Sunday, November 08, 2009

PEQUENA HISTÓRIA DO MURO DE BERLIM



Símbolo da Guerra Fria, o incrível Muro de Berlim — cuja queda se deu exatamente há duas décadas, num dia 9 de novembro como este — durou quase 30 anos e aumentou as tensões entre os EUA e a URSS



Evandro da Nóbrega

ESCRITOR, JORNALISTA, EDITOR

http://druzz.blogspot.com

druzz.tjpb@gmail.com



Nas páginas centrais deste Caderno Especial de A União, W. J. Solha felizmente já nos brindou com sua visão mágico-fantástica da Queda do Muro de Berlim, que faz 20 anos neste 9 de novembro de 2009. Aqui, nesta última página, o leitor encontrará abordagem mais factual do que foi o Muro — e por que ele caiu.


Hoje, dia 9, na capital alemã, haverá grandes comemorações — iniciadas de véspera, aliás, pelo show da popularíssima banda irlandesa U2, a qual sempre se aliou a causas políticas e humanitárias.


Por esta e outras, já se vê que não se trata apenas de uma comemoração da Alemanha, mas de praticamente todo o Mundo, em especial os chamados países democráticos — alguns dos quais, em verdade, vivendo em regime de democradura.


O Muro de Berlim, que media uns 140 km, constituiu o próprio símbolo da Guerra Fria, aquele tenso período que se iniciou logo depois da II Guerra Mundial e que se estendeu até a débâcle da URSS, em 1991.


Nessa fase da História da Humanidade, EUA e URSS mantiveram danosíssima queda-de-braço, alimentando guerras localizadas em várias partes do Planeta. A espada de Dâmocles da guerra nuclear (e da consequente extinção das espécies na Terra) balançava perigosamente sobre a cabeça de todos.


Foi o “estouro da manada”


Há exatamente 20 anos, em 9 de novembro de 1989, as autoridades da Alemanha Oriental não suportaram a pressão das massas e permitiram, em 9 de novembro de 1989, a visita de qualquer de seus cidadãos ao lado ocidental.


Houve como que um estouro da boiada: multidões correram para o Muro, a fim de ultrapassá-lo. Do "lado de cá", os cidadãos "ocidentais" acorreram à grande parede, a fim de confraternizar com os irmãos de há muitos separados.


E, ali mesmo, em Berlim, iniciou-se o trabalho de demolição do colosso, primeiro com canivetes, depois com picaretas, marretas e tudo o mais. Uma dramática festa. Pedaços do muro, que levou tempo para ser totalmente posto abaixo, eram guardados como lembrança.


Uma “parede antifascista”...


Os alemães ocidentais conheciam o Muro como Berliner Mauer (Muro de Berlim), ao passo que, no lado oriental, a designação oficial era mais burocrática: Antifaschistischer Schutzwall, algo como "o muro protetor contra os fascistas"). Em inglês, a expressão correta é Berlin Wall. Já os russos, outros interessados no caso, o chamavam de Byerlinskaya Stiná [= “A Parede de Berlim”].


Essa pedra, corporificada no Muro de Berlim, já havia sido cantada desde 1946, pelo primeiro-ministro britânico Churchill, quando se referiu a uma "cortina de ferro" que (então só ele) via baixar sobre o Leste europeu.


O Muro circundava toda a Berlim Ocidental. Essa parte da cidade ficou totalmente separada não só da Alemanha como da própria Berlim Oriental, sem se considerar a ainda mais longa fronteira entre as Alemanhas Oriental e Ocidental.


A derrubada do muro abriu caminho para a reunificação da Alemanha, materializada formalmente a 3/10/1990.


A fuga oriental de cérebros e de mão-de-obra


O Muro de Berlim durou de 1961 a 1989, por quase 30 anos. Dispunha de torres de guarda, não tendo sido poucos os que encontraram a morte tentando escalar as altas paredes de concreto para deixar o "paraíso oriental" e ingressar no "céu capitalista".


Tudo começara quando Berlim se viu ocupada por exércitos russos, americanos, ingleses e franceses. O Tratado de Potsdam deu a cada parte o governo de uma das zonas. Mas Berlim era caso especial: sediava o Conselho dos Aliados, ficando na zona russa da Alemanha. Os conflitos não demoraram a surgir.


Houve, então, uma "Berlim Oriental" e uma "Berlim Ocidental", como logo em seguida haveria uma Alemanha Oriental (a República Democrática Alemã, RDA) e a República Federal da Alemanha (RFA), esta com capital em Bonn.


Os métodos empregados pelos novos patrões soviéticos, na Alemanha, eram os mesmos vigentes na URSS, incluído o uso das forças armadas e da polícia secreta para controlar tudo. Aí veio a crise pela escolha de uma nova moeda alemã, resultando no bloqueio de Berlim, pelos soviéticos, em 1948: nada podia entrar na cidade.


Os demais aliados tiveram que inventar uma espécie de "ponte aérea" para abastecer Berlim. Os protestos fizeram com que o bloqueio fosse suspenso em 1949. Em fins desse mesmo ano, surgia oficialmente a Alemanha Oriental (RDA), na prática gerida pela URSS.


Do "lado de cá", a Alemanha Ocidental (RFA) fazia o contrário: seguia exitosamente o caminho capitalista, inclusive com eleições. De modo que, já em 1950 (e até 1952), iniciou-se a "corrida" de "orientais" para a parte germano-ocidental.


Se a fronteira ficasse aberta, continuaria o êxodo dos "alemães orientais" para a Alemanha Ocidental — uma espécie de corrida de mão-de-obra e de cérebros para o capitalismo que já desfalcara o "lado russo" de uns 3,5 milhões de cidadãos.


Mesmo depois de construído o Muro, cerca de 5 mil "orientais" tentaram escapar do "lado de lá", morrendo uns 200. Na parte alemã, de regime soviético (e onde os cidadãos claramente desejavam que as tropas russas voltassem para casa, isto é, para a URSS), as indústrias foram todas estatizadas. Enquanto isso, os EUA e outros aliados acenavam com o Plano Marshall, de reconstrução capitalista do país.


O grave tema chegou a ser tratado

pessoalmente por Stálin e Khrushtchov


O caso da fuga de alemães orientais para o lado ocidental chegou a ser levado ao próprio Stálin, que, a essa altura já totalmente paranóico, determinou o rígido fechamento das fronteiras.


Em 1955, alguns passes especiais para visitas ao "outro lado" ainda eram permitidos. Mas, no ano seguinte, tudo se fechou realmente na fronteira entre os "dois países", que, idealmente, era um só, mas tinha moedas diferentes. Em Berlim, porém, tais restrições não eram tão rígidas quanto depois passaram a ser.


Os EUA começaram a dizer abertamente, então, que a URSS não suportava a comparação feita naturalmente pelos cidadãos entre a prosperidade do lado ocidental com a relativa pobreza do lado oriental — piorada ante as defecções da inteligentsia germano-oriental em prol da RFA. A RDA respondia, entre outras coisas, que os emigrantes eram covardes, que só pensavam na boa-vida capitalista, deixando seus irmãos sozinhos e em maiores dificuldades.


A construção do muro — precedida em 1961 pela instalação de arame farpado em quase toda a "fronteira" — foi aparentemente sugerida pelo próprio premier soviético Nikita Khrushtchov [pronuncia-se rrusshtchióf].


Sua construção iniciou-se ainda em agosto desse mesmo ano. Para isto, tropas germano-orientais bloquearam as passagens ainda abertas e trabalhadores chegaram em caminhões, com largos blocos de concretos. Uma ordem era atirar em quem se opusesse à estranha construção.


Um dos primeiros resultados disto é que muitas famílias alemães ficaram separadas, com integrantes em ambos os lados do Muro. Protestos se iniciaram em várias partes do Mundo, piorando ainda mais (se isto era possível) o clima da Guerra Fria — mas as autoridades da Alemanha Oriental fizeram ouvidos de mercador.


A queda do Muro

& a derrocada

da URSS


Em 1963, o presidente americano Kennedy visitou o Muro de Berlim e disse, em alemão, "Ich bin ein Berliner!" (Sou um berlinense!"). Mas uma coisa são as boas intenções e, outra, a realidade político-estratégica da realista diplomacia mundial. O próprio governo americano revelou depois: defenderia os alemães ocidentais e não se meteria com a vida dos orientais. Terminou por reconhecer o Muro como fato consumado.


A bem da verdade, as unidades americanas em Berlim até respiraram aliviadas ao verem que, com a construção da big wall, diminuíra consideravelmente o perigo de tropas germano-soviéticas as atacarem, visando à retomada de toda Berlim...


De todo modo, os EUA, sob pressão da Alemanha Ocidental e França, aumentaram em muito sua presença militar em Berlim. E, do lado oriental, um dos "bons resultados" do Muro foi uma relativa recuperação econômica.


Como era uma contradição dentro de uma contradição, o Muro não poderia mesmo subsistir — como não subsistiu o regime antidemocrático que, local e mais remotamente, lhe servia de suporte. Primeiro porque baseado nas verdades absolutas de um Partido único e, depois, porque já trazia em seu cerne, como diria o próprio Marx, o germe mesmo de sua negação dialética...


E tenha em mente: o Muro de Berlim era algo bem diverso — mas algo bastante diverso mesmo — do que é, hoje, o muro construído pelo Estado de Israel para diminuir os irracionais ataques de terroristas suicidas a seus cidadãos.

Mas esta já é outra história.


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[Este artigo foi originalmente publicado no Caderno Especial com que o jornal A União, de João Pessoa (PB), assinalou, em em 8 de novembro de 2009, a passagem dos 20 anos da queda do Muro de Berlim, a 9 de novembro de 1989]

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