Sunday, November 15, 2009

UMA BRIGA DE CACHORRO GRANDE...

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Diante do Cabo Branco, ponto mais oriental das Américas, uma decisiva batalha naval entre Holanda e Espanha/Portugal


Evandro da Nóbrega
ESCRITOR, JORNALISTA, EDITOR

URL: http://druzz.blogspot.com
E-mail: druzz.tjpb@gmail.com



W. J. Solha, um dos maiores intelectuais que já pisaram nossas plagas, escreveu...


Bem, em se tratando de Solha — que, afora escritor, crítico, romancista et alia, é também pintor — não se pode dizer apenas que "ele escreveu".

No caso, utilizou-se ele da "escrita ilustrada", num artigo cheio de quadros, fotos, esboços, desenhos etc, para sublinhar a circunstância de haver eu divulgado por aqui certos fatos absolutamente desconhecidos sobre Elias Herckmans, terceiro governador holandês da Paraíba.


Entre as revelações que fiz recentemente — 1) nesta mesma A União; 2) no blog Druzz OnLine; 3) no superblog cultural El Theatro; e 4) no Portal PS OnLine —, estão aquelas de que Herckmans teve


a) uma aventura russa antes de vir governar nossa Capitania;


b) um livro seu ilustrado por ninguém menos que Rembrandt; e


c) relevante papel no ataque feito por holandeses partidos de Pernambuco para atacar colônias dos espanhóis nas costas do Chile.


O artigo de Solha — intitulado "Druzz, Herckmans, Rembrandt, Frans Post e uma batalha naval ante o Cabo Branco" — pode ser lido num dos mais elogiados e tematicamente variegados blogs culturais do Nordeste, o de Elpídio Navarro [www.eltheatro.com].


E esse escrito solhiano refere-se também a um fato bem conhecido dos historiadores, mas quase inteiramente ignorado pelo leitor médio: a série de batalhas navais entre holandeses e luso-espanhóis ocorridas em janeiro de 1640 nas costas nordestinas, uma das quais se feriu diante do Cabo Branco — o ponto mais oriental das Américas.


Pelo menos quatro dessas batalhas navais, que se estenderam por quase uma semana, viram-se retratadas em águas-fortes traçadas pelo notável artista Frans Post, do entourage científico-cultural trazida ao Nordeste pelo conde alemão Maurício de Nassau-Siegen, a serviço dos interesses holandeses.


Tais combates foram, sim, uma briga de cachorro grande.


Envolvendo duas grandes potências da época, duraram sangrentamente de 12 a 17 de janeiro de 1640, com a frota holandesa (sob o comando do almirante Willem Loos) e a armada luso-espanhola (liderada pelo Conde da Torre, Dom Fernando Mascarenhas) lutando desesperadamente. Os holandeses ganharam a parada.


Num tempo sem TV, deve ter sido espetáculo assombroso assistir, do Cabo Branco, à feroz luta de tantos navios.


Ribombar de canhões, incêndios em várias naus, gritos de incentivo, pragas de dor, grunhidos de afogandos, pavor dos marinheiros, águas tintas de sangue, fumaça escondendo o céu e o horizonte, estilhaços de madeira das naves matando mais que os petardos propriamente ditos — tudo isso constituía algo decerto também aterrorizante para quem se achava em costa firme: a cruel refrega não se desenvolvia só no mar, mas também em terra.


Como disse Barlaeus, "a fúria do guerrear desconhece a moderação".



Nosso ‘alvo promontório’, tinto de sangue...



Essas gravuras de Post, juntamente com outras realizações artísticas de alto valor ilustrativo e histórico, saíram na primeira edição (a mais completa) da obra de Kaspar van Baerle (Casparus Barlaeus) sobre a "História do Brasil Holandês".


A obra foi intitulada, em latim, de Casparis Barlaei, Rerum per octennium in Brasilia et alibi nuper gestarum, sub praefectura illustrissimi Comitis I. Mauritii, Nassoviae, &c. Comitis, nunc Vesaliae gubernatoris & equitatus foederatorum Belgii ordd. sub Auriaco ductoris, historia. Amstelodami, Ex Typographeio Ioannis Blaeu, MDCXLVII.


Ampliando o título dado em português por seu tradutor Cláudio Brandão, podemos assim verter a designação:


"[Obra de] Gaspar Barlaeus, com a História dos feitos recentemente praticados no Brasil, durante oito anos, sob o Governo do ilustríssimo Conde João Maurício de Nassau, etc, ex-Governador e Capitão-General de Terra e Mar ali e ora Tenente-General da Cavalaria das Províncias Unidas da Holanda, sob o Príncipe de Orange, e Governador de Wesel, [saída em] Amsterdam, na tipografia de João Blaeu, 1647".


A frota luso-espanhola viera da Bahia e fora avistada primeiramente nas proximidades da Paraíba.


Depois, foi seguida em Tamarica, como os neerlandeses chamavam a pequena mas próspera Capitania de Itamaracá.


Finalmente, deu-se a primeira e violenta refrega, entre a ilha de Itamaracá e Goiana.


O segundo combate, à vista do Cabo Branco, foi dos mais renhidos.


Na África, entre Mazagan e Safi, havia outro ‘Cabo Branco’, promontório que, ao longe, parecia bem claro aos olhos dos navegantes.


Por sua vez, esse outro ‘Cabo Branco’ não deve ser confundido com o ‘Promotorium Album’ (versão latina do árabe Ras al-Abiyad), que ficava perto de Tyro, no Oriente Médio, e foi citado pela História Natural de Plínio, o Velho.



Ferocidade dos combates assombrou

até gente acostumada a carnificinas



No primeiro combate, dia 12, entre Itamaracá e Goiana, morreu entre muitos outros, o almirante Willem Loos, sucedido por Jacob Huyghens.


No dia seguinte, 13, na "refrega cruenta e terrível" travada à vista do Cabo Branco, tão intenso era, de parte a parte, o furor da artilharia, que o fumacê escondia "aos olhos o próprio céu e os inimigos".


No dia 14, de manhã cedo ao por-do-sol, os holandeses atacaram por vez terceira a frota hispano-lusitana, a duas milhas da costa da Parahyba, não sendo pequeno o número de "trucidados a ferro ou tragados pelas águas".


A 15 de janeiro, com a frota luso-espanhola já em fuga, os holandeses viram que ela se dirigia ao Rio Grande do Norte. Enviaram então um veloz iate ao Forte Ceulen, em Natal, para avisar do perigo.


No dia 16, o combate, agora nas proximidades do Cunhaú, no litoral do Rio Grande do Norte, durou novamente da aurora ao entardecer.


No dia 17, os "galegos" promoveram o ataque final aos combalidos hispano-lusitanos, que já nem de água podiam se abastecer nas costas nordestinas.


Os holandeses descansaram então, por uns dias, em Natal, e, a 1o. de fevereiro, chegaram vitoriosos a Pernambuco, comemorando com "fogueiras, luminárias e salvas de artilharia".


No discurso a seus homens, quando dos preparativos para a importante batalha — em que o Conde da Torre tentaria sem êxito retomar Pernambuco dos holandeses —, o conde de Nassau, "rei" batavo no Nordeste brasileiro, chamara a atenção para a seriedade de tal confronto naval: se vencessem, todo o império brasileiro poderia ser deles.


A armada ibérica partira da Espanha. Depois de ultrapassar o Cabo Verde e de haver "percorrido o começo do Oceano Etiópico", fora "arremessada pelos ventos e correntes em frente do litoral do Cabo de Santo Agostinho", nas costas nordestinas.


Daí rumou para a Bahia, já perseguida pelas naus holandesas, mas conseguiu refugiar-se no Recôncavo. Depois disto, e com muitos reforços novos, entre os quais 34 vasos de guerra, dois dos quais com 16 bocas-de-fogo, mantimentos e mais soldados portugueses — é que se dirigiu às costas de Pernambuco.


Em Alagoas, foram desembarcados 2 mil homens, que deviam seguir por terra e atacar Recife. A armada hispano-lusitana contava ao todo com 93 embarcações, entre as quais 24 galeões, que "aterrorizavam pela sua enormidade".


Só a nau-almiranta espanhola San José contava com 54 canhões de bronze. As naus menores, com capacidade 100 a 400 toneladas, conduziam milhares de homens, "alistados na Espanha, Portugal, Bahia, Rio de Janeiro e Rio da Prata".


A armada holandesa contava somente com pouco menos de 35 naus — mas sua grande vantagem era a mobilidade: enquanto os pesadões navios ibéricos tinham dificuldade em realizar manobras, as leves naus batavas moviam-se com rapidez.


Assim, apenas da citada nau hispânica San José, que levava 700 homens, morreram 400.


Não é de estranhar, portanto, que o Conde da Torre, após lutar o ruim combate, tenha regressado à Europa, esquecendo isso de retomar Pernambuco das mãos dos batavos.


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[Publicado originalmente na última página da edição de 15 de novembro de 2009 do jornal A União, João Pessoa, PB]

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