Friday, September 03, 2010

COMO FOI A REUNIÃO DOS POETAS POPULARES EM JOÃO PESSOA (1)

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[Clique na foto para ampliá-la — inclusive com sua legenda!]

Não importa se a desoras! 
O fato é que o José Nêumanne Pinto compôs [a posteriori] sua magnífica oração receptiva da Medalha "Rogaciano Leite" — e agora nos envia, sem maior destempo ou delonga, “o discurso feito depois de não ter sido lido” 

Não tem que entender nada, previamente! É só meter a cara e ler! 

Reunião Plenária da Academia Brasileira de Literatura de Cordel, no sábado, 21 de agosto, trouxe a João Pessoa grande número de poetas populares de todo o Brasil. O que o leitor vai encontrar nesta série de textos não se pretende a melhor cobertura do encontro — mas deverá ser a cobertura mais extensiva... Além do mais, vai-se ela ampliando pelo envio de novos materiais da lavra dos participantes...



Evandro da Nóbrega,
Escritor, Jornalista, Editor
[druzz.tjpb@gmail.com]
[druzz@reitoria.ufpb.br]


FOTOS de Michelle Cristina Oliveira


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Este artigo é  também reproduzido pelos seguintes URLs:

- Blog Cultural EL THEATRO, de Elpídio Navarro: www.eltheatro.com  


- Portal PS OnLine, de Paulo Santos: www.psonline.br.com

- Portal Literário RECANTO DAS LETRAS: http://recantodasletras.uol.com.br/autores/druzz


- Portal do Jornal A UNIÃO ON LINE: www.auniao.pb.gov.br

- Blog DRUZZ ON LINE, de Evandro da Nóbrega: http://druzz.blogspot.com

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Quando recebeu a Medalha “Rogaciano Leite”, José Nêumanne Pinto bem que ensaiou dizer umas palavras — e as disse, de fato, embora num ambiente em que a alacridade, por um lado e, por outro, o cansaço da maioria dos presentes, já não permitiam grandes interações do pensamento, só as do sentimento... Voltando para o hotel, em João Pessoa, e inspirando-se na bela visão de sua deusa Magda, não deu outra: ele escreveu... “o Discurso Feito Depois de Não Ter Sido Lido”, que vai aqui transcrito tintim por tintim, para gáudio de quem participou dessa Plenária da ABLC:

“O adiantado da hora e o cansaço da plateia me impediram de fazer um discurso mais ou menos assim (pois seria de improviso), ao receber a Medalha Rogaciano Leite, da Academia Brasileira de Literatura de Cordel, sábado, 21 de agosto de 2010, no Cine Banguê, do Espaço Cultural José Lins do Rego, em João Pessoa, Paraíba:

Céus, o que estaria fazendo aqui este operário da palavra que nunca escreveu um folheto de cordel na vida? 
Era o que eu matutava ali à mesa do lado do Conselheiro Luiz Nunes Alves, meu confrade na Academia Paraibana de Letras, o poeta popular Severino Sertanejo, mais enfronhado em poesia de bancada que Patek Philippe em algibeira.
O presidente da Academia Brasileira de Literatura de Cordel (ABLC), e vai ser presidente assim no raio que o parta, Gonçalo Ferreira da Silva, poderia ser meu primo, pois, afinal, é cearense e também do Ceará desembarcou na Baixa Verde, na Serra de Luís Gomes, meu avô materno, Francisco Ferreira da Silva, em cuja casa paraibana nasci, depois que ele cruzou os limites do Rio Grande do Norte para se instalar nas terras herdadas do sogro, o coronel Alexandre Moreira Pinto, no Rio do Peixe. 
Pode, então, até ser nepotismo, não é mesmo? Pois é. 
Mas um primo nosso comum, mais antigo, este das bandas de Serra Talhada, em Pernambuco, ali pertinho da Pedra do Reino de mestre Ariano Suassuna, chamado Virgolino, além de Ferreira da Silva, cometia lá seus versinhos. Consta que é da autoria de Lampião a canção de ninar Mulher Rendeira, que ganhou o mundo e rendeu uns trocados ao malandro cajazeirense Alfredo Ricardo do Nascimento, o Zé do Norte, com quem andei tomando chopes e lapadas no Bar Brasil, por incrível que pareça um restaurante alemão na Lapa, no Rio, na companhia de Zé Ramalho e Ciro Fernandes, o Ciro de Uiraúna.
Ciro é de Uiraúna, como diz o nome de paz do sobrinho do grande lutiê e artesão Chico de Maroca, assim como Chico Salles é de Sousa, 36 quilômetros a leste. Os dois, juntos, produziram o melhor livro de literatura infantil que já vi, Cordelinho, lançado pela editora carioca Rovelle. A relação que tenho com o livro é ter escrito a apresentação da segunda edição, pois perdi o prazo na primeira e, quando vi a beleza que o volume ficou, tratei de aceitar logo a parceria. 
Se não foi nepotismo de Gonçalo Ferreira, só pode ter sido proteção do parceiro de meu conterrâneo Ciro, a meu ver, o melhor xilogravador do Brasil. É claro, dirá o paciente leitor a quem este autor não poupa o tempo que poupou aos imortais da ABLC, que só me deram dois minutos e meio para agradecer a outorga da Medalha “Rogaciano Leite”, que muito me honra e não sei nem se mereço.
Então, é isso, só pode ser isso. Chico Salles, artista múltiplo, que me flagrou certa vez dançando no Carioca da Gema, na Lapa de Zé do Norte, Ciro e Zé Ramalho, justo na noite de forró que comemorava o aniversário de meu amigo e rei Luiz Lua Gonzaga do Nascimento, pode ter tentado enrolar seus pares com alguma conversa mole sobre folhetos que não escrevi. 
Isso até me lembra um episódio engraçado. Certa vez, a colônia armênia em São Paulo convidou-me, não sei por que cargas d’água, para ser o orador da solenidade em que anualmente homenageia a memória de seus mortos massacrados pelos turcos. Ao ser recebido na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo por seu presidente, Walter Feldman, ouvi dele a afirmação inusitada de que eu não era apenas um jornalista respeitado e um poeta de escol, mas principalmente um grande contista. Contou à plateia que ganhou das mãos de Mário Covas em pessoa meu livro de contos, que até aquela data estava em sua cabeceira. Como diria o velho Chico Ferreira, no Rio do Peixe, que não tem água e, portanto, não tem peixe, co’s diacho! Esse menino, eu nunca escrevi um conto na vida, nem pra remédio. Será que Mário Covas também havia dado de presente um folheto de cordel que nunca escrevi pro meu amigo sertanejo Chico Salles? Vai ver, deu!
Chico vai dizer que eu prestei grandes serviços ao cordel como propagador da arte, porque andei escrevendo umas bobagens em jornal e falando umas tolices em rádio e TV sobre a nobre arte de relatar a realidade em versos impressos em folhetos vendidos em feiras livres no sertão. 
Manoel Monteiro, de quem invejo o tom metálico de sua voz marcante, meu colega diabético, lhes contará que apresentei alguns de seus folhetos ao público do Sudeste, que se interessa tanto pelo valor dessa modalidade de poesia popular que a maior editora do gênero, a Luzeiro, fica no Brás, enclave nordestino em São Paulo de Piratininga. 
Aderaldo Luciano, de pseudônimo Luiz Cangaceiro, passou a dirigir uma editora próspera, como prosperam os poetas de viola que vivem na Pauliceia Dilacerada do poeta de Cajobi Mário Chamie, sob a batuta do líder Sebastião Marinho. Testemunho maior disso dará aqui nosso presidente mais presidente que existe, que sediou a Academia que preside nas proximidades do Campo de São Cristóvão, que cheguei a frequentar diariamente, mas não por causa da feira nordestina, que é semanal, e sim pelo queijo da Serra da Estrela, de Portugal, que me deliciava o paladar no velho Adegão Português, de Guerra Junqueiro e paz.
Gonçalo Ferreira da Silva, primo meu e de Lampião, conforme atestam os sobrenomes, sabe disso. E, como ele, sabe Ciro, meu conterrâneo e parceiro de Chico Salles. Ciro foi pintor de boi em parede de açougue e arte-finalista em agência de publicidade. Nasceu no seio do povo do sertão ermo, mas aprendeu a técnica da xilogravura de capa de folheto de cordel com mestre José Altino, das quebradas de Cabo Branco, pátria dos alísios do Atlântico. Largou tudo – arte final de anúncios e ilustração em jornais - para vender suas xilogravuras na feira de suas raízes, ali nas proximidades da Quinta da Boa Vista, onde a Corte se regalava.
Na verdade, se algum serviço este profissional da palavra escrita e falada prestou à poesia popular sertaneja, foi ouvir embasbacado um desafio em que Otacílio Batista se bateu com Diniz Vitorino, em meu apartamento na Consolação paulistana. A função lembrou noites de viola enluarada na calçada alta da casa onde nasci nas brenhas da bacia do Rio Piranhas, à qual pertence o Rio do Peixe, que também não tem piranhas.
Naquele tempo, tudo o que eu sabia de cordel havia lido na coleção da Casa Ruy Barbosa, preparada com esmero pelo poeta Sebastião Nunes Batista, cuja biografia foi traçada com exatidão e eficiência pelo colega João Dantas, que adentrou a ABLC sem ter de sair do sítio junino que criou e faz funcionar no Parque do Povo no Maior São João do Mundo, em Campina Grande, lá no alto do Planalto da Borborema. Bem-vindo à Academia, cabra véi!
Pode ser também que a concessão desta medalha tenha que ver com a lembrança de que só mesmo uma cavalar falta de talento impede este agraciado de escrever a boa poesia de bancada. Bem que a leitura de Leandro Gomes de Barros na coleção de volumes pesadões e cujas páginas tinham de ser abertas a espátula para serem devoradas pela traça que lhes fala, da Casa Ruy Barbosa, poderia ter animado um pouco do escasso talento e da verve deste homenageado. 
Que nada! De nada valeram as lições de Átila Almeida e José Alves Sobrinho com sua pesquisa de prelo em prelo no interior para produzirem o monumental Dicionário Bio-Bibliográfico da Poesia de Bancada, editado em Campina Grande. As visitas a Átila serviam de exemplo para quem quisesse saber de onde se originava a verve do dono da maior biblioteca de cordel do País, herdada do pai, o historiador Horácio Almeida, de Brejo de Areia. O jardim da casa no Bairro da Prata, pertinho do Colégio Estadual, onde estudei, era povoado por serpentes venenosas que o ciumento mestre fazia questão de proteger com placas avisando que o transeunte incauto jamais deveria cometer a indelicadeza de machucá-las, perturbá-las ou mordê-las.
Nossa prosa sempre abordava a herança em folhetos de poesia do dono da casa e o trabalho de decifrar a Itacoatiara do Ingá, com suas inscrições rupestres, empreendido por sua mulher, a antropóloga Ruth. Falávamos do trabalho pioneiro do general Humberto Peregrino, em Santa Teresa, no Rio de Janeiro. Eita, saudade da peste!
Ah, também não posso esquecer o melhor exemplo de que Manoel Monteiro estava certo em seu discurso brilhante, quando pregou a necessidade de modernizar o cordel. Falo do trabalho profícuo dos irmãos Viana – Klévisson e Arievaldo. Tive a honra de apresentar a obra de Klévisson na coleção de folhetos reproduzida em livros pela editora paulistana Hedra, por iniciativa do belga Joseph Luyten, com a ajuda de outra acadêmica europeia, Silvie Debs. Nem deixarei de citar o reconhecimento da Europa ao trabalho de Francisca Neuma Fechine Borges. Minha professora de Português no Estadual da Prata, foi uma especialista renomada e reconhecida academicamente no mundo inteiro pela competente dedicação com que adotou a literatura de cordel na Universidade Federal da Paraíba.
Minha presença aqui, no Cine Banguê, pois, só pode ser justificada pelo convívio com esse povo todo. Convivi, por exemplo, com o patrono da medalha, Rogaciano Leite. Não o conheci pessoalmente, mas devo a um de seus melhores amigos, meu também quase conterrâneo Eurícledes Formiga, conhecido em São João do Rio do Peixe, ou Antenor Navarro, ou o que seja, município do qual Uiraúna era distrito quando nasci, em 1951, como Euriclides, paroxítono assim. Este o citava e dizia de cor sua obra inteira. 
Formiga era um memorialista formidável, capaz de repetir textos imensos que acabara de ouvir e, depois, dizê-los ao contrário, além de recitar incontinenti a palavra numerada que o interlocutor lhe solicitasse. Foi ele quem me levou a Cláudio Abramo e à Folha de S.Paulo, em 1970, dando-me, ao mesmo tempo, emprego e profissão. Foi também ele que gerou o vereador Quito, autor do projeto, aprovado por unanimidade, que me concede o que já sou de fato e agora serei de direito: cidadão paulistano.
Este convívio se estende aos homenageados desta tarde, cada qual com seu cada qual. Quando Zé Ramalho estourou no Sudeste com seu primeiro LP, a CBS encarregou-o de produzir um selo com artistas novos. Ele pôs a rodar no aparelho de som de minha casa, em São Paulo, o disco de estreia de um pernambucano adotado pela Paraíba com versos gongóricos e voz de tenor. Era Oliveira de Panelas. Mostrei a Zé a semelhança daquele disco com outro que acabava de sair, contendo todas as canções gravadas na curta vida de Robert Johnson, o rei do blues do Mississipi. E o encontro inspirou o autor de Chão de giz, obra-prima da Música Popular Brasileira. Não tenho ideia de por que me chamaram, mas certo é que fiz parte do júri que deu a Oliveira de Panelas o título de “maior repentista do Universo” no Memorial da América Latina, em São Paulo.
Jessiê Quirino também entrou em meu convívio, não na Itabaiana de Sivuca e dos irmãos Walter e Wladimir Carvalho, onde ele mora hoje, mas, sim, no calçadão de Campina Grande, onde ele veio a lume. Certo dia, Rolando Boldrin estava tomando um cafezinho esperto no Shopping Center Villa Lobos, em São Paulo, quando um fã se aproximou e mandou que ele ouvisse um CD pirata, que lhe dava. Boldrin ouviu no carro e ficou alucinado, mas não havia referência alguma que pudesse levá-lo ao autor. Telefonou-me na esperança de que eu pudesse corresponder à fama de conhecer repentistas nordestinos. Falou-me de Vou-me embora pro passado e, imediatamente, lhe dei os telefones do autor, que, logo depois, estava no ar no Sr. Brasil, da TV Cultura de São Paulo.
A medalha que está no meu peito também está no do sertanejo de Patos Evandro da Nóbrega, Vandinho das Espinharas, de quem me aproximei por obra e graça de Flávio Ribeiro Coutinho Neto, que nasceu a 500 quilômetros e dois dias depois de mim, em 20 de maio de 1951. Um dia, o mesmo patoense Van Dinh me telefonou para delatar um malandro pernambucano que se fazia passar por filósofo e curandeiro, o “Omar Khayam dos pobres”, o “Conde Alexandre dos Desvalidos”, que fez um tremendo sucesso em dois programas de Jô Soares...
E também está no peito de Moraes Moreira, baiano de boa cepa e irmão mais novo de José Walter Pires, hoje entronizado na imortalidade da poesia de feira livre. Na verdade, só estou conhecendo Moraes aqui e agora, dividindo esta mesa no palco do Cine Bangüê. Mas dia destes, por obra e graça de Solaninho Ribeiro, vi-o jovem e lampeiro no documentário que o mago dos festivais da MPB produziu para a TV alemã. A multidão que lotou o cinema do Museu da Imagem e do Som em São Paulo ficou, como eu, embasbacada com a qualidade daqueles novos baianos, cada dia mais jovens. E o sucesso que Moraes faz e merece mostra que qualidade só tem idade nas três sílabas finais.
Para encerrar este discurso que não foi feito e só foi escrito depois da solenidade, recorro aos versos de Manuel Bandeira que citei de cor nos dois minutos e meio que foram permitidos à minha palavra. Manoel Monteiro, xará daquele que considero o maior poeta de seu tempo em qualquer língua, citou vários exemplos de grandes poetas eruditos, como Castro Alves e Augusto dos Anjos, meu patrono na cadeira n° 1 da Academia Paraibana de Letras, que fizeram versos à semelhança do cordel.
Após participar como jurado de um desafio de repentistas realizado no Rio de Janeiro, onde morava, o grande poeta pernambucano escreveu e definiu:

“Saí dali convencido
Que não sou poeta não;
Que poeta é quem inventa
Em boa improvisação
Como faz Dimas Batista
E Otacílio seu irmão;
Como faz qualquer violeiro,
Bom cantador do Sertão,
A todos os quais humilde
Mando minha saudação.”

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