Sunday, December 12, 2010

EM BUSCA DO... "MASCAFÓN" PERDIDO...

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EM BUSCA DO 
MASCAFÓN  PERDIDO

Com humor & seriedade, mata-se a charada em torno do mascafón, palavra nas últimas semanas renhidamente buscada por alguns estudiosos potiguares. Versão light deste artigo saiu no jornal A União [João Pessoa, PB]. Vai aqui a versão completa, de molde a “esgotar o assunto” — e esgotar também a paciência do leitor... Mas há ganhos, em informações, risos & até erudição, para quem chegar até o final do texto de 23 laudas!

Evandro da Nóbrega,
■ escritor, jornalista, editor.
  Universidade Federal da Paraíba
  Instituto Histórico e Geográfico Paraibano
     Conselho Estadual de Cultura
http://druzz.blogspot.com
druzz@reitoria.ufpb.br
druzz.tjpb@gmail.com

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Este artigo — publicado originalmente no jornal A União, de João Pessoa (PB) — é também reproduzido pelos seguintes URLs:

- Blog Cultural EL THEATRO, de Elpídio Navarro:
www.eltheatro.com

- Portal PS OnLine, de Paulo Santos:
www.psonlinebr.com

- Portal Literário Recanto das Letras:
recantodasletras.uol.com.br/autores/druzz

- Portal do Jornal A União On Line:
www.auniao.pb.gov.br

- Blog DRUZZ ON LINE, de Evandro da Nóbrega:
http://druzz.blogspot.com

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Moça que fuma cigarro
me dá fumaça pra eu;
tenho fumo, tenho paia,
meu canivete perdeu.

Me empreste o seu aceso
pra acender meu apagado;
quando o meu tiver aceso
lhe direi "muito obrigado".
(Citado por Câmara Cascudo)

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¡Mirad el mascarón!
¡Cómo viene del Africa a New York!
[...] El mascarón! Mirad el mascarón!
Arena, caimán y miedo sobre Nueva York! [...]
El mascarón bailará entre columnas de sangre y de números
El mascarón bailará entre huracanes de oro.
Solo este mascarón,
Este mascarón de vieja escarlatina [...]
Con el mascarón bailarán una danza de la muerte...

GARCÍA LORCA, no poema “Danza de la Muerte”,
do livro Poeta en Nueva York, escrito entre 1929 e 1930, mas só lançado postumamente, em 1940).

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Eu não poderia dizer Je suis très chique, porque “chique” [em francês] significa “mascar fumo”, e não “elegância” [chic].” — Josebely Martins de Souza, Margarida da Silveira Corsi e Edson José Gomes, "O ensino e a aprendizagem da língua francesa: A escrita sob uma perspectiva integracionista", in Anais da X Semana de Letras: A hora e a vez da palavra, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Jandaia do Sul, Paraná, 2006.

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Talvez seja exagero nosso. Mas parece haver-se instaurado, nos últimos dias, em Natal (RN), a temporada de caça à palavra mascafon. Pode-se dizer isto de outra forma: este estranho vocábulo tem de certa forma preocupado alguns intelectuais e artistas da vizinha capital do Rio Grande do Norte — aquela mesma que um natalense ilustre, Jeff Thomas, chamava de “Christmas City”. Enfim, o termo hoje buscado por alguns potiguares é *mascafon, aqui com asterisco por se tratar daquilo que os linguistas chamam “palavra hipotética”, “palavra presumida” e expressões similares.
— O que danado é mascafon? — indagou em seu movimentado blog o conhecido poeta e músico norte-rio-grandense Carlos Estevam Cavalcanti, o Carito [www.carito.art.br]. Pouco antes, participara ele de mesa-redonda no II Festival Literário de Pipa (Flipipa), em Tibau do Sul (litoral sul do Rio Grande do Norte. A essa mesa-redonda esteve também presente, entre outros, o escritor e poeta seridoense Moacy Cirne. Moacy lançou recentemente, pela editora Sebo Vermelho, mais um de seus livros, Dicionário do Folclore Brasileiro: uma edição desfigurada. Desta vez, lamentando, no volume, a deturparação, pela Global Editora, de um dos principais livros do grande folclorista brasileiro Luís da Câmara Cascudo. De fato, afirma Moacy Cirne, a este propósito, em seu blog “Balaio Vermelho” [www.balaiovermelho.blogspot.com], sob o título de “A Global e Cascudo”:
“Há uma pergunta que não pode deixar de ser feita, em Natal e em toda a terra potiguar: por que a Academia Norte-Riograndense de Letras, a Universidade Federal do Rio Grande do Norte, o Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, a família de Luís da Câmara Cascudo e os ensaístas que estudam a sua obra ainda não se pronunciaram, quase dez anos depois [desde 2001, quando saiu a nona edição], sobre o crime editorial cometido pela Global [Editora], de São Paulo, contra o Dicionário do folclore brasileiro [de 1954], visivelmente adulterado em sua mais recente edição? Entre nós, somente alguns poucos jornalistas levantaram a questão. [...] Enquanto isso, outros preferiram e/ou preferem se reportar a um fato literário, de caráter político-simbólico-ideológico, ocorrido no distante 1968 envolvendo o poema/processo [movimento iniciado pelo próprio Moacy Cirne] e a obra cascudiana [um “pega” entre o próprio Cirne e Cascudo, quando, em fins da década de 1960, o primeiro integrou um adolescente e portanto impetuoso grupo de intelectuais que pretendia “tocar fogo” nos livros “conservadores” do segundo], ignorando o lamentável e recente episódio nada simbólico, já que concreto em sua essência cultural e mercadológica, patrocinado pela editora paulista. E em nome de quê? De uma suposta e equivocada ‘atualização’, quando Cascudo já não mais se encontrava vivo.”
ATUALIZAR & REVISAR?!
Dispensa apresentação a figura do crítico, poeta e escritor  Moacy Cirne, também rio-grandense-do-norte (nascido no Seridó), autor desde 1970 de inesquecíveis livros sobre histórias-em-quadrinhos e um dos criadores, em 1967, do poema/processo, além de professor aposentado da Universidade Federal Fluminense e, nas horas vagas, artista visual. E bem que Nei Leandro de Castro ressalta, na Apresentação que escreveu para a novel obra de Moacy Cirne: “Este livro [com 33 capítulos e um anexo em 182 páginas] é o retrato de uma indignação”.
Além de Nei, está presente no volume o historiador uspiano Marcos Silva, com o texto “Reflexão & Reflexo”. Moacy Cirne comparou cuidadosamente a edição do Dicionário de Cascudo publicada pelas Edições Melhoramentos e a edição “revista e atualizada” lançada pela Global Editora em 2001. E constatou que a obra de Cascudo perdeu em muito com essa história de “revisá-la” e “atualizá-la”.
NA SEGUNDA FLIPIPA
Moacy já escrevera isto aí de cima (e também já lançara seu livro contra a deturpação do Dicionário de Cascudo) quando foi chamado a participar do II Flipipa, realizado entre 18 e 20 de novembro próximo passado, na praia de Pipa, município de Tibau do Sul (litoral sul do Rio Grande do Norte). A mesa-redonda em que voltou a falar sobre o assunto chamou-se exatamente “Luís da Câmara Cascudo: por uma fortuna crítica preservada”. Logo em seguida, Carito (Carlos Estevam Cavalcanti) anotou em seu blog:
“[...] O MASCAFON EXCLUÍDO — Você sabe o que é mascafon? Pois se não sabe, agora vai ficar difícil saber. O Dicionário do Folclore Brasileiro, obra do mestre Cascudo, que tinha este verbete, foi mutilado, na nova versão da Global Editora — e esse verbete foi excluído junto com muitos outros, além dos que tiveram suas linhas reduzidas e suas definições alteradas. Essa mesa[-redonda] foi formada pelo poeta e professor Moacy Cirne, pelo historiador e escritor Durval Muniz [pernambucano] e pela professora Vânia Gicco [biógrafa de Cascudo]. Sheyla Azevedo participou como mediadora. Moacy estava puto. Estava e está. [...] E isso pra mim foi a maior força dessa mesa[-redonda]: a indignação de Moacy com a edição mutilada que a Global Editora fez da obra de Cascudo. A Global simplesmente reescreveu o livro. O que [por seu turno] fez Moacy escrever um livro sobre o assunto: Dicionário do Folclore Brasileiro: uma edição desfigurada. Achei interessante quando Sheylinha colocou que um escritor de vanguarda [Cirne] resolveu escrever sobre um escritor tradicional [Cascudo], saindo em sua defesa. “Moacy contou que um verbete teve uma redução de quatrocentas linhas para dezoito. E mais uma crítica à Academia também nessa mesa[-redonda]: Durval Muniz criticou a academia por sua postura em relação a Cascudo, pois poucos acadêmicos se utilizam de Cascudo para estudos. Moacy finalizou: ‘É preciso chamar a atenção para o Cascudo original, não para o Cascudo mutilado, assassinado’.”
CARITO VOLTA À CARGA
Um dia depois, voltando a escrever em seu blog, Carito assinalou o que seria imediatamente transcrito na importante (e divertida) lista de discussão “Umas & Outras”, mantida pela escritora, médica, cordelista, professora e blogueira Clotilde Tavares. Aliás, o novo comentário de Carito foi postado tanto neste quanto noutros newsgroups da Internet, a partir de 26 de novembro. Repetia-se sua indagação — e ele já literaturizava a coisa toda, em versos em parte brancos, em parte rimados, afirmando, entre outros voos & acertos, o que vai aqui arbitrariamente resumido:
— O que é mascafon? Não sei. Vai ver que sou fã. Vai ver que escrevi errado. Vai ver que inventei. Vai ver que sou [Câmara] Cascudo, que dizem que inventava. Vai ver que é porque ventava. E o vento da [Praia de] Pipa me deixou assim. Vai ver que é uma criação lexical acronímica. Vai ver que sou mímica. Vai ver que sou Mia [Couto]. Vai ver que sou [o escritor gaúcho João Gilberto] Noll [outro participante da Feira Literária de Pipa]. Vai ver que sou ensandecido. Vai ver que sou Plínio [Sanderson]. Grandes inventores voadores e suas palavras maravilhosas. Vai ver que sou eu mesmo, a esmo, sem dicionário. Vai ver que é do meu imaginário. Vai ver que não vai ver, porque não tem mais como. Vai ver que é de comer. Vai ver que é um lagarto. Vai ver que estou farto — farto da Estética de o artista não ganhar dinheiro.
“Gostei da Flipipa [Feira Literária de Pipa]. Espero que não seja a última Flor do Dácio [Galvão, curador do II Flipipa]. Gostei da Flipipa. Vai ver que é porque fui convidado. Vai ver que é porque fui comprado, vendido e não fui vendado. A Flipaut [jogo de palavra com Flip + out = "fora", em inglês] tem um lindo nome. E tem Civone [Medeiros, poetisa, produtora cultural, multiartista, performer, curadora, também em Natal, RN], ciclone que adoro. Fábio Farias me chamou para assistir a um bate-papo sobre as redes sociais na Flipaut e não pude ir — e depois ele me disse que o bate-papo não aconteceu. Nem por isso vou sair cuspindo no papo que não comi, já que, no único dia que deu para eu ir à Flipaut, quando cheguei na bookshop, a performance tinha terminado. Nem por isso foi uma desgraça. Mas perdi a performance de Jota, que não é Medeiros, mas é Mombaça [referência ao poeta Jota Mombaça, escritor, ator, cantor e bailarino]. Agora falo: nada com nada, mas na hora da mesa[-redonda] de Noll, foi nada com tudo. Gostei tanto de Noll que fiquei mudo. Toda mudez será castigada? Viva a Flipaut. Viva a Flipipa! Alô, alô, Realengo, aquele abraço! O Nordeste já me deu poema/processo e cangaço!"  
    JOÃO DA MATA COSTA
Ao que o professor João da Mata Costa, ilustre participante da lista de discussão "Umas & Outras", asseverou — em versos brancos (aqui reduzidos a prosa) e entre muitas outras observações — que "Carito é o cara". E João da Mata fez outras considerações no estilo seguinte: este papo [sobre a Flipipa e o mascafon] já está passando da conta e deixando todos enervados. “Vou chamar de novo o Noll para falar tudo novamente, para essa gente careta que quer contrapor as ondas, lá do Porto de Galinhas, [da Praia] de Pipa e Parati. Flipa, Flipinha e FlipAut. Plínio, Mombaça e fliputos — somos todos dessa rinha. O Carito não é careta. Há muito tempo pegou nas ondas do inconsciente. Nolliano, ele é o cara que sabe tirar proveito da vida e da poesia que brota em qualquer flipeiro”...
Nada a ver com o tema central que aqui nos interessa [mascafón], mas João da Mata vem de publicar importante análise da obra de Noll: o artigo "A voz germinal do Noll numa literatura visceral: do barroquismo ao mínimo múltiplo comum". Está, entre outros sítios internéticos, no blog "Substantivo Plural", de Tácito Costa [www.substantivoplural.com.br]. Da Mata, conhecido professor, pesquisador e astrônomo da UFRN, estava muito ocupado escrevendo esse artigo sobre o escritor gaúcho, mas também já pensando nas comemorações deste 2 de dezembro, Dia do Astrônomo...
Em tempo: seu amigo Kydelmir Dantas — engenheiro-agrônomo, escritor, pesquisador e escritor neossilvense, digo, nova-florestense, isto é, de Nova Floresta (PB), mas radicado em Mossoró (RN) e, também, no Ceará, com atuação noutros Estados do Nordeste — até acha que ele não se deveria chamar "João da Mata", mas "João das Estrelas", por seu amor à Cosmologia e Ciências correlatas. Bem, João das Estrelas da Mata Costa estava superocupado com essas matérias de alta indagação, mas teve também que se preocupar com estoutra coisa do mascafon.
“EXPLICAÇÃO” ENGRAÇADA
A cabulosa pergunta sobre o mascafon chegou também a outro respeitado intelectual, o Manoel Bomfim, assíduo frequentador da lista de discussão "Umas & Outras": “Ninguém ainda esclareceu que diacho é mascafon...” E Bomfim resolveu, humoristicamente, tirar de sua própria criatividade uma explicação para todo este negócio:
— Vou dar minha opinião de cearense gaiato que só os kãos. Essa questão, que se arrasta, quanto ao que é mascafon... nada mais é do que o linguajar engolido de finalização de palavras, tanto usado pelos cearenses quanto pelos mineiros... O cearense diz: "Zezim" e não Zezinho. Ele diz: "Tô cum fom", ao invés de "Estou com fome". Assim também é o mineiro. Ele diz: "Tábomdemá, sô!", em vez de "Está bom demais, senhor". Então, “analisando as possibilidades de escrivinhações do som das palavras (quando faladas por essas duas gentes arretadas desse nosso Brasilzão sem fronteiras e de cancelas escancaradas que só gargalhadas de lavadeiras na beira do açude)”, Manoel Bomfim chegou à seguinte conclusão:
Mascafon é uma abreviação inconsciente dos cearenses, que, ao invés de dizerem (quando o cara está com um microfone tentando falar e não consegue dizer nada) que ele está ‘mascando o microfone’, dizem: ‘Xi, esse cara é um mascafon, também numa alusão ao ‘mascador de fumo’, que passa o dia com um pedacinho de fumo no canto da boca e não engole o fumo, só cospe... He he he..."
E conclui o bem-humorado cearense Manoel Bomfim: “Taí minha versão. Agora, como dizia Raul Seixas: ‘Quem quiser que conte outra...’ Para mim, nesse mundo maluco, onde todos sabem tudo e ninguém sabe nada, eu nem isto sei...
OBRA DESFIGURADA
Para falar a verdade, João da Mata — citando Drummond de Andrade logo no frontispício do escrito: “Já consultou o Cascudo? Cascudo é quem sabe. Me traga aqui o Cascudo" — abordara bem antes a deturpação do Dicionário cascudiano. Ele fez isto em sua “Banca do João da Mata Costa”, no blog “Papo Furado”, de Jairo Lima [www.papofurado.org]. Vejam o que da Mata, com carradas de razão, dizia nesse seu artigo, dedicado ao amigo Moacy Cirne, “que comentou comigo sobre o ocorrido”:
“ERA UMA VEZ UM DICIONÁRIO — A nona edição do Dicionário do Folclore Brasileiro, obra de uma vida inteira, escrita por [...] Cascudo, foi editada pela Global Editora em 2000. Edição revista, atualizada e ilustrada (sic). E pode? Quem autorizou? Tenho todas as edições desse dicionário e qual não foi minha surpresa ao constatar que a nova edição foi completamente modificada. A primeira edição saiu em 1954. A segunda, em 1959. A terceira edição é de 1972. No prefácio da quarta edição, escreve Cascudo, em 1979: ‘Para esta quarta edição, aliás, quinta, por ter havido da segunda uma reimpressão pelas Edições de Ouro, trago correções, melhoria bibliográfica, alguns verbetes lembrados e reclamados pelos leitores e originais de Carlos Krebs e Moacir Sempé [pesquisadores] gaúchos e a homenagem aos companheiros falecidos depois de 1972’. No prefácio da quinta edição, em 1983, Cascudo anuncia não haver alteração no texto do Dicionário devido ao seu estado de saúde.
“Qual não foi nossa surpresa ao comparar a nona edição do famoso Dicionário do Folclore Brasileiro, uma das obras mais importantes e referenciadas do polígrafo Cascudo, e constatar que o livro foi completamente adulterado e modificado para pior, em nossa opinião. Muitos verbetes foram suprimidos. Outros alterados. Verbetes foram acrescidos. As ricas referências bibliográficas ao final do verbete foram retiradas. Grafias modificadas. O Dicionário de Cascudo é uma obra irregular, mas o livro é como um filho que não pode ser modificado em sua essência e conteúdo. Alguns verbetes são muito ricos em suas informações e conteúdos, outros nem tanto. Ainda assim, uma obra gigantesca.
“A edição da Global [Editora] altera completamente a obra — e isto é inadmissível. Os belos verbetes ABOIO e ACAUÃ foram reduzidos de forma criminosa. No verbete ABOIO, a edição da Global incluiu uma pequena partitura colhida em Araraquara (SP) e uma outra linha melódica retirada do livro As melodias do boi e outras peças, do Mário de Andrade. Nada que justifique a redução do texto. Os verbetes ABADÁ, ABUXÓ e tantos outros foram retirados. E foram incluídos ABACAXI e ABOBRINHA. Algumas ilustrações foram acrescidas na nona edição. Como se diz aqui no Nordeste, o que foi feito com o Dicionário do Cascudo é um tremendo abacaxi. E foram muitas as abobrinhas colocadas, o que provocou um empobrecimento do livro. Um crime que espero não seja repetido em edições futuras”.
PERGUNTA QUE NÃO CALA
Bem, passaram-se os dias e a pergunta continuava no ar. No artigo “FlipAut Onírica!”, publicado no blog “Grande Ponto”, de Alex Gurgel [grandeponto.blogspot.com], confessava outro acatado intelectual natalense, Plínio Sanderson: “Carito, ainda continuo sem saber que danado é mascafon.”
Deduz-se que FlipAut (corruptela de FlipOut) é uma espécie de versão alternativa da Flipipa — e que ocorre simultaneamente a esta, mas de forma bastante “solta”, sem obediência aos cânones, como diremos, “oficiais”... E Sanderson aproveita para relembrar uma das frequentes boutades do sábio norte-rio-grandense Cascudo, estudioso de fama mundial que sistematizou as pesquisas em torno do Folclore brasileiro, sobretudo o nordestino. "Quando não se sabia de alguma coisa, parodiando o Mário de Andrade, aconselhava o provinciano incurável [Cascudo]: Vá procurar o Professor Panqueca!"...
Se Vocês querem saber mais sobre o Professor Panqueca, leiam, please, outro artigo, “Aedos e Professores”, do próprio Plínio Sanderson, em seu blog “Substantivo Plural [www.substantivoplural.com.br]. Tal artigo encontra-se também nos blogs “ProTwitter” [protuitter.blogspot.com]; “FlipAut” [flipaut.blogspot.com]; e, como se viu, no "Grande Ponto", de Alex Gurgel [grandeponto.blogspot.com].
RELEMBRANDO BRANCHOU
Mas, por isto, não: cá em João Pessoa, do outro lado da fronteira, o saudoso causeur, poeta, advogado e blagueur Celso Otávio de Novais também se valia, para escorar citações sentenciosas, de um personagem de alta sabedoria — só que, em nosso caso, um personagem bem fictício, Branchou. Era “o afamado Branchou” quem emprestava autoridade às frases mais banais, no estilo: “Infeliz do bicho que outro engole, como já dizia Branchou”... Sujeito houve que, fazendo prova oral, citou Branchou à guisa de bibliografia estrangeira — e tirou 10 nos exames!
Branchou — sem dúvida um portento literário francês maior que l'Académie (ou não seria da Suíça ou da Bélgica?) — passou a ser citado partout e a qualquer propósito. Até o igualmente saudoso Virgínius da Gama e Melo incluía em artigos o nome desse admirável licenciado & lente estrangeiro... que nunca existiu, senão na imaginação do poeta Novais e seus seguidores/admiradores/amigos.
BARONESA EM CENA
Tomado daquela santa indignação própria à “irritadiça raça dos poetas”, referida nas Epístolas de Horácio [genus irritabile vatum], decidimos nos solidarizar com os intelectuais & artistas potengis. Já íamos colocar um paralelepípedo na cabeça e sair correndo, seminu e metido numa barrica, pelas ruas da Capital paraibana, gritando a plenos pulmões a pergunta que não queria calar [“O que danado é mascafón?!”], quando nos assaltou inesperada recaída no bom-senso: por que não ler o livro de Moacy Cirne, a vermos se se trata realmente de mascafón, que já suspeitávamos não passar do reles mascar fumo?!
Receber o mais recente livro de Moacy Cirne não constituiu problema: foi-nos providenciado e enviado, em questão de horas, por nossa grande amiga de infância, adolescência & adultez, a Dra. Fátima Lima, psiquiatra de escol em Natal (RN), leitora das mais pertinazes — e a primeira paraibana a saltar de paraquedas! Fatinha — Baronesa do Jabre ou Condessa das Espinharas, para os íntimos — conseguiu dois exemplares (um para ela, outro para nós) e até fez amizade com o pessoal da editora natalense, o Sebo Vermelho, de modo que doravante nós dois poderemos lá adquirir outras importantes obras de autores potiguares.
MATAMOS A CHARADA!
Data venia, acreditamos que aquele verbete excluído do Dicionário de Cascudo não foi mascafon [ou mascafón], mas, sim, MASCAR FUMO. E afirmamos isto citando o próprio Moacy Cirne. À página 107 de seu novo livro [Dicionário do Folclore Brasileiro: Uma edição desfigurada, Sebo Vermelho Edições, Natal, 2010], escreve Moacy:
Como podemos verificar, não se trata de um verbete gratuito [MACONHA, termo que consta da edição do Dicionário pela editora Melhoramentos, mas não da edição da Global Editora]. Claro, hoje a maconha é usada em larga escala, e não apenas por malandros e marginais. Mas essa é outra história — uma história de cunho social — que não vem ao caso. Interessa-nos o fato concreto: a Global [Editora] o excluiu, assim como excluiu FUMAR, IPANDU e MASCAR FUMO. Terá sido por simples preconceito? Por uma questão política? Por medo? Por pressão de origem (para nós) desconhecida? Não há como sabê-lo, já que muitos e muitos vocábulos foram ‘apagados’ do DFB [Dicionário do Folclore Brasileiro]; mas a realidade é que a sua não-inclusão parece mais uma autocensura preconceituosa do que qualquer outra ‘viagem’ sem sentido.” [Negritos nossos]
ENTE CRIADO DO NADA
Algumas páginas antes, mais exatamente à página 101, Moacy já citara os seguintes, entre “os verbetes excluídos” na Letra M da edição paulista do Dicionário: “Maauaçu, Mãe, Mãe Valéria, Malina, Maloqueiro, Mani, Manuelagem, Mata-Borrão, MASCAR FUMO [destaque nosso], Menstruada, Missa-Seca, Moça (na 1ª. acepção), Mulher, entre outros”. [E, aqui só pra nós, que diabos de preconceitos têm esses novéis “editores” contra tais palavras ou expressões?!].
Digamos que, em sua palestra no Flipipa, Moacy Cirne tenha citado o verbete MASCAR FUMO como mais uma das palavras miseravelmente apagadas do insuperável Dicionário cascúdico. Por má dicção, por falha do som ou por outro qualquer “ruído” de Comunicação, em meio à platéia alguém (ou alguenzes) ouviu (ouviram) isto como mascafón, quando, óbvio, o vocábulo era MASCAR FUMO — e a confusão se estabeleceu, gerando a consequente temporada de caça a uma entidade lexical inexistente...
O VERBETE CAPADO
É a seguinte a íntegra do verbete escamoteado, como observamos, aqui, na 7ª. edição, a da Editora Itatiaia1988, mas que se pode ver também na versão das Edições de Ouro e outras mais:
Mascar Fumo. Os nossos indígenas mastigavam as folhas secas do petim, peti ou petum, o tabaco, erva-santa. Especialmente os tupis eram amigos dessa atividade, que quase se universalizou, como o bétel no Oriente, a coca sul-americana e a goma de mascar nos nossos dias. O jesuíta Antonil (Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas, 1711), cita abundantemente o uso de mascar o tabaco: ‘Homens há que parece não podem viver sem este quinto elemento; cachimbando a qualquer hora em casa e, nos cachimbos, mascando as suas folhas, usando de torcidas e enchendo as narinas deste pó.’ (Cap[ítulo]. VIII). Antonil opina que o mascar o tabaco não é tão sadio, mas, pela manhã, em jejum e moderadamente, ‘serve para dessecar a abundância dos humores do estômago’. Pela Europa do Norte, Inglaterra, Holanda, o costume, popularíssimo entre marítimos, era soberano. Creio que ainda há placas de tabaco próprio para mascar, como tantas vezes vi em Natal velho. Ver Tabaco. O pedaço para mastigar, como os elegantes chiclets, diz-se masca. Artur Neiva e Belisário Pena (Viagem científica, 165, realizada em 1912), informavam sobre o tabagismo nos sertões da Bahia, Piauí e Goiás: ‘Geralmente o uso de masca começa aos 12 anos e, muitas vezes, são os próprios pais que iniciam os filhos, com o intuito de evitar a geofagia, indício de provável anquilostomose. O tabagismo é muito mais desenvolvido entre as mulheres, sendo muito comum as que mascam e pitam ½ [meia] vara e mais de fumo por semana. A mascadeira não abandona a masca ou brejeira nem para comer e muitas dormem com o fumo na boca’. Belisário Pena registra uso semelhante por todo o Norte de Minas Gerais”.  
    OSVALDO MEIRA TRIGUEIRO
Por mais que meu amigo, professor e escritor Osvaldo Meira Trigueiro (um dos maiores folcloristas brasileiros, multipremiado no país e no exterior), procurasse, em suas edições do Dicionário original de Câmara Cascudo, com a ajuda de sua extremosa esposa luso-brasileira, Rosa de Faria Trigueiro, não pôde encontrar em parte alguma, muito menos na letra M, algo parecido com mascafón. Em nossa própria edição, também nada achamos que mesmo de longe sugerisse esse termo que soa como uma voz-do-Além...
Quem está em melhores condições de realizar novas buscas em regra, comprovando duma vez por todas que não existe isto de mascafón nos escritos do Mestre potiguar é o já citado João da Mata Costa. Este estudioso dispõe de TODAS as edições do Dicionário de Cascudo — e vai repetidamente se topar, de uma edição para outra, com MASCAR FUMO, sim, mas não com MASCAFÓN ou algo do gênero.
NÃO QUIS SER PRIMEIRÃO?
Aliás, antes de nós (justiça lhe seja feita!), a “descoberta” deste MASCAR FUMO (ao invés de mascafón) poderia ter sido feita pelo próprio João da Mata Costa. É que ele mesmo lamentara a exclusão deste mesmíssimo verbete, ainda em 29/08/2010, quando rode again contra a desfiguração do Dicionário. De fato, da Mata, nos blogs “Substantivo Plural” e “Sebo Vermelho”, escrevera novo artigo, “O Dicionário desfigurado de Cascudo”, ilustrando-o com uma foto de Moacy Cirne por Kamilo Marinho. E, nesse outro artigo, da Mata fala exatamente em “mascar fumo”:
— [...] Não podiam ter expurgado, num index pessoal, palavras como FUMAR, IPANDU, MASCAR FUMO etc. Só para ficar nesse ultimo verbete dicionarizado por Cascudo e suprimido na versão desfigurada [...], MASCAR FUMO era uma verdadeira instituição no Nordeste brasileiro. Hábito arraigado e praticado por muitos que tinham no fumo de Arapiraca uma verdadeira panacéia. Meu tio João Caicó tinha os dentes todos amarelos de mascar fumo. Não passava sem um rolo de fumo comprado nas feiras da cidade do Natal. O fumo servia para tudo, além de diversão e mascagem, muito melhor que o chicles. Qualquer ferida, qualquer machucado, meu tio colocava fumo mascado. Como querer mudar uma Cultura? Como desfigurar a obra do nosso maior escritor? [...] É, sim, um crime, o que foi feito. O Dicionário de Cascudo é obra de uma vida. Uma obra coletiva, em que jamais podiam ter sido omitidas as referências bibliográficas e as colaborações [de outros estudiosos] que Cascudo obteve, a duras penas, com suas cartas perguntadeiras. [...] Moacy [Cirne] leu tudo e observou que escreveram outro livro, mantendo o mesmo título e autor. Não pode! Quero de volta o meu Dicionário, [de que] tenho todas as edições. E atesto e dou fé sobre tudo que Moacy escreveu [...]”.
E SE FOSSE MASCARON?
Talvez alguém ache muito... prosaica nossa corretíssima explicação: mascar fumo, ao invés de mascafon ou mascafón. A isto respondemos com o que se segue. Uma das citações mais engraçadas de Mark Twain era: “Estes são os meus princípios [morais]. Se Você não gostar deles... bem, eu tenho outros!”.
Então, se Você não gostaram da substituição de mascafón por mascar fumo, a gente pode arranjar um esclarecimento bem mais... erudito! Vamos pois supor que, em alguma parte de sua obra, Cascudo tenha se referido ao termo mascaron [bem parecido com mascafón, non?!]. Não estamos com tempo de procurar agora, nem dispomos de uma edição digital em que pudéssemos pesquisar com o FIND do Word for Windows. Mas, em algum livro de Cascudo — homem de erudição realmente universal — deve haver pelo menos uma citação da palavra mascaron.
MASCARON, em francês e noutras línguas ocidentais & orientais, é uma das formas que assume o termo original italiano mascherone, que se passou ao espanhol como mascarón [plural mascarones] — o mesmo que o português luso-brasileiro mascarão ou o alemão Maskaron etc. No próprio dicionário Aulete, Você encontra uma definição de mascarão [plural mascarões]: em decoração, é o “ornato de pedra, cimento ou gesso, em forma de cabeça humana de feições normais ou grotescas, usado em grandes cimalhas, chafarizes etc”. São famosos, por exemplo, os mascarons de Bordeaux, de Nantes, de muitas outras cidades francesas e européias, para não citar o México, o Peru e até mesmo as cabeceiras pernambucanas e baianas do rio São Francisco. Tanto máscara quanto mascherone e mascaron têm origem no mesmo termo latino ancestral.
O QUE É MASCARON
Mascaron, no vocabulário da Arquitetura, é elemento decorativo com a forma esculpida da cabeça ou face de um ser humano ou de qualquer animal, monstro ou até ente fantástico. Vocês sem dúvida já viram um mascaron/mascarón/mascarão. É aquele ornamento arquitetônico, repita-se de outra forma, com uma face humana, por vezes quimérica, fantástica ou utópica, outras vezes assustadora, justamente com o propósito de convencer maus espíritos a se afastarem.
Desde a antiguidade, o mascaron é utilizado, com tal objetivo, na proa de navios ou à entrada de prédios. As versões baiano-pernambucanas do mascaron são justamente as carrancas do rio São Francisco, também estudadas por Cascudo, cujo Dicionário (o original) remete o leitor do verbete “Carranca” para “Cabeça de proa”, também dita “cabeça-de-pau”. Mas é igualmente o caso das gárgulas, quimeras, "máscaras" de sábios, faces de Cupido, caretas de Netuno, muxoxos de Dioniso/Baco, caratonhas de Medusa, figuras de náiades, faunos e/ou deidades zoomórficas, muitas delas bem grotescas, que ornamentam tantos locais, públicos e/ou privados, inclusive grutas. Há até mascarons barbados... As ilustrações do presente artigo mostram alguns exemplos, urbi et orbi.
MÁSCARA & MASCARON
Pouco a pouco, depois do Classicismo e, em especial, durante o Barroco (notadamente especialmente nos séculos XVII e XVIII), o mascherone ou mascarone [no original italiano] ou, mais frequentemente, o mascaron [termo francês daí derivado] veio sendo aproveitado pelas Belas-Artes como elemento decorativo, artístico, arquitetônico, em fachadas, pórticos, fontes, entradas de edifícios, jóias, móveis, navios, armas, hotéis, portais, janelas, emblemas, símbolos e outras coisas que, na ornamentação, exigem de alguma forma a técnica de pequena escultura nos mais diversos materiais — inclusive o “reles” plástico.
Na França, a Academia Real de Arquitetura editou recomendações em que se faz clara distinção entre mascaron e máscara: o mascaron é uma caricatura e, a máscara, uma decoração de bom gosto, na fachada de um hotel, palácio etc. Mas, na prática, "máscaras e mascarons terminaram por se fundir na função comum de decoração e divertimento dos passantes".
EM VENEZA & JOÃO PESSOA
Vocês acreditariam se lhes disséssemos que, em Veneza, Itália, há um restaurante justamente chamado “Mascarones”? E uma extensão dele, para vinhos especiais e mais nova, chamada “Mascareta”? Aquela Osteria al Mascaron serve comida de primeira (inclusive lagosta com pasta, solhas ou sogliolette marinadas com cebolas, vinagre, gengibre, castanhas de pinheiro e passas, além de uns camarões gamberetti levemente adocicados e os tradicionais e imperdíveis spaghetti alle vongole!). Esse ristorante fica no número 5525 da rua Lunga Santa Maria Formosa, no bairro de Castello.
E, neste capítulo dos restaurants & restaurateurs, é impossível não nos vir à memória a figura de nosso saudoso amigo Giulio Orsini, antigo proprietário do restaurante La Bocca della Verità, na praia de Manaíra (João Pessoa, PB). Hoje, retornado à Itália, Giulio cuida de seus negócios em Roma, nas proximidades da Piazza Navona. Com seu retorno à Itália, acabou-se literalmente o restaurante La Bocca della Verità! Pois foi justamente esse Orsini — “parente de Papas”, como lhe dizíamos — quem nos presentou com uma autêntica cópia, em mármore e tamanho natural, daquele inegável mascherone que é a “boca da verdade”, ainda hoje por nós cuidadosamente preservada. Diz a lenda que gente mentirosa não pode enfiar impunemente a mão no mascaron representado por tal boca...
EM DIVERSAS LÍNGUAS
Breve consulta ao serviço on line do “TellSpell” [http://tellspell.com], cujo lema é “How do you spell”, nos serve para reconstatar o óbvio: mascafon é frequente misspeling ou typo de mascaron... Enfim, mascafon pode ser mascaron malescrito. E mascaron [francês vindo do italiano mascarone e/ou mascherone, que deu mascarão em português] acha-se também nas mais diversas línguas:
     africânder = mascaron;
     albanês = mascaron;
     alemão = Maskaron;
     árabe = mashkarat ou mashkarón [também “bufoneria”];
     bielorusso: маскароном [pronuncia-se maskarônomm];
     búlgaro = маскарон [maskaron];
     catalão = mascaró;
     chinês = 马斯卡龙 = mǎsīkǎlóng [pronunciado massikalonn] ou mǎsīqiǎlóng [pronunciado massitchyalonn], bem diferente dos termos chineses para máscara: 面具 = miànjù, pronunciado miendju) e 口罩 = kǒuzhào, pronunciado koujau  = máscara cirúrgica) etc;
     coreano = mas-ka-ron;
     crioulo haitiano = mascaron;
     croata = maskaron;
     dinamarquês = mascaron;
     eslovaco = maskaron;
     esloveno = mascaron;
     esperanto = maskarono;
     estoniano = mascaron;
     filipino = mascaron;
     finlandês = mascaron;
     gaélico escocês = mascaron
     gaélico galês = mascaron;  
     gaélico irlandês = mascaron;
     galego = mascarón;
     grego = maskarón;
     hebraico = מַסְקָרוֹן [com os pontos massoréticos] ou מסקרון [sem tais diacríticos, mas sempre com a pronúncia maskarónn];
     híndi = maskarón;
     holandês = mascaron;
     húngaro = mascaron;
     ido [língua artificial derivada (ou “simplificação”) do esperanto] = maskarono;
     iídiche = מאַסקאַראָן (lê-se da direita para a esquerda e pronuncia-se masskarón);
     indonésio: mascaron;
     inglês = mascaron;
     islandês = mascaron;
     japonês = masukaron [mas’karon];
     letão = mascaron;
     lituano = maskaron;
     macedônio = mascaron/maskaron;
     malaio = mascaron;
     maltês = mascaron;
     norueguês = mascaron;
     persa = maskaron;
     polonês = maszkaron [ou maskaron];
     romeno = mascaron;
     russo = маскароном (pronuncia-se maskarônomm) ou маскарон [maskarón];
     sérvio = масцарон (pronuncia-se mastsarón);
     suaíli = maskaron;
     sueco = maskaron;
     tailandês: mas-ka-ron;
     tcheco = mascaron;
     turco = mascaron;
     ucraniano = маскароном (pronuncia-se maskarônomm) ou маскарон [maskarón];
     vietnamita = mas ca ron... e por aí vai!

OUTRAS CURIOSIDADES
A variedade mandarínica da língua chinesa tem sua própria palavra para indicar "máscara horrenda", "cara torta", "fazer caretas", "face cômica", "máscara do diabo" etc: é o termo 鬼脸 [= guǐliǎn, em pinyin e em caracteres simplificados; nos caracteres tradicionais, a pronúncia é a mesma, mas a grafia muda para 鬼臉].
Já se via a palavra mascaron na edição de 1913 do famoso dicionário Webster's Revised Unabridged Dictionary, ao lado de termos como mask, masque, masca, mascha, mascus, máscara [espanhol], masquerade [francês], maschera [italiano], mashkarat [árabe]... E, nessa obra, o sentido de mascaron é bem delimitado, no que respeita ao vocabulário arquitetônico: “A grotesque head or face, used to adorn keystones and other prominent parts, to spout water in fountains, and the like”.
LÉXICO & MARIPOSA
Fomos também conferir no velho e bom Großes Kunstlexikon ["Grande Dicionário de Arte"] de P. W. Hartmann — e, claro, estava lá o verbete mascaron, que, em alemão como em italiano, francês e outras línguas, significa exatamente "face com careta". E não resulta em definições mui diferentes as consultas feitas a enciclopédias como a Britannica, a Salvat, a Wikipedia (em suas mais diferentes versões), o Dictionary of Architecture and Landscape etc etc etc.
Por que se diz mascaron com o acento tônico na terceira sílaba [mascarón]? Simplesmente porque em francês é mascaron (e, na gálica língua, a sílaba forte sempre é a última). Mesmo no original italiano já era mascheròne, com tônica na penúltima sílaba.
VINHO & FOTOS
Há uma mariposa/borboleta chamada mascaron, objeto de inúmeros vídeos on line. Também um ótimo vinho tinto, para carnes, produzido na região de Bordeaux, França, chama-se Mascaron, com a última safra predileta saída em 2006. É um cabernet de estilo clássico, com profunda cor de rubi e um bouquet que mistura aromas de cassis, baunilha e outros. Ao paladar, apresenta-se “rico, denso, frutado, suculento, com gratas insinuações de carvalho e especiarias, complementado, ao final, pela suave textura de um quase interminável retrogosto”, tal qual reza uma de suas propagandas...
Existem até, na Internet, centenas de fotos de mascarons, especialmente na “Mascaron Photos Database” [= Base de Dados de Fotos de Mascarons], dita “Baza Dannykh Fotografiy Maskaronov”, em russo — pois os russos são interessadíssimos em tais manifestações da Arte. Outra base de dados contém, além das coleções de fotos, muitos vídeos e arquivos sonoros/de voz, praticamente esgotando o assunto.
MÚSICA & GRANDES ILHAS
Nas coleções de música do Smithsonian Institute, de Washington, DC, vê-se existir no Haiti um ritmo classificado como “Mascaron dance”, marcada com dois tambores e um baixo. O músico Frantz Cassèus tem até uma Suíte haitiana para violão, de 1956, cujo terceiro movimento não passa de uma dança mascaron.
Quem leu Ilhas oceânicas: Suas relações físicas e biológicas, de Alfred Russel Wallace, lembrar-se-á da distinção, feita já por Darwin, entre ilhas oceânicas (vulcânicas ou formadas por corais, sem mamíferos indígenas ou anfíbios) e ilhas continentais — e que há uma passagem na obra de Wallace explicando que as ilhas maiores do arquipélago de Galápagos [= “Tartarugas Gigantes”] foram batizadas pelos espanhóis com nomes castelhanos, a exemplo de Mascarón, mas também de Diablo, Santiago, Islas Encantadas etc. Depois, com supremacia britânica nos mares, prevaleceram os nomes ingleses: Albemarle, Chatham, Narborough, Indefatigable e James.
CARRANCAS DO VELHO CHICO
Haveria, portanto, a remota possibilidade de a resposta àquela pergunta (“O que danado é mascafon?”) não ser mascar fumo, mas mascarone, ante a globalizante (epa!) erudição de Cascudo, que escreveu sobre as carrancas das embarcações do rio São Francisco e outras — e todas não passam de formas de mascarons. Como há na área do rio São Francisco (popularmente conhecido como “Tio Chico”) uma cidade chamada Carrancas, há também em Cádiz, Espanha, uma localidade com o nome de Mascarons — num caso e noutro por influência da grande quantidade de carrancas/mascarones existentes em suas respectivas proximidades.
No caso de algumas carrancas do São Francisco, elas são colocadas na proa das embarcações para afastarem o ser conhecido por “Negro d’Água”, o qual, segundo a lenda, tem o costume ruim de virar os barcos. Acreditam os pescadores que, antes de a monstruosa criatura aparecer, a carranca emite três gemidos, tendo o barqueiro, assim, a chance de escapar.
UM BISPO MASCARON
Houve mesmo alguém famoso chamado MASCARON. Foi Jules ou Julius Mascaron [não “Mascafon”], insigne religioso, letrado e orador sacro francês, nascido em 1634 e falecido em 1703. A circunstância de este Jules Mascaron por vezes aparecer, enganosamente, como Mascafon, em obras antigas, decorre do fato de que, em alguns programas de OCR [Optical Character Recognition] que tentam ler velhas edições de livros, o R nem sempre se distingue do S ou F.
Não há dúvidas de que se trata mesmo de Jules Mascaron. Ele é citado, por exemplo, à página 36 do volume 11, série 2, do livro (tomem fôlego, ante o quilométrico título da obra!) Archives curieuses de l'histoire de France depuis Louis XI jusqu'à Louis XVIII, ou Collection de pièces rares et intéressantes, telles que chroniques, mémoires, pamphlets, lettres, vies, procès, testaments, exécutions, siéges [sic], batailles, massacres, entrevues, pêtes, cérémonies funèbres, etc., etc., etc., publiés d'après les textes conservés à la Bibliothèque Royale et aux Archives du Royaume, et accompagnées de notices et d'éclaircissements; ouvrage destiné à servir de complément aux collections Guizot, Buchon, Petitot et Lebas; par F[élix]. Danjou, bibliothécaire de l'Arsenal, Membre de la Société royale des Antiquaires et de l'Institut historique [2e. Série, Tome 11].
ENTRE OS MAIORAIS
O volume foi editado por L. Lafaist e Jean Louis Félix Danjou, em Paris, “chez Blanchet, rua Saint-Thomas-du-Louvre, nº. 26” — mas se indica que a impressão dos volumes (ou pelo menos deste volume) se deu na Imprimerie d'Éditions Proux et Compagnie (3, rue Neuve-des-Bons-Enfans — assim mesmo, isto é, sic: Bons-Enfans e não Bons-Enfants!). E o nome de Jules Mascaron é colocado, de normal, ao lado de outros grandes pregadores, como
     Jacques-Bénigne Bossuet (1627-1704);
     Louis Bourdaloue (1632-1704);
     Charles de La Rue (1643-1725), o jesuíta também conhecido como Carolus Ruaeus;
     Esprit Fléchier (1632-1710);
     François Fénelon (1651-1715);
     outro jesuíta, Pierre Daniel Huet (1630-1721), igualmente conhecido por seu nome latino, Huetius;
     Jean-Baptiste Massillon (1663-1742) e outros oradores sacros dos séculos XVII e XVIII — para não falar de protestantes da estirpe de Jean Claude (1619-1687).
           
ORATÓRIA SEMPRE JOVEM
Esse bispo Mascaron nasceu em Marselha e logo cedo ingressou na Oratória Francesa, alcançando superior reputação como pregador, inclusive em Paris. Quando Mascaron — mais admirado pelos pósteros em virtude de suas orações fúnebres, especialmente aquelas sobre Turenne e Séguier — fez sermões na Corte francesa, entre 1666 e 1667, alguns invejosos tentaram transformar num crime a liberdade com que ele anunciara as verdades do Cristianismo ao rei Luís XIV. Sua Majestade, com muito espírito, retrucou-lhes: “Ele cumpriu seu dever; cumpramos o nosso”.
Pregando novamente ante o rei, 27 anos depois, Luís gostou tanto que cumprimentou Mascaron com elegância: “Apenas sua eloquência nunca se desgasta, nem jamais envelhece”. E Mascaron, também bispo de Tulle e contemporâneo de Madame de Sévigné, até mandava cartas, em 1673, a mademoiselle Madeleine de Scudéry.
MASCARON & VOLTAIRE
Mascaron era contemporâneo do célebre orador Bossuet, mas pertencia a uma escola mais antiga de Oratória. Tinha um estilo desigual, era pródigo nas palavras e pecava por demonstrar excesso de erudição. No verbete “Ordenação” de seu Dicionário filosófico, Voltaire alude a Mascaron, ao se referir a outro bispo que ordenava padres com tão pífia autoridade que esses sacerdotes viam-se na contingência de tomar novas ordens: “[...] Grande número daqueles padres que haviam sido ordenados por esse bispo não se consideravam como sacerdotes reais e autorizado, submetendo-se pela segunda vez à ordenação. Mascaron, homem de moderados talentos, mas célebre como pregador, persuadia-os, tanto em seus discursos como por seu próprio exemplo, à repetição da cerimônia de ordenação. O caso provocou grande escândalo em Mans, Paris e Versalhes, mas, como tudo mais, foi logo esquecido”...
O mesmo Voltaire, no capítulo 433 da mesmíssima obra, considera Mascaron inferior a Bossuet: “Uma obra pode ser fraca tanto por seu conteúdo como por seu estilo; pelos pensamentos, quando muito comuns ou quando, sendo corretos, não têm suficiente profundidade; e pelo estilo, quando é destituído de imagens ou de torneios de expressão, ou de figuras que chamem a atenção. [Assim], comparadas com os de Bossuet, as orações fúnebres de Mascaron são fracas e seu estilo é sem vida”.
Ainda assim, o bispo Mascaron, professor de Humanidades de excepcional talento retórico, influenciou muita gente boa, nas Letras francesas. Se Você, por alguma razão, sentir inexplicável comichão para ler a obra e/ou biografia do bispo em referência, quem sabe não encontrará nas bibliotecas virtuais a obra de Charles Bordes, lançada em 1704, La vie de Messire Jules Mascaron. Boa sorte... e boa leitura!... Quanto a nós, preferimos o cômodo resumo da Encyclopaedia Britannica.
SOBRENOME PERSISTENTE
Da biblioteca da Columbia University, consta uma cópia da obra católica Corpus iuris canonici, republicada em Lípsia, em dois volumes, reproduzida em 1959 pela editora Akademische Druck- und Verlagsanstalt, de Graz] e mais recentemente disponibilizada em formato eletrônico (dois DVDs). É no volume dois, páginas 69-70, onde se publica decretal do papa Gregório IX [Livro I, Titulo VI, sobre a Eleição, itens 25 e 26], que um trecho faz referência ao Mascaron [ou Mascaro, num dos casos da respectiva declinação latina]: “Per inquisitionem, quam de mandato nostro fecistis super statu epìscopatus et episcopi Tholosanì, perspicaciter ìntelleximus, quod Mascaron cancellarius”... Os decretais do papa Gregório IX são as leis canônicas compiladas pelo frade dominicano (são) Raimundo de Penaforte [1175-1275, dito Ramón de Penyafort em catalão e Raimundo de Peñafort em castelhano] e que serviram como código canônico da Igreja até 1917, quando foi promulgado o novo Código Canônico. Não sem razão, portanto, é que (são) Raimundo se tornou patrono dos operadores do Direito em geral...
Tais decretais nono-gregorianos viram-se originalmente publicados em 1234 e o pontífice Gregório IX (regnavit entre 1227 e 1241, como sucessor de Honório III e sobrinho de Inocêncio III) refere-se num dos textos ao tal Mascaro[n]. Esse Mascaron, porém, nem pode ser nosso já conhecido Jules Mascaron (que viveria entre 1634 e 1703), nem Hugo [Ugo, Hughes] Mascaron, bispo de Toulouse, França, entre 1286 e 1296, e que — como sucessor de Bertrand de l'Isle-Jourdain (1270-1296) e sucedido por (são) Louis d'Anjou até a morte deste, em 1297 — opôs-se a certas medidas de outro papa, Bonifácio VIII (regnabat 1294-1303). O que se evidencia é, no entanto, a persistência do sobrenome Mascaron, especialmente na França, onde vinga até o presente.
NA TRIBUNA DO NORTE
   Voltemos à terra firme. Circulando em Natal (RN), o jornal Tribuna do Norte, edição de 20 de julho de 2010, sob o título de “Um Cascudo paulistano”, divulgou texto da jornalista Maria Betânia Monteiro sobre o livro de Moacy Cirne. Reportou Betânia:
“O que aconteceria se o curador de uma galeria cismasse com o sorriso da Mona Lisa de Leonardo da Vinci e encobrisse a sua boca com o desenho de um tecido fino, revelando para o público a imagem de uma odalisca? A cena, apesar de hipotética, serve para ilustrar o que foi feito com o Dicionário do Folclore Brasileiro, de Luís da Câmara Cascudo, editado pela Global Editora, de São Paulo. Segundo o escritor Moacy Cirne, trata-se de uma violência cultural cometida contra o autor. ‘Nossa principal referência intelectual e cultural não poderia ter sido tratada assim. Ele foi visto como autor de segunda linha, e mesmo se fosse, este tipo de mutilação é inadmissível’, disse Moacy. Algumas das alterações gráficas realizadas, textos excluídos ou acrescentados são comentados no livro Dicionário do Folclore Brasileiro: Uma edição desfigurada, de Moacy Cirne. [...]
“Segundo Moacy, do Dicionário do Folclore Brasileiro, de Luís da Câmara Cascudo, cuja primeira edição data de 1954, revisada e ampliada pelo próprio autor até a quarta edição, de 1980, constam pouco mais de 2000 verbetes relacionados ao folclore e suas definições, algumas delas elaboradas em parceria com amigos de Câmara Cascudo e estudiosos. Moacy relata que na construção do texto, Câmara Cascudo ora posicionava-se em primeira pessoa, ora elaborava construções mais literárias, imprimindo desta maneira traços de sua personalidade. Mas os maneirismos do autor foram retirados do dicionário na edição realizada pela Global e em seu lugar foram postos depoimentos indiretos, onde o autor torna-se oculto.
“Um exemplo citado por Moacy foi com relação ao verbete ‘Galinha’. No original, Câmara Cascudo começava dizendo ‘Homero não a cita’, frase retirada pela Global. ‘Eles aboliram a vertente literária do dicionário’, disse Moacy. E não foi só isso. No verbete ‘Carnaval’, inicialmente construído com 115 linhas, frases importantes foram retiradas, como a cascudiana ‘Do ponto de vista folclórico e etnográfico, o carnaval é um índice anual de sobrevivências e elementos reais da psicologia coletiva...’. No lugar dela surgiram informações de uma realidade que sequer foi vivenciada por Cascudo, como as Micaretas, incluindo a realizada em Natal.
“Além disso, na edição da Global, 47 linhas foram dedicadas ao carnaval paulista, quando no original, nem chegou a ser mencionado. ‘A rigor, as 115 linhas cascudianas valem muito mais do que as 190 Global’, escreveu Moacy em seu livro. Além da inserção de textos inéditos, ainda houve a exclusão de trechos, que Moacy considera ter sido realizada a partir do juízo de valor da revisora. A exclusão do termo ‘Maconha’ é um bom exemplo. No original constava o verbete acompanhado de sua definição, mas não havia nenhum tipo de informação mais apaixonada, que justificasse a retirada do termo. ‘Cascudo não fazia apologia à maconha. Suponho que a supressão do termo tenha sido uma questão de preconceito’. Diante das alterações feitas, a que Moacy considera ser a mais grave de todas é justamente aquela que mais se repete: a ignorância das regras acadêmicas de citação. As citações que no original estavam entre aspas, na edição da Global foram inseridas no texto sem qualquer critério. ‘Cascudo virou um plagiador nas mãos deles’.
“O balanço das alterações chegou ao seguinte resultado: cerca de 70% do texto original, talvez mais, foram modificados, em maior ou menor escala. As 811 páginas da última edição autorizada por Cascudo (sem ilustrações) transformaram-se em 768 páginas da edição Global, com elevado número de imagens. Em Cascudo estão presentes 2.154 verbetes, enquanto que na Global estão apenas 1.918. Para o Presidente da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras, Diógenes da Cunha Lima, Câmara Cascudo é um guia cultural para o estado e julga serem deploráveis as alterações realizadas no Dicionário folclórico, muito embora elogie a atuação da Editora.
Muito Menos Cascudo — Segundo Moacy Cirne, o tema tratado em seu livro, havia sido levantado por outros escritores e intelectuais; alguns poucos artigos haviam sido publicados, incluindo o do antropólogo Miguel Sautchuk, intitulado ‘O dicionário multilado’, que pode ser encontrado facilmente na Internet. Moacy conta que para realizar o trabalho, fez uma análise comparativa da última edição da Global, de 2008 (que atualmente está em circulação nas livrarias do país), com a da Editora Melhoramentos (última autorizada por Cascudo). O trabalho levou dois meses para ser concluído, numa rotina que Moacy definiu como bastante pesada. O autor comentou os verbetes e as alterações mais expressivas na obra de Cascudo.
“Impressões Globais — A Global Editora vem reeditando várias obras de Câmara Cascudo, e em muitas delas, como constata o próprio Moacy Cirne, não há qualquer tipo de alteração. O Dicionário do Folclore Brasileiro se tornou um caso à parte, pois a editora achou que seria possível revisar e atualizar uma obra já acabada. A última atualização autorizada por Câmara Cascudo foi feita em 1980, que saiu pela Melhoramentos. A Editora Global começou a editar o Dicionário em 2001 e de lá para cá foram feitas outras quatro edições e no mínimo, uma reimpressão. As alterações foram propostas pela falecida Laura della Monica (pesquisadora e coordenadora do projeto) e Eunice Pavani (preparação do texto). De acordo com Camila Cascudo, bisneta de Câmara Cascudo, a família já se pronunciou com relação ao caso. Ela explica que Daliana Cascudo (neta do folclorista) notificou a editora, solicitando que a futura edição retomasse o texto original de Câmara Cascudo, não admitindo qualquer tipo de alteração. ‘Lemos verbete por verbete, fizemos a comparação e passamos o fichamento da obra, juntamente com os originais’, disse a advogada Camila Cascudo.”
EM CHICO TOICIM?!
Um nosso parente alesado, o Lezim d'Anórvega, veio nos dizer, esbaforido: acabara de ver a palavra mascafon num livro do século XVII, de autoria do filósofo Bacon. Na pressa, não sabia, com certeza, se era à página 153, isto é, aí pelo meio de um trabalho intitulado “A Brief Discourse of the Happy Union of the Kingdomes of England and Scotland, Dedicated in Private to His Majesty”, realmente de Bacon, ou no...
Não demos crédito à sua conversa, mesmo porque Lezim vive chamando o pobre do Francis Bacon de "Chico Toicim". Mas o lesado parente insistiu: o termo mascafon constaria da página 154 onde outro livro, também inglês, de título quilométrico, onde se encontra a Parte Primeira de outro trabalho de Bacon, intitulado "A Collection of the Felicities of Elizabeth". O livro chama-se (tomem fôlego):
Resvscitatio or, bringing into pvblick light several pieces of the works Civil, Hifstorical, Philofophical, and Theological, Hitherto Sleeping Of the Right Honourable Francis Bacon, Baron of Verulam, Vifscount Saint Alban - In Two Parts. The Third Edition, According to the beft Corrected Copies, Together With his Lordfhips Life, By William Rawlay, Doctor in Divinity, His Lordfhips First and Laft Chaplain, And lately his Majefties Chaplain in Ordinary. London. Printed by S. G. and B. G. for William Lee, and are to be fold at this Shop, at the fign of the Turks head in Fleetstreet over againft Fetter Lane, Anno Domini 1671.
Do frontispício do volume consta tudo isso aí em cima — mas fiquem frios: a obra pode ser chamada simplesmente de Resvscitatio [ressurreição, ressuscitação, em latim].
O ERRO DE LEZIM
Se o texto, originalmente digitalizado em .pdf-imagem, se vê depois escaneado para .txt simples, especialmente se se usa um mau programa de OCR [Optical Character Recognition], o resultado é ocorrer grande percentagem de erros de leitura. Foi assim que o incauto Lezim d'Anórvega, acreditou haver lido maScafon [assim mesmo, com S maiúsculo] quando se topou com a singela palavra inglesa “Seafon” [season] num texto de Bacon. Esse trecho baconiano reza o seguinte: "[...] only holding and storing them up for a time, to the end to iffue and diftribute them in a Seafon".
O que, em escrita de hoje, se reduz à seguinte frase: "[...] only holding and storing them up for a time, to the end to issue and distribute them in a season" — sabendo-se que o S minúsculo, na escrita antiga, usualmente se parecia com um F minúsculo algo derreado para a frente.
UM QUEIJO... MASCAFONE?!
Mas, como nesses filmes de terror em que o monstro retorna à vida já nos segundos finais da película, pouco antes de The End e das legendas, Lezim d'Anórvega veio com outra: “Acabo de saber que, na Itália, tem um queijo chamado mascafon ou mascafone!” Lezim estava, mais uma vez, redondamente errado. Mas isto tudo lembra a história (real) do americano bambambã em culinária e, sobretudo especialista em ricota, mas que não pescava muito disto de ler e escrever. Então, quando ouvia uma palavra, ele não tinha certeza da escrita e/ou da pronúncia. Tanto que, certa vez, disse à (sua) mulher italiana: “Hoje, quero comer meu queijo mascafone!” A ítala matrona descarregou-lhe uma traulitada de rolo-de-massa no quengo, raivosa: “Não é ‘mascafone’, seu burro. É mascarpone!”
De fato, mascarpone (sinônimo de mascherpone, pronunciando-se este maskerpône) é um queijo cremoso de cor branca, típico da região da Lombardia, na Itália, e preparado com nata de leite de vaca. Se há um dicionário italiano em que confio é o Garzanti — e fui logo consultá-lo. Pois está lá, sem tirar nem pôr: “Mascarpone [meno commune: mascherpone] = formaggio cremoso di colore bianco, tipico della Lombardia, preparato con panna di latte di mucca”. Sim, mucca é “vaca leiteira”... Um dos sentidos de panna é “nata” [la parte più grassa del latte, che si condensa in superficie quando viene lasciato riposare]. Tanto que panna montata ou crema montata é aquela nata batida que aumentou de volume e se fez cremosa. Diz-se do leite: il latte fa la panna = “o leite dá (produz) nata”. E, por falar nisto, eis outra especialidade em termos de queijos lombados: o pannarone [ou panerone], também branco — mas, ao contrário do mascarpone, fermentado, de pasta grossa e gosto amargo.
ALGUNS COGNATOS
Damos aqui alguns cognatos, em italiano, da palavra mascaron [cognato, do latim cognatus, é uma palavra com a mesma raiz de outra(s), a exemplo de livro, livreiro, livraria etc, da mesma forma que, em termos genealógicos ou familiares, há “parentes por cognação”, “parente cognato” etc]:
·        mascara [màscara] = “máscara” (no sentido comum) e, também, o cosmético líquido ou em pasta para colorir os cílios; rímel
·        mascaron ou mascarone = o mesmo que mascherone; em português, diz-se mascarão, carranca, cabeça de proa, caraça ou cara de pau, especialmente no Nordeste, para designar a figura ornamental na proa de barcos; e/ou a cabeça (ou cara) de metal, pedra ou madeira, geralmente disforme, que adorna chafarizes, tanques, argolas e aldravas de portas etc; o termo carranca, segundo os dicionaristas, pode-se aplicar, na Bahia, à “caraça entalhada em madeira e colorida rusticamente, colocada nas proas das embarcações do rio São Francisco para afastar os maus espíritos”, segundo a crença do folclore [ver o último item, abaixo]
·        maschera = outra forma de mascara
·        mascheramento = mascaramento, o ato de se mascarar ou de ser “mascarado”
·        mascherare = mascarar-se, usar máscara
·        mascherata = mascarada, conjunto de pessoas mascaradas; aparecer mui vistosa e ridiculamente (além de uma composição musical polifônica e específica)
·        mascherato = mascarado; particípio passado de mascherare, como em ballo mascherato, o mesmo que ballo in maschera, “baile de máscaras”, ou em carri mascherati = “carros alegóricos”
·        mascheratura = o mesmo que mascheramento [“mascaramento”]
·        mascherina = pequena máscara, mascarazinha, meia máscara (que cobre a face apenas da fronte ao nariz); em espanhol, diz-se mascarilla; e, em português, mascarilha
·        mascherino = cão ou gato com o focinho de cor diferente daquela do restante do corpo
·        mascherone = aumentativo de maschera e, por extensão, face de linhas distorcidas, deformadas, alteradas —e, por extensão, qualquer ornamento arquitetônico em formato de um rosto feio, grosseiro, amedrontador [como já assinalado, o termo em português é mascarão]

MEXEU COM MEIO MUNDO
Independentemente de se quisessem tomar parte na discussão, o assunto do mascafón chegou, portanto, ao conhecimento de saites, blogs & portais de intelectuais (potiguares ou não) como

     o “Blog do Carito”, de Carlos Estevam Cavalcanti [www.carito.art.br];
     o blog “Substantivo Plural”, de Tácito Costa, em que também escreve Plínio Sanderson [www.substantivoplural.com.br];
     o(s) saite(s) de João da Mata Costa;
     o(s) sítio(s) de Manoel Bomfim;
     o blog “Grande Ponto”, de Alex Gurgel [http://grandeponto.blogspot.com];
     o blog “Mundo Cordel”, de Ismael Gaião [http://mundocordel.blogspot.com];
     o blog “Diário do Tempo”, de Sérgio Vilar [http://sergiovilar.blogspot.com];
     o blog do jornalista e produtor cultural Cefas Carvalho [cefascarvalhojornalista.blogspot.com ou cefascarvalho.blogspot.com];
     o blog “Uns & Unhas, de Mário Ivo [unseunhaseoutras.blogspot.com];
     o blog de Karl Leite [http://kmleite.multiply.com];
     o portal de Jomar Morais e colaboradores [www.planetajota.jor.br];
     o blog de Carlos Santos [www.blogdocarlossantos.com.br];
     o blog do "FestNatal" [www.festnatal.com];
     o blog "Aldeia Poti", de Eduardo Alexandre [http://aldeiapoti.blogspot.com];
     o blog de Thaisa Galvão [www.thaisagalvao.com.br];
     o blog de Franklin Jorge [www.franklinjorge.com];
     o blog “Usina de Letras” [www.usinadeletras.com.br];
     o blog "Alma do Beco" [da Lama], no URL www.almadobeco2.blogspot.com;
     a coluna de Vicente Serejo n'O Jornal de Hoje [www.jornaldehoje.com.br];
     o portal do “Potiguar Notícias” [www.potiguarnoticias.com.br];
     o portal da “Natal Press” [www.natalpress.com];
     o blog “No Minuto” [www.nominuto.com], no qual, entre vários outros, escreve o jornalista Públio José;
     o portal o “Jangada Brasil” [www.jangadabrasil.com.br];
     o blog “O Teorema da Feira”, de Lívio Oliveira [oteoremadafeira.blogspot.com];
     o blog de todo o pessoal do FliPaut [flipaut.blogspot.com];
     o blog “ProTwitter”, de Plínio Sanderson [protuitter.blogspot.com];
     o blog “Ellenismos” [ellenismos.blogspot.com];
     o blog “Vi o Mundo” [www.viomundo.com];
     o blog “Tango Calango Tango”, de Alex Rodrigues [tangocalangotango.blogspot.com];
     o blog de Telga Lima [telgalima.blogspot.com];
     o blog “Viva Babel” [vivababel.blogspot.com];
     os blogs de muita gente boa da lista de discussão “Umas & Outras”, de Clotilde Tavares [www.umaseoutras.com.br]
     e até o blog Anderson Foca e Ana Morena Tavares, da Associação Cultural Dosol - Camarones Orquestra Guitarrística [www.dosol.com.br] — mesmo estando estes dois últimos ocupadíssimos com seu já tradicional Festival DoSol de Música Contemporânea.

MASCARON & ASCARON
Encerrando este escalafobético tema, doravante ninguém mais pode indagar “o que danado é mascafon?”. Porque, em realidade, como ficou provado & comprovado, quod erat demonstrandum, trata-se apenas de mascar fumo — ou, em última, mas só em última instância mesmo, de mascarón, mascherone, mascarpone, por aí... No entanto, argh!, ainda há mais (inclusive coisas também eventualmente algo engraçadas)... Dê o leitor uma boa olhada, por exemplo, no volume 37 da obra Lateinische Dialoge 1200-1400: literaturhistorische Studie und Repertorium [algo como “Estudo sobre o corpus histórico-literário dos diálogos em latim saídos em toda a Europa entre os anos de 1200 e 1400”], de autoria da Dra. Carmen Cardelle de Hartmann (Coleção “Mittellateinische Studien und Texte” [“Estudos e Textos da Média Latinidade”], editora Brill, 2007, ISBNs 9004160337 e 9789004160330).
Trata-se de obra das mais interessantes e úteis. Como se deduz pelo título alemão, apresenta este livro de 832 densas páginas — pela primeira vez na História das Idéias e com o rigor dos estudiosos tedescos — uma relação completa (e a análise) de todos os diálogos produzidos em latim, sob a forma de manuscritos, incunábulos, códice e até livros, durante a Média Latinidade (a Média Idade Média ou Idade Média Média, entre aproximadamente os anos de 1200 e 1400, em contraposição à Baixa Idade Média e à Alta Idade Média). São quase 120 obras, muitas das quais até agora ainda inéditas sob a forma impressa. E um dos méritos do trabalho da Dra. Carmen de Hartmann é nos fornecer não apenas os títulos (e, sobretudo, o conteúdo dos diálogos), mas também seus incipit e explicit, informações precisas sobre os autores, as datas, a transmissão textual, as edições e um sumário de cada obra. Coisa de Primeiro Mundo, enfim.
O ADVOGADO DO DIABO
Procurando resumir a idéia central desta importante contribuição, deve-se assinalar que, entre os séculos XIII e XIV, milhares de obras (incunábulos e, depois, livros tout court) inundaram a Europa Medieval. Eram diálogos, obras didáticas, polêmicas, filosóficas, históricas, introspectivas, morais, voltadas para a Antiguidade... Algumas dessas eram as diversas versões e cópias que chegou a alcançar o pequeno manuscrito encontradiço em várias grandes bibliotecas do Mundo, como — para dar um só exemplo — as coleções especiais da Universidade de Glasgow.
Aí, como em muitas outras bibliotecas ao redor do Globo, acha-se um curioso volume com 10 folhas in quarto e encadernação do século XIX, intitulado Processus judiciarius Mascaron contra genus humanum, sive Tractatus procuratoris editus sub nomine diaboli [“Processo judiciário de Mascaron contra o gênero humano, ou Tratado dos procuradores públicos escrito em nome do Diabo”]. É manifestamente datado de 16 de janeiro de 1486 e foi publicado pela casa editorial do mais ou menos famoso impressor Stephan Plannck [também Planck], de Roma, mas de origem germânica. Inicialmente atribuído a Bartolus de Saxoferrato, o manuscrito tem inúmeras versões, como se disse, todas com diferentes títulos, mas quase sempre em latim:

     Tractatus procuratoris editus sub nomine dyaboli quando petiit iusticiam coram Deo et beata Maria Virgo se opposuit contra ipsum et obtinuit etc [algo como Tratado do advogado que se apresenta em nome do Diabo pedindo justiça, ante Deus, com a Virgem Maria opondo-se às suas acusações contra a Humanidade e obtendo êxito em sua defesa];
     Libellus procuratoris in quo Dyabolus producit litem coram iudice omnipotente Deo contra genus humanum pro quo beata Virgo Maria tanquam procuratrix et aduocata comparens tandem pugnam obtinuit et inimici versuciam confudit (uma edição de Veneza, cujo título é bem parecido: “Libelo do representante do Diabo que, no nome dele, produziu uma lide ante o Tribunal de Deus, juiz onipotente, contra o gênero humano, sendo este defendido pela Santa Virgem Maria, como sua procuradora, guardiã e advogada, a qual pessoalmente compareceu à discussão, obtendo finalmente a vitória, após desfazer todas as astúcias do inimigo”);
     Litigacio mascaroñ [sic];
     Processus iudicarius [A]ccessit mascarõ ad dei oĩpotētis pn̄cia etc;
     Processus iudiciarius Accessit Mascaron ad Dei onipotentis ponencia etc;
     Processus iudiciarius [A]ccessit mascarõ ad dei oĩpotẽtis pñcia ait etc;
     Litigacio manscaroñ genus humanũ finit feliciter Diabolus;
     Tractatus procuratoris editus sub nomine Diaboli;
     Processus iudiciarius, Litigacio Mascaron contra genus humanum;
     Tractatus Procuratoris, editus sub nomine diaboli;
     Processus Satanae contra genus humanum, sive Tractatus procuratoris editus sub nomine diaboli;
     Quaestiones quae fuerunt inter Christum et diabolum [etc]; a edição veneziana inicia-se assim: Cognitione habita apud daemones de Christo pendente in cruce... [“A investigação judicial sustentada por demônios ao Cristo pendente na cruz...”]; e, mais adiante, prossegue: [...] et cum traho hominem traho omnia [“e assim é que, quando arrasto o Homem, arrasto todas as coisas”]...
      
DO MEDIOEVO À COMPADECIDA
Esse Libelo do advogado do Diabo contra o gênero humano, perante o Tribunal de Deus (se nos permite o leitor uma retradução/adaptação do título original) é obra didática, mas também “esotérica”, em que Satanás, chamado Mascaron ou Ascaron, leva o Homem às barras do tribunal divino, pedindo justiça, com argumentos contundentes. Quem advoga em favor do Homem é a Virgem Maria.
Essa “estranha” obra medieval tem cópias, com diferentes títulos em latim, nas coleções de livros raros de diversas bibliotecas, através do Mundo. De quebra, fornece importantes informações jurídicas e históricas sobre a legislação civil e sobre as leis canônicas então em uso. Além do mais, em nosso modesto entender, está na raiz da tradição medieval e cristã da Europa que, passando pela Ibéria, levaria até a cena do julgamento dos personagens na obra-prima de Ariano Suassuna, Auto da Compadecida: o aproveitador e inteligente João Grilo, o covarde e mentiroso Chicó, o padeiro e sua mulher adúltera, o bispo avarento, o bom frade, o padre racista, o desconfiado sacristão, o major-fazendeiro, sendo que a Compadecida (Nossa Senhora, a Virgem Maria) intercede por todos, quer dizer, pelo gênero humano, ao passo que Manuel (Jesus, Deus) preside o tribunal do Céu. No caso, o Encourado (o Cão dos Infernos) seria Mascaron/Ascaron...
AINDA O “MASCAR FUMO” 
Na seção "Cultura" do Novo Jornal, de Natal (RN), edição da quarta-feira, 21/07/2010, o jornalista e crítico Tiago Lopes dava conta, no artigo "Edição revista e desfigurada", de que as supressões e acréscimos feitos por editora na obra de Luís da Câmara Cascudo já vinham há tempos provocando grande polêmica. Escreveu Tiago, em texto informativo e lúcido:
“As livrarias do Natal disponibilizam a partir de hoje [21/07/2010] um livro incomum, que consiste de 182 páginas de notas de rodapé sobre as omissões e modificações feitas em uma reedição de uma obra clássica. O escritor Moacy Cirne afirma que decidiu escrever Dicionário do Folclore Brasileiro: Uma edição desfigurada depois de se irritar bastante com a leitura da edição mais recente do dicionário escrito por Luís da Câmara Cascudo. Especificamente com duas coisas: a consciência de que não se modifica, sob hipótese alguma, o conteúdo de uma obra emblemática; e a omissão dos leitores de Natal em denunciar o que a Global Editora fez com a reedição do Dicionário do Folclore Brasileiro. O lançamento, pela editora Sebo Vermelho, está marcado para às 19h de hoje, na livraria Siciliano, do Shopping Midway Mall. A primeira publicação da obra foi em 1954. Enquanto estava vivo, Cascudo se preocupava em expandir cada reedição com novos verbetes, adicionados por colaboradores, sob a sua aprovação.
“Em 2001, depois de adquirir da família do escritor o direito de republicar todas as suas obras, a Global Editora colocou o dicionário em circulação novamente, sendo essa a sua 11ª edição. Só que, ao contrário da última, revista por Câmara Cascudo, a Global lançou uma ‘revista, atualizada e ilustrada’. Em 2005, folheando aleatoriamente numa livraria do Rio de Janeiro, Cirne leu alguns trechos dessa edição, estranhando omissões e reduções no tamanho de alguns verbetes. ‘Mas deixei de lado na época, porque estava trabalhando com outros projetos’. Em Natal, conversou com o jornalista Vicente Serejo, quando esse lhe disse que notou as mesmas diferenças entre a mais recente e as edições anteriores do dicionário, indicando inclusive a leitura de artigos publicados sobre o assunto pelo poeta Celso da Silveira, que morreu em 2004.
“Pouco depois do carnaval, Moacy Cirne decidiu escrever um livro apontando os erros mais discrepantes entre as edições. ‘É um assunto tão importante que não cabe só na publicação de um artigo; é preciso um documento mais formal sobre [isto]’. Em quase três meses, em algumas noites entrando pela madrugada, comparou entre a edição da Global e a 4ª.  edição do Dicionário — a última revista pelo próprio autor, em 1974, da editora Melhoramentos — os verbetes que mais lhe pareceram modificados. ‘Não fiz verbete por verbete; só comparei os que estavam mais modificados e falei sobre os que foram cortados da nova edição’, admite, lembrando que pode haver ainda mais erros além dos que estão enumerados em seu livro.
“Cirne também não procurou os representantes da Global Editora. Ele acredita que receberia resposta semelhante à replicada a um artigo sob o mesmo tema, escrito pelo antropólogo sulista João Miguel, em agosto de 2005. Na ocasião, o intelectual publicou no portal ‘Observatório da Imprensa’ o texto ‘O dicionário mutilado’. O editor assistente da editora, Luiz Guasco, afirmou que a ‘remodelação’ foi coordenada por Laura della Monica, folclorista e professora da Universidade de São Paulo, e teve acompanhamento por parte dos detentores dos direitos autorais de Câmara Cascudo. Ele completa afirmando que a Global não solicita nem sugere cortes, pois esta não é sua política para a publicação de livros em geral e menos ainda para os de referência.
“No início deste mês, quando a notícia da publicação de Uma Edição desfigurada começou a circular entre os intelectuais de Natal, Moacy acompanhou o que foi publicado em blogs sobre o assunto. Ele se lembra de um texto do professor João da Mata, no blog do jornalista Franklin Jorge, editor de Cultura do Novo Jornal, citando mais uma vez as modificações e omissões. Ao final, a neta de Câmara Cascudo, Daliana Cascudo, comenta que sua família já se reuniu com representantes da Global e que a editora prometeu que a próxima edição não será mais “revista e atualizada”, mas, sim, fiel à última edição revista pelo autor. Cirne, ao falar sobre alguns dos termos suplantados na edição mais recente, supõe que ao menos alguns foram retirados por conta de uma ‘autocensura preconceituosa’. Ele dedica duas páginas do seu livro tentando entender porque termos como MACONHA, IPANDU (sinônimo de cocaína), FUMO e MASCAR FUMO foram retirados da 11ª. edição.”
Supõe-se que a letal combinação da síndrome de abstinência de maconha, ipandu e fumo possa levar o desavisado usuário da mistura a ouvir mascafón ao invés de mascar fumo...
A POSIÇÃO DA GLOBAL
A jornalista Sheyla de Azevedo, do Novo Jornal, contatou a Editora Global, responsável pela publicação do Dicionário do Folclore Brasileiro, de Câmara Cascudo. E o diretor geral da empresa editorial, Luiz Alves, afirmou textualmente que “esse assunto está superado”, tanto no que diz respeito à edição com os verbetes modificados do texto original, assim como também da publicação do livro que estava sendo lançado no dia 21/07/2010 pelo escritor Moacy Cirne.
— Estamos trabalhando na originalidade da obra [de Cascudo] há perto de ano e meio. E já na segunda edição, que sairá [ainda] em 2010, será mantido o texto original, atendendo ao pedido da família — disse [Luiz Alves, acrescentando que] “a primeira edição do Dicionário do Folclore Brasileiro foi compilada a partir de quatro edições de diferentes editoras e que contou também com a colaboração da catedrática da USP, Laura della Mônica (já falecida), contemporânea de Cascudo e responsável pelas modificações nos verbetes, partindo do princípio que um dicionário deve ser revisto e atualizado. Mas, ainda segundo Sheyla de Azevedo, o diretor geral Luiz Alves admite que a edição “não deveria ter sido lançada e que foi uma infeliz atualização”.
Sobre a publicação do livro de Moacy Cirne, que critica a edição da Global, Luiz Alves afirma a Sheyla de Azevedo que houve nisto um certo “terrorismo”, já que a editora sempre atendeu prontamente as solicitações do escritor. “Ele [Moacy Cirne] é um guerreiro; seus questionamentos têm validade, sim; e o trabalho dele é honesto. Mas ele [Moacy Cirne, bem que] poderia levar em conta que redescobrimos as publicações de Cascudo, fora do mercado há 20 anos; e que as modificações não foram um devaneio da editora: foram feitas a partir de uma atualização contemporânea; não quisermos consertar o que já estava certo”, reiterou Luiz Alves, diretor geral da Global Editora.
A POSIÇÃO DA FAMÍLIA
Em texto enviado a Franklin Jorge [06/07/2010] e imediatamente divulgado no blog deste [www.franklinjorge.com], Daliana Cascudo, neta de Câmara Cascudo, revela a posição da família com relação à polêmica edição da Global Editora:
“A Global Editora, que desde o ano 2000, está relançando toda a obra do meu avô tem feito excelente trabalho, no sentido de divulgação e difusão da obra cascudiana, que se encontrava na sua grande maioria esgotada. Especificamente, a reedição do Dicionário do Folclore Brasileiro, ‘revista e atualizada’, tem suscitado muitas críticas, aliás bastante pertinentes. Nós, a família Cascudo, já tínhamos atentado para isto há certo tempo e tivemos, inclusive, uma reunião com a Global Editora sobre o assunto. Nessa reunião, ficou acertado o retorno ao texto original do Dicionário, cuja última modificação foi feita pelo seu autor em 1979. A Global nos prometeu que a próxima edição do Dicionário não será mais ‘revista e atualizada’, mas totalmente fidedigna ao texto original. Não há sentido algum em revisar, atualizar ou modificar o texto do Dicionário, obra prima de Cascudo. O essencial é que se conheça o pensamento cascudiano na sua íntegra, o que é impossível com um texto alterado. Nosso maior desejo é que o Dicionário volte a retratar tão somente os dez anos de pesquisa cascudiana sobre o folclore e a cultura popular brasileira, o que acreditamos seja o sentimento comum a todos os admiradores da obra do maior gênio potiguar.”
NA ANTIGA BABILÔNIA
Fomos obrigados a escrever este multissesquipedal artigo para mostrar que mascafon/mascafón é apenas mascar fumo. E pensar que — até ouvirmos a fatídica pergunta O que danado é mascafón? — estávamos comodamente deitados em fubazenta rede, tomando nosso Periquita e tentando resolver um... problema aritmético dos tempos da antiga Babilônia! Embora Vocês pasmem, é isto mesmo: um problema cuja formulação soa como das mais simples, mas escrito há 4 mil anos, por um treinador de escribas babilônios, numa telha de barro, depois cozida e conservada numa “biblioteca” subterrânea do Oriente Médio: “Se o custo de escavação de uma vala é de 9 gin; se a trincheira tem um comprimento de 5 ninda e meio ninda de profundidade; se o volume de terra movido num dia, por um trabalhador, custa 10 gin; e se o seu salário diário é de 6 se de prata, qual deverá ser, então, a largura do canal?”
Nosso consolo é que o intelectual austríaco-americano Otto Eduard Neugebauer (1899-1990) — matemático, historiador da Ciência, especialista em História da Astronomia e das Ciências Exatas na Antiguidade e Idade Média — teve muito mais trabalho, na primeira metade do século XX, ao dar início à decifração dessas crípticas tabuletas de barro cozido com inscrições matemáticas feitas com sinais cuneiformes, do que nós, agora, ao tentarmos decifrar o mistério do mascafón.
Decifrando as primeiras dessas tabuinhas babilônicas — que ele mesmo descobriu no Oriente Médio e que, de 12/11 a 17/12/2010, compõem a intrigante exposição “Antes de Pitágoras: A Cultura da Matemática na Antiga Babilônia”, do Instituto para o Estudo do Mundo Antigo, na Universidade de Nova York —, Neugebauer vira-se classificado pela Academia Nacional de Ciências do EUA como “o mais original e produtivo scholar da História das Ciências Exatas e, talvez, da História da Ciência, em nossos tempos". Isto por haver intuído e comprovado algo: os antigos babilônios sabiam muito mais de Matemática e Astronomia do que até então se julgava. Em compensação, nós próprios, aqui na Paraíba (e no Rio Grande do Norte), antes de iniciarmos nossa pesquisa sobre o mascafón, sabíamos muito mais sobre mascar fumo do que sobre mascarones & mascarpones...

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