Sunday, November 08, 2009

SIVUCA EM DUPLO RELANÇAMENTO


Depois do magnífico álbum da UFPB,

com partituras de suas obras sinfônicas,

músico tem CD e DVD relançados

pela gravadora Biscoito Fino


Evandro da Nóbrega

ESCRITOR, JORNALISTA, EDITOR

http://druzz.blogspot.com

druzz.tjpb@gmail.com



Q

uando lançou, em meados de abril deste ano, o álbum Sivuca - Partituras/Scores, com as partes completas para orquestra sinfônica, orquestra de cordas e quinteto de cordas (todas de autoria do grande músico paraibano), o reitor da UFPB, professor e economista Rômulo Soares Polari, marcava um dos pontos altos e inesquecíveis de sua administração.


A edição do álbum — lançado em concerto da Orquestra de Câmara da Universidade, com a participação do acordeonista Toninho Ferragutti, nas festas pelos 50 anos da Instituição — tornou-se possível graças aos esforços conjuntos do próprio reitor, vice-reitora Yara Matos, musicistas Carlos Anísio, Radegundis Feitosa e Marcílio Onofre, além da Editora Universitária e, naturalmente, da viúva do músico, a compositora Glorinha Gadelha.


Insista-se na importância de tal publicação, especialmente para a Musicologia e a História da Música paraibana/brasileira, haja vista a repercussão que o álbum vem obtendo nos mais diferentes meios de todo o País e no Exterior.


Aproveite-se o ensejo para esclarecer em definitivo: não têm o mais mínimo fundamento as "informações" de que o "acervo" de Sivuca (1930-2006) haja sido "doado" por sua "primeira-dama", Glória Gadelha, ao Instituto Joaquim Nabuco, de Recife (PE).


O autêntico acervo sivuquiano, preservado há anos pela própria Glorinha, acha-se perfeitamente intacto. Pertence à Paraíba e — anotem bem — integra(rá) as coleções dos:


1) Memorial Sivuca, a ser construído, pelo Governo do Estado, com apoio do MinC (projeto em andamento), num grande espaço verde, em João Pessoa, com teatro interno, biblioteca especializada, salas para cursos de música, sala para leitura das partituras do Mestre, museu, cafeteria, salas audiovisuais, espaço para eventos nos jardins externos etc, além do Memorial "vivo" propriamente dito (não apenas burocrático); e


2) Memorial Sivuca, este em sua amada terra natal, Itabaiana (prédio-sede já assegurado), e para onde irão muitos objetos e os restos mortais do grande Sivuca, segundo compromisso assumido (maio de 2007) por Glorinha Gadelha, com apoio da prefeitura local, do deputado Marcondes Gadelha e do Governo do Estado. Recentemente, também em Itabaiana, a prefeita Dona Dida inaugurou o Sivuca Café Cultural, que não deve ser confundido com o Memorial Sivuca da mesma cidade.


Meses antes de falecer, Sivuca separou originais de partituras sinfônicas suas, para que Glorinha as entregasse ao Instituto pernambucano. Foi assim cumprida uma de suas últimas vontades, sem prejuízo para nosso Estado — até porque essas partituras se eternizaram no álbum da UFPB. Sivuca sempre dizia: Recife foi sua grande universidade musical, seu meio acadêmico, onde bem se preparou para enfrentar o mundo.


Paraíba, Pernambuco

e o Mundo


Sivuca fez muitos amigos em Recife, onde se fixou aos 15 anos de idade — e onde também realizou arranjos e muitos outros trabalhos, novamente a partir de 1985, quando, como explica Glorinha na Apresentação do álbum, “recebeu convite do maestro Eugene Egan, regente da Orquestra Sinfônica do Recife, para escrever uma peça [sinfônica] e apresentá-la no palco do Teatro Santa Isabel”.


Relançamentos

pela gravadora

Biscoito Fino


A prestigiosa gravadora Biscoito Fino, de cujo catálogo já constavam outras obras de Sivuca, vem de relançar um CD e um DVD do notável paraibano universal.


Tudo isto faz parte do diuturno e elogiável esforço de Glória Gadelha para preservar a memória do marido. Glorinha obteve recentemente, junto a essa gravadora (www.biscoitofino.com.br), o relançamento de dois fonogramas do músico itabaianense-universal, já nas lojas:


1) o CD Enfim solo — em que Sivuca toca piano, violão e sanfona, originalmente lançado, em 1997, pela gravadora Kuarup (a nova capa traz uma ilustração de 2003, de autoria do artista cearense C. Einstein); e


2) o DVD O Poeta do Som, mantidos capa e encarte originais, além de belo texto do escritor, poeta e acadêmico Sitônio Pinto.


O CD Enfim solo — produzido por Mário de Aratanha, com arranjos e direção musical de Sivuca — deveu-se a uma ideia original de Glória Gadelha. E virão brevemente outros relançamentos de CDs que já não estão mais no mercado.


A gravadora brasileira Biscoito Fino foi criada em 2001 por Kati Almeida Braga e Olivia Hime. Dedica-se exclusivamente à música de altíssima qualidade. Assim é que muitos expoentes da MPB já foram por ela lançados, ultrapassando mais de 150 excepcionais realizações no universo sonoro nacional.

"De saraus assim

é que o Pixinguinha

e o Radamés Gnatalli

gostavam tanto"


O relançamento da gravadora Biscoito Fino mantém o primoroso texto do encarte escrito pelo jornalista e crítico Mário de Aratanha, dono da extinta gravadora Kuarup, selo responsável pelo lançamento original de Enfim solo, em 1997.


Grande produtor e diretor musical, além de criador de primoroso acervo da MPB, Aratanha diz aí coisas maravilhosas sobre Sivuca, um dos mais completos músicos da contemporaneidade mundial (ressalve-se que Eric Petersen, por ele adiante citado, faleceu no mês de setembro passado, em Odense, Dinamarca):


"A imagem que se tem de Sivuca é a daquele sanfoneiro albino da Paraíba, que começou em rádio no Recife, correu o mundo tocando com Miriam Makeba e Harry Belafonte, fazendo samba e jazz, forró e musette, choro e calipso.


"Solista carismático, virtuose em vários instrumentos, arranjador do quarteto sinfônico, Sivuca sempre deu preferência aos conjuntos, às formações maiores, aos arranjos ricos em vozes diferentes. Mas quem não se lembra quando, em suas apresentações, Sivuca fica sozinho no palco e ataca na sanfona o Quando me lembro, de Luperce Miranda, ou a Tocata em ré menor, de Bach? Ponto alto de virtuosismo que empolga e prepara a volta do conjunto para a segunda parte... Pois este Sivuca só se entrevia.


"Nos últimos anos, quase que paralelamente com o desenvolvimento de seus arranjos sinfônicos, o sanfoneiro se dedicou mais a Bach e a Pixinguinha na sanfona só, gerando um embrião de repertório para este disco, ideia de sua companheira Glorinha Gadelha. ‘Sivuca está cada vez melhor’, dizia ela, ‘Tem que gravar este homem sozinho no estúdio’...


"Pois lá fomos nós, em três etapas, de julho de 95 a julho de 97. Primeiro ele gravou sanfona só: Luperce e o Bach, mais o Pixinguinha e duas valsas, uma brasileira, Subindo ao céu (a pedido de Janine Houard), e outra dinamarquesa, Véu de grinalda (‘Meu amigo Eric Petersen vai chorar quando ouvir esta’, disse Sivuca, esfregando as mãos). Em setembro de 96, ele levou o violão e a sanfona, e gravou em multicanal o choro em homenagem ao Dino 7 Cordas e Em nome do amor, de Glória Gadelha. Aproveitou para refazer o Pixinguinha e criar de improviso o pot-pourri de frevos, lembrando o velho Recife de tantos anos atrás.


"Aliás, falando em Recife, um parêntesis. Fui há anos ao Recife com Sivuca para uma gravação. Pois lá as pessoas o param nas ruas, os motoristas o saúdam pela janela: ‘Ô, sanfoneiro!’. [...] "Voltamos a estúdio para finalizar o CD, e aí, além do Aboio e do Forró praieiro, vieram as maiores surpresas: o pianista originalíssimo de Da cor do pecado, Guacira e Aquariana, e o cantor emocionante de Canção que se imaginara, em memória da amiga Nara Leão, composta com Paulinho Tapajós na noite em que ela se foi.


"No meio das gravações, de vez em quando Sivuca confessava que se sentia ‘meio nu’ tocando solo ou com poucos instrumentos. Mas aos poucos o repertório foi crescendo, e nosso sanfoneiro se empolgando: ‘Hoje, eu amo este Enfim, solo intimista. Não me sinto só, me sinto numa sala rodeado de amigos, mostrando o que tenho de melhor dentro de mim. É de um sarau, de uma noitada dessas de que o Radamés e o Pixinguinha gostavam tanto... Dessas em que o dia amanheceu e a gente nem sentiu’."


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[Este artigo foi originalmente publicado pelo jornal A União, de João Pessoa (PB), em 8 de novembro de 2009]


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