Monday, November 02, 2009

A ‘AVENTURA CHILENA’ DE ELIAS HERCKMANS


PROVOCANDO A IRA DOS ESPANHÓIS
O célebre almirante holandês Hendrik Brouwer, a quem Elias Herckman, então já ex-governador da Capitania da Paraíba, sucedeu como comandante geral da expedição à ilha de Chiloé e às ruínas de Valdívia. Herckmans sepultou Brouwer nas costas do Chile, sucedendo-o como almirante da expedição — e voltaria depois a Recife, onde morreu (e onde foi enterrado). Mas, em Valdívia, o cadáver de Brouwer foi arrancado da cova e incendiado pelos espanhóis, irritadíssimos com a razzia da dupla de almirantes neerlandeses e seus soldados/marinheiros.

UMA EXPEDIÇÃO RECHEADA DE PERIPÉCIAS
Mapa do arquipélago de Chiloé, nas costas do Chile, uma das primeiras possessões tomadas aos espanhóis pela expedição de Hendrik Brouwer e Elias Herckmans ao extremo sul das Américas. [Se Você clicar em qualquer das ilustrações deste blog, poderá ver a imagem ampliada e seus detalhes]


Primeiro como ‘vice-almirante secreto’ e, depois, como almirante tout court, Elias Herckmans deu muito trabalho aos espanhóis nas costas chilenas


Evandro da Nóbrega
ESCRITOR, JORNALISTA, EDITOR
[druzz@reitoria.ufpb.br]



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Com o almirante Hendrik Brouwer, ex-governador holandês da Paraíba participou de nova aventura — dessa vez nas costas chilenas


Elias Herckmans (1596-1644), terceiro governador holandês da Paraíba, meteu-se em diversas aventuras — guerreiras, administrativas, poéticas, literárias — aqui e alhures: na Rússia, Holanda, Pernambuco, sertões nordestinos... E, finalmente, houve a (também por aqui pouquíssimo conhecida) “aventura de Herckmans no Chile”.
Não podia ficar parado alguém com a energia intelectual e física de Herckmans. Depois de governar da Paraíba por três anos (1636-1639), ele aqui ainda esteve, vindo de Recife, para realizar a famosa expedição ao interior desta e outras Capitanias. O relato dessa sua ida ao hinterland foi publicado não em sua importantíssima Descrição geral da Capitania da Paraíba, concluída antes de 1640, mas no ainda mais famoso livro de Gaspar Barlaeus, Rerum per octennium in Brasilia, de 1647.


E depois da incursão aos Sertões nordestinos?


A expedição sertanejo-nordestina de Herckmans ocorreu para que esse idealista mostrasse serviço à Companhia Holandesa das Índias Ocidentais — e mesmo porque ele era um espírito inquieto, aventureiro, ávido por novidades. Mas nada rendeu, em termos de metais preciosos, embora tenha resultado em valiosas informações adicionais sobre a vida nos sertões nordestinos.
Herckmans participaria de incursão ainda mais célebre: a que realizou, com o almirante Hendrik Brouwer, às costas do Chile, para atacar possessões dos espanhóis. A ordem da Companhia holandesa era atacar o inimigo em suas próprias fontes de riqueza, causando-lhes o maior dano possível, com a destruição de colônias, fortes e benfeitorias, além da pilhagem a seus carregamentos de ouro, prata, madeira etc.


Nassau, Brouwer & Elias Herckmans


Herckmans achava-se em Recife, mais ou menos subaproveitado como diretor, quando, em 1642, chegou a Pernambuco o já então afamado almirante, explorador e administrador colonial Hendrik Brouwer (1581-1643). Este já prestara, desde 1606, destacados serviços à Holanda, no Japão e noutras áreas de ação da Companhia das Índias Orientais. Largou o importante cargo de chefão no Oriente e veio a Recife, ver o que seria possível fazer nas Índias Ocidentais.
O governador do Brasil holandês, João Maurício de Nassau-Siegen, forneceu aos navios de Brouwer as provisões necessárias para que efetivasse o ataque às costas do Chile, com a finalidade de implantar um entreposto comercial avançado nas ruínas de Valdívia. A “aventura chilena” é uma das muitas razões pelas quais "nosso" governador Herckmans jamais deixará de ser citado pela História. Não em notas de rodapé — mas como protagonista.


Uma nova edição da Descrição Geral da Capitania da Paraíba


Em mais uma prova de que tudo em torno destes temas desperta interesse, Heitor Cabral, dono da Editora Linha d’Água, lançará em breve nova edição da Descrição de Herckmans.
A primeira tradução/edição genuinamente paraibana da Generale beschrijvinge van de Capitanie Paraiba somente saiu em 1982, por iniciativa dos historiadores Wellington Aguiar e Marcus Odilon Ribeiro Coutinho, também autores do Prefácio e imperdíveis Notas.


Um relato em diversas línguas


A aventura chilena de Brouwer & Herckmans é relatada não por um, mas por diversos livros. O primeiro relato dessas peripécias saiu em 1646, na Holanda (Amsterdam), pela famosa tipografia de Johanes Blaeu, sob o título (em holandês do século XVII) de Narração histórica da viagem feita do Leste do Estreito de Le Maire às costas do Chile, por ordem de Sua Excelência, o General Hendrik Brouwer etc nos anos de 1642 e 1643.
Embora livro de autoria anônima, não tenho dúvidas de que por lá de alguma forma andou o dedo de Herckmans. Isto por existirem na obra passagens particularmente cultas, a marca dele. Sairiam depois outros relatos, inclusive em 1647, na primeira edição da famosa obra de Gaspar Barlaeus, Rerum per octennium in Brasilia [= Feitos recentemente realizados etc], a fonte mais importante para a História do Brasil holandês, ao lado dos relatórios oficiais e das memórias deixadas por administradores neerlandeses, dentre as quais se destaca a própria Descrição geral da Capitania da Paraíba, de "nosso" Herckmans.
A crônica dos acontecimentos no Chile sairia depois em alemão, inglês, francês, espanhol e noutras línguas, inclusive em reedições holandesas, atendendo ao real interesse que o grande público sempre demonstrou ante esses relatos de viagens marítimas e conquistas de terras exóticas. Em minha humilde biblioteca, disponho desses relatos em diferentes idiomas — e, da leitura deles, salta um Herckmans vívido: ativo, inteligente, culto.


Herckmans “decapitado” na Inglaterra (!?)...


De início, os ataques de Brouwer e Herckmans no Chile surtiram efeito, com a ocupação do arquipélago de Chiloé, a tomada de fortes e o assédio à embocadura do rio Valdívia. Foi só em 1643 que, morto Brouwer, Herckmans pôde ocupar as ruínas da estratégica cidade do mesmo nome (ver abaixo).
De início colaborativos, os indígenas se recusaram depois a ajudar os holandeses, embora combatessem renhidamente os espanhóis. Diante disso, por fim, e tendo ouvido os comandantes militares sob suas ordens, Herckmans decidiu abandonar as costas chilenas, retornando a Pernambuco em 28/10/1643. Em Recife, responsabilizado por aquilo que seus chefes consideraram “o desastre do Chile”, certamente escapou de ser levado a um conselho de guerra por haver falecido no ano seguinte, alquebrado por tantas aventuras e incompreensões. Mais tarde, um livro em espanhol, todo errado, referiu que Herckmans e Brouwer teriam sido... decapitados na Inglaterra (?!), depois de “voltarem” (!?) do Chile...
Mas a expedição Brouwer/Herckmans ao Chile deu alguns resultados. A Espanha teve que gastar extraordinárias somas para construir e/ou (re)equipar fortins em toda a região. Tanto do Vice-Reino do Peru quanto do próprio Reino foram enviados consideráveis reforços humanos e materiais. A cidade de Valdívia — que virou o ponto mais fortificado das Américas! — foi reconstruída do zero. E “aventura chilena” motivou uma obra em holandês do século XVII, depois traduzida para várias línguas e que nunca mais deixou de ser reeditada (ver acima).
Intelectual sob a armadura de guerreiro, Herckmans aproveitou essa trepidante estada nas costas chilenas para igualmente registrar algumas observações sobre os costumes e a língua dos mapuches, anotações essas ainda hoje estudadas Mundo afora.


Espanhóis queimaram o cadáver de Brouwer


Foi como vice-almirante secreto que Herckmans acompanhou Brouwer ao Chile. Isto porque o organiza dor regional da expedição, o conde João Maurício de Nassau-Siegen, temia que o idoso almirante falecesse durante a árdua aventura.
Com poucos dias, a pequena frota, saída do Atlântico para entrar no Pacífico, contornou o Cabo Horn (Estreito de Magalhães). Logo depois, desembarcavam os holandeses na ilha de Chiloé, fazendo pacto com os indígenas araucanos (mapuches), para que ajudassem a recolonizar Valdívia. Depois de incríveis peripécias, o almirante Brouwer faleceu, em 7/8/1643, aos 62 anos. Herckmans, de apenas 47, mostrou então seus papéis secretos aos companheiros e assumiu o comando geral. Em 24/8/1643, as tropas de Herckmans desembarcaram nas ruínas de Valdívia, para fundar novo assentamento holandês, aí sepultando o corpo de Brouwer, cujo nome foi dado à novel colônia [Brouwerhaven = Porto de Brouwer].
Quando, com muita dificuldade, os espanhóis retomaram Valdívia, estavam tão irritados que se vingaram ferozmente da razzia de Herckmans e das perdas anteriores: arrancaram da cova o cadáver de Brouwer e solenemente o incendiaram.
Versado em línguas, Herckmans entendia razoavelmente (e traduzia para os soldados) as ofensas que, da frota inimiga, lhes lançavam os irados espanhóis, no melhor estilo hijos de la puta [está no relato!]. Mas os comandantes e praças holandeses, alvos desses palavrões, divertiam-se à beça, por verem os hispânicos irritados com os ataques batavos — os quais, de fato, lhes causaram muitos prejuízos.

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Publicado na última página do jornal A União, de João Pessoa, PB, em primeiro de novembro de 2009
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2 comments:

Dri, a sereia said...

É tão rico teu blog e o conteúdo aqui poderia ficar para a posteridade de um modo mais amplo se você contribuísse (se já não o faz) para uma plataforma com a chancela da Wikipédia, que é acessada por lusofalantes mundo afora. Abraços e parabéns por postar tanta informação rica. Adriana

Dri, a sereia said...
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