Sunday, October 25, 2009

ELIAS HERCKMANS E... REMBRANDT



BELA E RARA GRAVURA DE REMBRANDT ILUSTROU
UM DOS LIVROS DO FUTURO GOVERNADOR DA PARAÍBA

Apenas seis livros foram ilustrados pelo grande artista holandês Rembrandt — e um deles é o Elogio da Navegação (1634), de Elias Herckmans, que logo depois governaria a Paraíba por três anos (1636-1639). Essa gravura (de 1633) intitula-se “A Nave da Fortuna” e exemplares remanescentes do livro são hoje disputados, a peso de ouro, por colecionadores e antiquários de todo o Mundo.

Livro do governador Elias Herckmans foi
ilustrado pelo grande pintor holandês Rembrandt



Evandro da Nóbrega
ESCRITOR, JORNALISTA, EDITOR

[druzz@reitoria.ufpb.br]

O maior pintor holandês só ilustrou seis livros — e um deles
era de autoria do governador “neerlando-paraibano”

Continuamos, hoje, a fazer mais algumas revelações — totalmente desconhecidas pela esmagadora maioria dos paraibanos — em torno do terceiro Governador holandês da Paraíba.
Foi ele Elias Herckmans, nascido em Amsterdam (1596), falecido em Recife (1644) e que governou nossa Capitania entre 1636 e 1639.
Pouquíssimos por aqui sabem, por exemplo, que certa obra literária de Herckmans viu-se ilustrada por uma depois célebre e raríssima gravura do maior dos pintores holandeses — um dos maiores artistas de todos os tempos, o já então famosíssimo Rembrandt Harmenszoon van Rijn, nascido em Leiden (1606) e falecido em Amsterdam (1669).
Em toda a sua relativamente longa vida, Rembrandt somente ilustrou seis livros — e um deles era de autoria do futuro Governador holandês da Capitania da Paraíba, Herckmans. Este, junto com Rembrandt, Barlaeus, Vossius, Grotius, Vondel, Huygens, João Maurício de Nassau-Siegen e muitos outros luminares, ajudaram a construir o Século de Ouro dos holandeses.
Dizendo de outra forma (e repetindo à exaustão, só para reforçar): um fato pouco conhecido entre nós, a respeito de Herckmans, é que um livro seu veio a ser uma das seis únicas obras a serem ilustradas pelo mais genial dos pintores holandeses, Rembrandt.
Essa obra herckmaniana, grandemente enriquecida por uma rembrandtesca gravura, foi escrita em holandês do século XVII e ainda hoje ostenta inegável valor literário. Intitula-se Der Zee-vaert Lof [= “O elogio da navegação”] e se viu publicada originalmente em Amsterdam no ano de 1634.
Entre outros trabalhos, Herckmans é autor da notável Descrição geral da Capitania da Paraíba [Generale Beschrjvinge]. Graças a esse relatório, ao Elogio da navegação, ao Relato histórico sobre as sangrentas ocorrências na Rússia durante os Smútnoye Vryêmya [= o Tempo dos Distúrbios do Principado da Moscóvia] e a outras obras que nos legou, suas contribuições históricas, etnográficas, geográficas etc jamais deixarão de ser estudadas, em várias partes do Mundo.
Se Herckmans não se houvesse notabilizado 1) pela Descrição Geral da Capitania da Paraíba; 2) por outras realizações intelectuais em termos de poesia, dramaturgia, Historiografia e Literatura; 3) por sua incrível aventura na Rússia (contada domingo passado, nesta mesma página); 4) por sua presença no Nordeste brasileiro como diretor da Companhia holandesa das Índias Ocidentais, especialmente como Governador da Capitania da Paraíba; e 5) por sua razzia, com o almirante Hendrik Brouwer, nas costas chilenas, contra possessões espanholas — nem assim deixaria jamais de ser frequentemente citado em obras já surgidas e a surgirem ao redor do Mundo.
Herckmans não só consta de quase todos os bons dicionários biobibliográficos holandeses, como teve a sorte de o seu Elogio da navegação haver sido um dos seis livros, na História, a contar com uma ilustração de Rembrandt. De fato, Der Zee-vaert lof exibe à página 97 bela gravura in folio datada de 1633 e assinada pelo artista, nascido em Leiden, sim — mas radicado em Amsterdam, terra natal de Herckmans.

Uma raridade bibliográfica

Exemplares remanescentes dessa raridade bibliográfica, constituída pelo livro de Herckmans ilustrado por Rembrandt, são de há muito disputados a peso de ouro por antiquários e colecionadores. E isto se dá, sejamos imparciais, justamente por causa da presença do rembrantesco desenho, intitulado “A Nave da Fortuna” — e não somente por causa dos méritos literários de Herckmans. Estes, no entanto, não deixam de existir, mesmo sob o fulgor da arte e do renome de Rembrandt.
No livro, apenas uma das 18 gravuras é de Rembrandt van Rijn. As demais ilustrações são de outro artista, não tão célebre, Willem Basse.
E há esta ironia na História: apesar de contar com um livro ilustrado por Rembrandt, o “nosso” Elias Herckmans nunca teve um retrato pintado, ou por Rembrandt ou por qualquer outro artista, ao que se saiba (não se conhecem retratos seus).
Em contrapartida, abundam retratos de Gaspar Barlaeus, autor de Rerum per octennium in Brasilia (Feitos recentemente praticados etc). Mas Barlaeus — bem mais conhecido que Herckmans — nunca teve qualquer de seus numerosos livros ilustrado por Rembrandt.

Se Você dispuser de 30 mil dólares livres...

O Elogio da navegação de Herckmans conta em seis tomos os feitos dos navegadores desde... a Arca de Noé, destacando as viagens marítimas de Portugal, Espanha, Inglaterra et alia, até as conquistas marítimas holandesas.
É nas partes IV e V do poema que Herckmans apresenta os feitos holandeses nas Índias Orientais/Ocidentais, inclusive no Brasil.
“Em seis tomos” não significa que a obra preencha mais de um volume: trata-se de um livro só, com 184 páginas e ótimas notas históricas.
Se Você realmente quer ter em suas estantes um exemplar de tal obra de Herckmans, deve verificar se lhe sobram US$ 30 mil e adquiri-la, via Internet — digamos, no Antiquariaat het Bisschopshof.
Está, como se diz, “dentro do preço de mercado”.
Basta lembrar que, em 1999, a famosa casa de leilões Christie’s, de Londres, que só leva a pregão autênticas (e caríssimas) raridades, colocou à venda precioso lote, encabeçado justamente por um exemplar de Der Zee-vaert Lof.
Referindo-se à inclusão da gravura de Rembrandt, o estudioso Borba de Moraes reconheceu haver ela valorizado em muito o livro-poema de Herckmans (para além de se tratar de obra raríssima). Exemplares remanescentes podem ser encontrados no Rijkmuseum de Amsterdam, na Biblioteca da Universidade de Leiden (Holanda), no Brasil (onde há pouquíssimas cópias) e em bibliotecas especializadas da Europa e dos EUA.

Como Herckmans convenceu Rembrandt?!

A pergunta sempre foi: como Herckmans convenceu Rembrandt a ilustrar seu livro?
Nossa modesta pesquisa aponta numa direção (corrija-nos quem mais souber): Herckmans, como Rembrandt, era amicíssimo do notável rabino, escritor, impressor, editor e diplomata luso-judeu Manoel Dias Soeiro ou Manassés ben Israel (1604–1657).
Manassés instalou a primeira tipografia hebraica em Amsterdam e Rembrandt pintou seu retrato.
Eram vizinhos em Vlooienburg, o bairro judeu de Amsterdam.
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[Material publicado na última página do jornal A União,
em João Pessoa, Paraíba, domingo, 25 de outubro de 2009]
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