Monday, November 14, 2005

ARTIGO DE 2000 SOBRE O SAUDOSO JOSÉ SOARES NUTO


Coluna Evandro da Nóbrega

sábado, 5 de fevereiro de 2000

Jornal O Norte – 3ª. página do Caderno Show


José Soares Nuto
Atrás das Grades


Ínclitos procuradores da municipalidade serrana julgaram de bom alvedrio solicitar por via judicial o encarceramento do mui pacato titular dos negócios fazendários tabajarinos, Dr. Soares Nuto, há décadas havido como autoridade não apenas imexível quanto de comportamento público e privado absolutamente regrado pelo mais estrito acatamento à Lei.

Razões de monta devem assistir aos nobres juristas borborêmicos, ou de outra forma não recorreriam ao drástico remédio legal, ameaçando colocar atrás das grades o honrado cidadão que equilibra e faz render nosso ralo erário.

Sem perquirir o mérito da questão, suponhamos que vingasse a idéia — e o insigne Lord Exchecker provincial José Soares Nuto fosse mesmo obrigado, debaixo de vara, à contingência de ir bater à enxovia.

Pindobal, Juizado de Menores, Febemaa, Penitenciária Máxima de Mangabeira, casa de correção, Detenção do Róger, solitária, Fernando de Noronha, algemas, galés, farda listrada com número bordado ao peito — ah, isto nem pensar!

Afinal, trata-se de pessoa com instrução superior, gozando do privilégio da prisão especial. Reservar-se-lhe-ia sala livre no Quartel da PM, para mútuo constrangimento do venerável detento e do jovem comandante Ramilton Cordeiro. Afinal, são colegas de secretariado.

Necessitar-se-ia dum carcereiro também especial — um oficial hábil em balancetes e temas que tais, que pudesse manter papo civilizado com o novel cativo, posto a ferros del Rey. Ou remanejar-se-ia para esse posto de guardião o versátil Deoclécio Moura, com a vantagem de entender de auditorias, despesas, receitas et alia?

Com pouco mais, chegariam Pedro Adelson e Adalberto Targino, para checar praxes de segurança e política carcerária. Um consternado Antônio Fernandes, da Administração, comunicaria ao ilustre encarcerado o corte de seu ponto, por ausência ao trabalho — ele, que jamais faltou ao expediente, em 31 anos de BNB e sabe-se quantos decênios como titular de secretarias financeiras aqui e alhures.

Problema iriam ter o Itapuan Botto e o Cerimonial palaciano, tentando saber se deveria ou não o Governador aluir-se da majestade do cargo para visitar no xadrez, em caráter de cortesia, o emérito amigo enclausurado, ou se deveria enviar o diplomático Vice-Governador Roberto Paulino em mais uma difícil missão política — coisa que o saber jurídico de Roosevelt Vita resolveria duma penada.

Com seu habitual cavalheirismo, Luiz Augusto Crispim não teria dificuldades em explicar aos rapazes da Imprensa que não deviam fotografar ou filmar o inesperado detenu no ato de ver o sol nascer quadrado — mercê lei estadual que coíbe imagens de acusados em jornais e tv, antes de sentença condenatória transitada em julgado.

O enérgico procurador João Fernandes Filho lembraria, jurisprudência em punho, ter aprovado há anos, no Judiciário, dispositivo impeditivo da prisão, mesmo administrativa, de autoridades processadas por dá-cá-aquela-palha.

A essa altura, ter-se-ia escalado o Detran para organizar diante do QG a leva de ex-colegas de banco do egrégio presidiário, vindos de Fortaleza, Recife e outras cidades, para solidarizarem-se com o recluso — que, por seus hábitos morigerados bem que poderia habitar algum bispado, abadia ou mosteiro, não o xilindró.

E como assistiria ele à missa dominical, que não perde?

Onde comungaria?

Chamariam o capelão Eurivaldo Tavares, para oficiar no próprio alojamento, prestando-lhe assistência espiritual?

Carlos Pereira, Damião Ramos, Chico Pereira, Sales Gaudêncio e outros chegariam com frutas, sim, mas também com as últimas edições do Diário Oficial e resoluções do Confaz.

Atroz dúvida perpassaria os espíritos — e se atrasar a folha de pagamento, à míngua da já consuetudinária assinatura do ora enjaulado?

Para esse Nuto em cativeiro não valeria a ordem de apagar a luz da cela a partir das 22 h. Oficiais e praças estarrecer-se-iam ao ver que o homem, indo dormir às 20 h, após devorar relatórios de deves & haveres, acorda sempre e religiosamente por volta das 23 h, para continuar essas leituras, voltando a adormecer às 3 da madrugada, para acordar de novo às 4 e retomar o trabalho.

O que não poderia é o tal custodiado da Justiça, como o faz de normal, largar-se para a repartição às 7 h da matina, face às implícitas restrições ao seu direito de ir & vir. Mas o solidário colega secretário, o Dr. Mário Silveira, invariavelmente com ele estaria logo cedo, na cela, para discutir o andamento das privatizações e temas outros que conjuntamente tocam. E Nuto desabafando: “Oh, Mário, bem que muitas vezes roguei ao governador José Maranhão dispensar-me deste espinhoso cargo!”.

Na cela, nada de muambas de fumo, bebida... O preso em questão, quando adolescente, experimentou meia dose de uísque, pegou baita enxaqueca e nunca mais tocou em álcool. Conceder-lhe-iam, na cela, a presença regular e confortadora de Dª. Janete, vez que direito de visita assegura-se até aos mais desalmados criminosos? Com apenado assim, desnecessários cadeados e ferrolhos.

Nem a mente mais fantasiosa imaginaria Dr. Nuto, no negror da noite, descendo da janela da masmorra por um “alvará-de-soltura” — não aquele dos magistrados, mas os lençóis atados pelos quais se desliza muros abaixo.

Quanto tempo passaria Nuto na prisão? Tempo suficiente para gracilianamente escrever suas “Memórias do Cárcere do Ponto de Vista Econômico-Financeiro, Contábil, Fiscal e Administrativo”.

Habeas corpus, Nute!

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