos, mas, depois do dantesco comentário, seguido da ceccoesca resposta em versos, a amizade degringolou.

Na parte inferior desta página, o leitor verá três versões do soneto de Cecco:

1) no original, em arrevesado dialeto itálico-medieval, isto é, dos séculos XII e XIV;

2) na tradução livre, em prosa; e

3) numa tentativa de recriação minha, em português.

Não temam o linguajar italiano do século XIII: os textos em nosso vernáculo explicam o sentido da coisa.

Nem todo cidadão italiano de hoje em dia pode facilmente entender o falar ceccesco antigo, dialetal, abstruso, cheio de apóstrofos e abreviações (por exemplo, s'i' em lugar de si eo = si io = se eu).

O estudioso dos poetas desse recuado tempo tem que conhecer o "espírito da língua" italiana, sua História ortográfica, os dialetos locais etc.

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Mulheres: A Beatriz de Dante

versus a Becchina de Cecco

Um vários sonetos, Cecco ridicularizou a visão de Dante de uma mulher idealizada. À Beatriz poético-dantesca — aquela de "tanto gentile e tanto onesta pare / la Donna mia quand’ella altrui saluta", tímida, pudica, reservada, tremelicante —, opôs Cecco a figura de sua Becchina, robusta, sensual, desabrida, brava, saída do povo.

Se Dante tinha sua Beatrice (da importante família dos Portinari), Cecco dispunha de sua Becchina (que por aqui diríamos "dos Anzóis").

O sienense Cecco chegou a endereçar sonetos mordazes ao poeta florentino, criticando acerbamente isso de "tremer as pernas" ante as moças (ou vice-versa) — e não obteve resposta: Dante evitava contato com seu diabinho pulga-de-cós...

Apesar disto, e ignorado pelos "dantistas" por séculos, Cecco foi, sem dúvida, com seu estilo cortante, o mestre do verso cômico, humorístico, sardônico da Literatura italiana.

Não se quer, evidentemente, emprestar a Cecco importância igual à de Dante, poeta que sem dúvida influiu decisivamente no surgimento de um mundo novo. Tampouco se pode negar a Cecco o valor que também indubitavelmente ele teve e tem.

Nas últimas décadas, numa espécie de resgate de seu papel, a herança dele vem sendo cada vez mais estudada — não apenas na Itália, mas noutros países civilizados. No Brasil, porém, à exceção de pouquíssimos intelectuais, isto não ocorre, porque brazuca só parece gostar mesmo é de balípodo e/ou de correr empós trios-elétricos.

Nas nações avançadas, Cecco Angiolieri já é tema (além das reedições de sua poesia) de novos estudos críticos, pesquisas, música, teatro, romance, concursos...

É também a designação de vitorioso time de futebol italiano. Quem lá pensaria em fundar uma squadra di calcio com o nome de "Dante Alighieri Futebol Clube"?!...

E a crescente fama de Cecco vem servindo, hoje, até para criticar figuras da Política italiana, via charges.

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O SONETO DE CECCO ANGIOLIERI NA VERSÃO ORIGINAL

(DIALETO ITALIANO DO SÉCULO XIV)


S’i’ so bon begolardo

[Di Cecco Angiolieri a Dante Alighieri]


Dante Alighier, s’i’ so bon begolardo,
tu mi tien’ bene la lancia a le reni,
s’eo desno con altrui, e tu vi ceni;
s’eo mordo ‘l grasso, tu ne sugi ‘l lardo.


S’eo cimo ‘l panno, e tu vi freghi ‘l cardo:
s’eo so discorso, e tu poco raffreni;
s’eo gentileggio, e tu misser t’avveni;
s’eo so fatto romano, e tu lombardo.


Sì che, laudato Deo, rimproverare
poco pò l’uno l’altro di noi due:
sventura o poco senno cel fa fare.


E se di questo vòi dicere piùe,
Dante Alighier, i’ t’averò a stancare;
ch’eo so lo pungiglion, e tu se’ ’l bue.


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O SONETO DE CECCO ANGIOLIERI

EM PROSA (VERSÃO LIVRE)

Você, Dante, me chama charlatão, mas não é tão diferente de mim.

Se chupo manteiga à mesa dos poderosos, ao almoço, Você, na ceia, lhes suga o toucinho (a forma lardo também existe em português).

Se sou conviva permanente, Você sempre aparece na hora das refeições.

Se tento virar gentil-homem à força, Você também desta maneira vai-se quase transformando em senhor de grandes posses.

Quando me destaco, Você morre de inveja.

Pelo exílio, eu me tornei romano; e Você, lombardo — igualmente por desterro.

Apesar de que, graças a Deus, nenhum de nós dois pode reprovar algo no outro, pois tudo isto vem da falta de juízo e da desventura ou mau destino.

Então fica assim, Dante Alighieri: se Você persistir em dizer essas coisas sobre mim, juro que haverei de deixá-lo cansado — pois doravante vou conduzi-lo, vez que sou o aguilhão e Você não passa do boi.

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O SONETO DE CECCO ANGIOLIERI EM PORTUGUÊS


Se sou um fanfarrão...

[Recriação de Evandro da Nóbrega]


Se sou um charlatão e não um bardo,
não ficas, Dante, nem um pouco atrás!
Se almoço com uns, o jantar te traz;
se a banha chupo, sugas tu o lardo.


Escovas sempre a roupa, se a guardo;
e, se discurso bem, nunca tens paz;
se banco o rico, és nisto contumaz;
se romano virei, tu és lombardo.


Nenhum de nós dois pode, Deus garante,
recriminar o que o outro fez,
por falta de siso ou fado inconstante.


Se de mim falares outra vez,
vou perseguir-te e te cansar, oh Dante
— pois sou o aguilhão e tu, a rês.


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[Publicado originalmente na última página do

jornal A União, de João Pessoa, Paraíba, edição

do domingo, 29 de novembro de 2009]

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Tuesday, November 24, 2009

MinC aprova Memorial Sivuca

[Para melhor visualizar as fotos e legendas, clique na ilustração]


Será um grande complexo/Centro Cultural, com moderníssimos equipamentos, interatividade e até as trilhas sonoras originais


Evandro da Nóbrega

ESCRITOR, JORNALISTA, EDITOR

druzz.tjpb@gmail.com

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Já noticiei, aqui mesmo, em primeira mão, que a Paraíba terá dois Memoriais dedicados a Sivuca:


a) um maior, em João Pessoa; e


b) outro menor, mas igualmente importante, em Itabaiana, sua terra natal.


Agora anuncio também com exclusividade: o Ministro da Cultura, Juca Ferreira, já aprovou o projeto do Memorial Sivuca da Capital paraibana.


Autoridades do MinC e do Estado vão dar oficialmente maiores detalhes, mas já se pode garantir:


— o Ministro Juca Ferreira acaba de destinar os recursos necessários à execução da obra, no Orçamento do MinC para 2010, ano em que se iniciará e será concluído o grande emprendimento.


É realmente um empreendimento grande. Quando tomou conhecimento, via Flávio Tavares, do projeto elaborado sob os auspícios do atual Governo da Paraíba, o Ministro Juca ficou realmente maravilhado com a idéia. Porque, como muitas cabeças pensantes do Brasil, considera Sivuca um dos maiores músicos do século XX em todo o Mundo.


O responsável pelo MinC avisou então: por se tratar de Sivuca, seu Memorial não deveria ser “coisa pequena” — mas todo um Complexo Cultural à altura da grandeza do músico nascido em Itabaiana e notabilizado em todo o Planeta.


Tanto que o projeto original, saído da Paraíba e elaborado em São Paulo, por escritório especializado, teve que sofrer pequenas alterações, a fim de adequar-se à visão ministerial — que é, afinal, a visão dos que conhecem o significado da magistral contribuição de Sivuca à Música universal.


A aprovação integral do projeto constitui, de quebra, mais uma vitória, na área cultural, do atual Governo paraibano.


Além do Governador José Maranhão, envolveram-se pessoalmente, nesta batalha, entre outros: Glorinha Gadelha, viúva de Sivuca; o secretário da Educação e Cultura Salles Gaudêncio; o subsecretário-executivo da Cultura, David Fernandes; e o assessor cultural Chico Pereira.



Ministro Juca Ferreira é entusiasta do projeto



A isto se junte a vantagem de a idéia contar desde o início com a decidida simpatia do Ministro Juca Ferreira — responsável, em grande parte, como antigo secretário-executivo do MinC, pelo sucesso da Administração Gilberto Gil, seu antecessor na Pasta.


Para se fazer justiça, tudo se iniciou, em termos do projeto propriamente dito, com o então subsecretário Flávio Tavares, que levou ao Ministro Juca Ferreira a idéia primordial.


Essa idéia foi ampliada, com sugestões do próprio titular do MinC e complementada pelo sucessor de Flávio Tavares à frente da Subsecretaria Executiva da Cultura.


Assim, pode dizer-se que “Flávio bateu o escanteio e David cabeceou para o gol”.


O genial artista plástico (sobretudo pintor) Flávio Tavares — com o aval do secretário da Educação, Sales Gaudêncio, e do subsecretário executivo da Cultura, David Fernandes — continua e continuará à frente do projeto. E ainda haverá de fazer mais, inclusive pintando um grande painel para o Memorial, sob o tema “Feira de Mangaio”.


Contrapartida do Governo estadual: a cessão de amplo terreno em área verdejante da Capital. E Glória Gadelha entrará com sua parte, doando o acervo de Sivuca — de que é, como viúva, a mui leal (e legal) guardiã.



Um monumento ‘vivo’ e não apenas burocrático



Esses Memoriais Sivuca, em João Pessoa e em Itabaiana — além do Café Cultural Sivuca, também nesta última cidade, entre outras iniciativas em território da Paraíba e do Brasil — ajudarão de quebra a evitar a já visível tendência: que a memória de Sivuca seja mais cultuada no Exterior que em seu país natal.


Tal distorção acontece, por exemplo, com outro grande paraibano, o maestro José Siqueira (1907-1985), cujo legado musical é bem mais cultivado no Estrangeiro (especialmente na Rússia) do que em nossas tupiniquins plagas. Por aqui, no Brasil, não se ouve falar de (novas) gravações de Siqueira — ao passo que, da gravadora russa Melódya, eu mesmo, que não sou ninguém no meio da Crítica musical, recebia regularmente seus novos discos (gravados por orquestras eslavas!) e suas partituras.


O Memorial Sivuca se constituirá num grande Complexo ou Centro de Cultura, localizado num amplo espaço verde da Capital paraibana, com teatro interno, biblioteca especializada, salas para cursos de música, sala para leitura das partituras do Mestre, museu, cafeteria, salas audiovisuais em HD (alta definição), espaço para eventos nos jardins externos etc, além do Memorial "vivo" propriamente dito (e não apenas burocrático).


Itabaiana, terra natal do grande músico paraibano-universal, também terá seu Memorial Sivuca, com prédio-sede já reservado. Serão destinadas a esse Memorial itabaianense as peças em duplicata (e são em grande número!) existentes no acervo sivuquiano, tão bem conservado e ampliado por Glorinha Gadelha.


No Memorial Sivuca de João Pessoa, cursos para jovens poderiam até ser ministradas pelo Departamento de Música da UFPB. Esta Instituição lançou recentemente, por iniciativa do Reitor Rômulo Polari e da Vice-Reitora Yara Matos, magnífico álbum com as partituras sinfônicas de Sivuca — obra que vem merecendo a melhor aceitação em todo o Brasil e no Exterior.



Modernidade do Complexo impactará visitantes locais, nacionais e estrangeiros



De acordo com o originalíssimo (e mui elogiável) projeto, o Memorial servirá como espaço inédito para documentar, difundir e celebrar a riqueza da arte, a história e a memória do grande artista brasileiro. Abrigará importante acervo (partituras, discografia, imagens etc), de modo a propiciar às novas gerações conhecer a importância e o sentido cultural da obra de Sivuca.


Será equipamento cultural de caráter educativo — uma instituição viva, dinâmica, interativa e permanente, preocupando-se com a inclusão social e voltado-se para o desenvolvimento do espírito de cidadania.


Esse novo espaço, com alternativas lúdicas e interativas, trará aos habitantes de João Pessoa nova alternativa de lazer. Orientar-se-á pelas técnicas mais avançadas da museologia e da museografia contemporâneas. Exigirá a participação ativa do espectador como elemento substancial e protagonista da dinâmica. Atenderá a requisitos de interatividade, cidadania, educação, memória, qualidade, inovação, transcendência e democratização da informação.


Destina-se o Memorial não só à população de João Pessoa, mas também a todo o povo brasileiro, bem como ao público estrangeiro — que sempre demonstrou enorme respeito pela obra do genial Galego de Itabaiana.


Quando o Memorial estiver concluído, impactará visitantes locais, nacionais e estrangeiros.


Além de sua matriz arquitetônica, o projeto completo apresenta itens suplementares, com características museológicas, museográficas, cenográficas, luminotécnicas etc.


Isto inclui iluminação especial, logotipia e identidade visual, programação visual e gráfica para todos os setores, espaços e necessidades das exposições permanente e eventuais.


Vão agradar em cheio as instalações audiovisuais com o emprego de grandes monitores de LCD sincronizados de alta definiçao, aparelhos de multivídeo panorâmico, textos de apoio, ampliações de fotografias, painel de abertura, painéis específicos, linha do tempo, placas de sinalização em todas as áreas.


O Memorial Sivuca mostrará, enfim, o resultado de toda uma rica pesquisa iconográfica, documental, histórica, de objetos, audiovisual, textos explicativos, materiais didáticos e tudo o mais.


Um telão de 16m x 3m apresentará vida e obra de Sivuca, havendo outras telas e monitores distribuídos setorialmente.


Os conteúdos podem ser aprofundados via hipertexto, audiovisuais multitelas, projetores sincronizados, trilhas sonoras originais, acervos digitalizados, terminais de computador, monitores interativos, letreiros animados, tudo mostrando a importância de Sivuca na Paraíba, no Brasil e no Exterior.


O Memorial Sivuca contará ainda com auditórios, cinetea­tro, salas especiais, exibição de CDs, DVDs, peças multimídias, materiais duplicados e/ou plotados, equipamentos expositores, mobiliário especial, etiquetas de identificação personalizadas, excelente acabamento. Teremos até a execução de elementos cenográficos com a recriação de ambientes de época.


E os especialistas, responsáveis pela elaboração do projeto, acompanharão a execução da obra, até sua conclusão.

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[O texto original deste artigo foi publicado no jornal A União, de João Pessoa (PB), no domingo, 22 de novembro de 2009]

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Sunday, November 15, 2009

UMA BRIGA DE CACHORRO GRANDE...

[clique na imagem para ampliá-la e/ou para poder ler a legenda]

Diante do Cabo Branco, ponto mais oriental das Américas, uma decisiva batalha naval entre Holanda e Espanha/Portugal


Evandro da Nóbrega
ESCRITOR, JORNALISTA, EDITOR

URL: http://druzz.blogspot.com
E-mail: druzz.tjpb@gmail.com



W. J. Solha, um dos maiores intelectuais que já pisaram nossas plagas, escreveu...


Bem, em se tratando de Solha — que, afora escritor, crítico, romancista et alia, é também pintor — não se pode dizer apenas que "ele escreveu".

No caso, utilizou-se ele da "escrita ilustrada", num artigo cheio de quadros, fotos, esboços, desenhos etc, para sublinhar a circunstância de haver eu divulgado por aqui certos fatos absolutamente desconhecidos sobre Elias Herckmans, terceiro governador holandês da Paraíba.


Entre as revelações que fiz recentemente — 1) nesta mesma A União; 2) no blog Druzz OnLine; 3) no superblog cultural El Theatro; e 4) no Portal PS OnLine —, estão aquelas de que Herckmans teve


a) uma aventura russa antes de vir governar nossa Capitania;


b) um livro seu ilustrado por ninguém menos que Rembrandt; e


c) relevante papel no ataque feito por holandeses partidos de Pernambuco para atacar colônias dos espanhóis nas costas do Chile.


O artigo de Solha — intitulado "Druzz, Herckmans, Rembrandt, Frans Post e uma batalha naval ante o Cabo Branco" — pode ser lido num dos mais elogiados e tematicamente variegados blogs culturais do Nordeste, o de Elpídio Navarro [www.eltheatro.com].


E esse escrito solhiano refere-se também a um fato bem conhecido dos historiadores, mas quase inteiramente ignorado pelo leitor médio: a série de batalhas navais entre holandeses e luso-espanhóis ocorridas em janeiro de 1640 nas costas nordestinas, uma das quais se feriu diante do Cabo Branco — o ponto mais oriental das Américas.


Pelo menos quatro dessas batalhas navais, que se estenderam por quase uma semana, viram-se retratadas em águas-fortes traçadas pelo notável artista Frans Post, do entourage científico-cultural trazida ao Nordeste pelo conde alemão Maurício de Nassau-Siegen, a serviço dos interesses holandeses.


Tais combates foram, sim, uma briga de cachorro grande.


Envolvendo duas grandes potências da época, duraram sangrentamente de 12 a 17 de janeiro de 1640, com a frota holandesa (sob o comando do almirante Willem Loos) e a armada luso-espanhola (liderada pelo Conde da Torre, Dom Fernando Mascarenhas) lutando desesperadamente. Os holandeses ganharam a parada.


Num tempo sem TV, deve ter sido espetáculo assombroso assistir, do Cabo Branco, à feroz luta de tantos navios.


Ribombar de canhões, incêndios em várias naus, gritos de incentivo, pragas de dor, grunhidos de afogandos, pavor dos marinheiros, águas tintas de sangue, fumaça escondendo o céu e o horizonte, estilhaços de madeira das naves matando mais que os petardos propriamente ditos — tudo isso constituía algo decerto também aterrorizante para quem se achava em costa firme: a cruel refrega não se desenvolvia só no mar, mas também em terra.


Como disse Barlaeus, "a fúria do guerrear desconhece a moderação".



Nosso ‘alvo promontório’, tinto de sangue...



Essas gravuras de Post, juntamente com outras realizações artísticas de alto valor ilustrativo e histórico, saíram na primeira edição (a mais completa) da obra de Kaspar van Baerle (Casparus Barlaeus) sobre a "História do Brasil Holandês".


A obra foi intitulada, em latim, de Casparis Barlaei, Rerum per octennium in Brasilia et alibi nuper gestarum, sub praefectura illustrissimi Comitis I. Mauritii, Nassoviae, &c. Comitis, nunc Vesaliae gubernatoris & equitatus foederatorum Belgii ordd. sub Auriaco ductoris, historia. Amstelodami, Ex Typographeio Ioannis Blaeu, MDCXLVII.


Ampliando o título dado em português por seu tradutor Cláudio Brandão, podemos assim verter a designação:


"[Obra de] Gaspar Barlaeus, com a História dos feitos recentemente praticados no Brasil, durante oito anos, sob o Governo do ilustríssimo Conde João Maurício de Nassau, etc, ex-Governador e Capitão-General de Terra e Mar ali e ora Tenente-General da Cavalaria das Províncias Unidas da Holanda, sob o Príncipe de Orange, e Governador de Wesel, [saída em] Amsterdam, na tipografia de João Blaeu, 1647".


A frota luso-espanhola viera da Bahia e fora avistada primeiramente nas proximidades da Paraíba.


Depois, foi seguida em Tamarica, como os neerlandeses chamavam a pequena mas próspera Capitania de Itamaracá.


Finalmente, deu-se a primeira e violenta refrega, entre a ilha de Itamaracá e Goiana.


O segundo combate, à vista do Cabo Branco, foi dos mais renhidos.


Na África, entre Mazagan e Safi, havia outro ‘Cabo Branco’, promontório que, ao longe, parecia bem claro aos olhos dos navegantes.


Por sua vez, esse outro ‘Cabo Branco’ não deve ser confundido com o ‘Promotorium Album’ (versão latina do árabe Ras al-Abiyad), que ficava perto de Tyro, no Oriente Médio, e foi citado pela História Natural de Plínio, o Velho.



Ferocidade dos combates assombrou

até gente acostumada a carnificinas



No primeiro combate, dia 12, entre Itamaracá e Goiana, morreu entre muitos outros, o almirante Willem Loos, sucedido por Jacob Huyghens.


No dia seguinte, 13, na "refrega cruenta e terrível" travada à vista do Cabo Branco, tão intenso era, de parte a parte, o furor da artilharia, que o fumacê escondia "aos olhos o próprio céu e os inimigos".


No dia 14, de manhã cedo ao por-do-sol, os holandeses atacaram por vez terceira a frota hispano-lusitana, a duas milhas da costa da Parahyba, não sendo pequeno o número de "trucidados a ferro ou tragados pelas águas".


A 15 de janeiro, com a frota luso-espanhola já em fuga, os holandeses viram que ela se dirigia ao Rio Grande do Norte. Enviaram então um veloz iate ao Forte Ceulen, em Natal, para avisar do perigo.


No dia 16, o combate, agora nas proximidades do Cunhaú, no litoral do Rio Grande do Norte, durou novamente da aurora ao entardecer.


No dia 17, os "galegos" promoveram o ataque final aos combalidos hispano-lusitanos, que já nem de água podiam se abastecer nas costas nordestinas.


Os holandeses descansaram então, por uns dias, em Natal, e, a 1o. de fevereiro, chegaram vitoriosos a Pernambuco, comemorando com "fogueiras, luminárias e salvas de artilharia".


No discurso a seus homens, quando dos preparativos para a importante batalha — em que o Conde da Torre tentaria sem êxito retomar Pernambuco dos holandeses —, o conde de Nassau, "rei" batavo no Nordeste brasileiro, chamara a atenção para a seriedade de tal confronto naval: se vencessem, todo o império brasileiro poderia ser deles.


A armada ibérica partira da Espanha. Depois de ultrapassar o Cabo Verde e de haver "percorrido o começo do Oceano Etiópico", fora "arremessada pelos ventos e correntes em frente do litoral do Cabo de Santo Agostinho", nas costas nordestinas.


Daí rumou para a Bahia, já perseguida pelas naus holandesas, mas conseguiu refugiar-se no Recôncavo. Depois disto, e com muitos reforços novos, entre os quais 34 vasos de guerra, dois dos quais com 16 bocas-de-fogo, mantimentos e mais soldados portugueses — é que se dirigiu às costas de Pernambuco.


Em Alagoas, foram desembarcados 2 mil homens, que deviam seguir por terra e atacar Recife. A armada hispano-lusitana contava ao todo com 93 embarcações, entre as quais 24 galeões, que "aterrorizavam pela sua enormidade".


Só a nau-almiranta espanhola San José contava com 54 canhões de bronze. As naus menores, com capacidade 100 a 400 toneladas, conduziam milhares de homens, "alistados na Espanha, Portugal, Bahia, Rio de Janeiro e Rio da Prata".


A armada holandesa contava somente com pouco menos de 35 naus — mas sua grande vantagem era a mobilidade: enquanto os pesadões navios ibéricos tinham dificuldade em realizar manobras, as leves naus batavas moviam-se com rapidez.


Assim, apenas da citada nau hispânica San José, que levava 700 homens, morreram 400.


Não é de estranhar, portanto, que o Conde da Torre, após lutar o ruim combate, tenha regressado à Europa, esquecendo isso de retomar Pernambuco das mãos dos batavos.


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[Publicado originalmente na última página da edição de 15 de novembro de 2009 do jornal A União, João Pessoa, PB]

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