______________
UM
DEPOIMENTO ESPONTÂNEO DA PROFESSORA MÁRCIA STEINBACH KAPLAN SOBRE A BIBLIOTECA
PÚBLICA DO ESTADO — E O PAPEL DO ESCRITOR, JORNALISTA E EDITOR EVANDRO DA
NÓBREGA
______________
A
educadora paraibana Márcia Steinbach Silva Kaplan,
em
foto que ilustra a página inicial de seu perfil no Facebook. [Por favor, clique
na foto para vê-la ampliada]
______________
por Márcia
Steinbach S. Kaplan, educadora,
ex-dirigente da
Biblioteca Pública do Estado,
do Espaço Cultural “José
Lins do Rego”, de
órgãos da
Universidade Federal da Paraíba e
antiga integrante
do Conselho Estadual de Educação
______________
[Uma versão mais
curta deste depoimento da Dra. Márcia Steinbach Kaplan saiu no perfil da Autora, na rede social Facebook]
______________
Caro
Evandro da Nóbrega:
Meu
marido, o músico José Alberto Kaplan, e eu sempre comparávamos você com o Celso
Furtado, porque, desde muito jovens, já demonstravam os gênios que eram.
Não
me lembrava deste fato de tê-lo indicado ao Dr. Humberto Carneiro da Cunha
Nóbrega, um dos nossos grandes Reitores e que, além de grande médico, sabia
valorizar a Cultura e, principalmente, os jovens talentosos de nossa Paraíba.
Entretanto,
lembro-me bem que, quando o Governador João Agripino me nomeou diretora da
Biblioteca Pública Estadual, ela estava em frangalhos:
-
goteiras por todos os lados (quando chovia, os funcionários tinham que abrir
sobre suas mesas sombrinhas e guarda-chuvas;
-
ratos transitavam entre nós e os (escassos) leitores;
-
livros antigos, autênticas "relíquias", achavam-se úmidos, mofados;
-
jornais sem encadernação apropriada;
-
etc et etc.
ASSUME O GOVERNO DO
ESTADO
UM AMANTE DAS
LETRAS & ARTES
Logo
em seguida, assumia o Governo o Dr. Ernâni Sátiro, escritor, amante das Letras
e com quem convivi, durante dois anos, todas as quintas-feiras, no apartamento
carioca do Dr. Raul de Góes, em deliciosas e para mim altamente proveitosas
conversas e debates sobre Literatura, saboreando delicioso chá e os
biscoitinhos amanteigados de Dona Bina.
Havia
mais participantes, como Simeão Leal, Ivan Bichara Sobreira, Austregésilo de Athayde,
entre outros). Disse “dois anos” porque foi o período que durou minha “deportação”
para o Rio de Janeiro, onde permaneci todo esse tempo residindo em casa de
Lourdes e João Agripino. “Deportação” decretada por mamãe e por papai, para
evitar que me casasse com alguém que não aprovavam.
Com
relação à Biblioteca Pública de nosso Estado, pedi uma audiência ao Governador
Ernâni Sátiro, que prontamente me atendeu e autorizou que elaborasse projeto de
reforma, consertos e revitalização do prédio da instituição e o encaminhasse ao
Conselho Estadual de Cultura, o qual, se aprovado, seria realizado.
UMA PEREGRINAÇÃO
SEMANAL
AO CONSELHO DE
CULTURA...
Busquei
a ajuda de meu jovem e talentoso amigo José Marques de Almeida Sobrinho, que,
gratuita e entusiasticamente, elaborou o projeto arquitetônico, enquanto eu montava
o de revitalização da Biblioteca, atualização do acervo bibliográfico,
convênios com os Consulados sediados em Recife para conseguir empréstimos
semanais de filmes de qualidade, a fim de serem exibidos gratuitamente, em três
turnos, todas as quartas-feiras, ao público paraibano; assim como a realização
de palestras sobre temas diversos, por pessoas de indiscutível conhecimento.
Tudo
pronto, iniciei, com autorização prévia de Dr. José Carlos Dias de Freitas,
minha peregrinação, todas as quintas-feiras, ao Conselho Estadual de Cultura,
onde passava das 14 às 17h30m ouvindo e participando de excelentes conversas,
votos de louvores a algumas personagens locais que haviam se destacado durante
a semana e de pesar àqueles que haviam partido.
CHEGOU UM DIA EM
QUE EU DISSE
“BASTA! AGORA, OU
VAI OU RACHA!”
Aproveitava
uma pausa, ou na respiração do orador, ou a hora do lanche, e perguntava: “E o projeto
da Biblioteca Pública Estadual, quando é que os Senhores vão analisar?” (Era eu
jovem e impetuosa e, nessas horas, esquecia a boa educação que mamãe tanto se
esforçara para me dar...). A resposta, invariavelmente era a mesma: “Na próxima
semana, pois estamos adorando sua companhia”... Isso quem sempre dizia era meu
adorado amigo e grande professor Virgínius da Gama e Mello.
Até
que um dia disse a mim mesma e a Kaplito [N. da R.: o maestro José Alberto
Kaplan, marido da Autora], ao chegar a casa: “Basta! Agora, ou vai ou racha!”
Aí
é onde você entra, Evandro. Entra com seu texto brilhante e com sua
inteligência privilegiada!
VOCÊ ERA O
EDITOR-GERAL E QUEM
SABE O ÚNICO QUE ME
PODIA AJUDAR
Era
então você o Editor-Geral do jornal O
Norte, que, nesse momento, fazia oposição ao Governo estadual, se não estou
enganada. [N. da R.: De fato, o Governador Ernâni Sátiro passou uns tempos “brigado”
com esse matutino, o de maior influência à época; mas, quando intuiu que não
podia enfrentar o jornal de maior circulação e que, certamente, orientava a
opinião pública, comprou um grande, colorido e oloroso buquê de flores — e, saindo
de Palácio, a pé, andou pela Rua Duque de Caxias e foi até a Redação, “fazer as
pazes com todos”, do Diretor-Geral ao contínuo, passando pelos jornalistas e gráficos!...].
Indo
ao jornal O Norte, Evandro, contei
tudo a você, lembra-se? Mostrei-lhe os projetos e, de imediato, tive seu apoio
incondicional. Entre outras coisas, você perguntou o que eu exatamente queria.
Eu lhe pedi “uma reportagem honesta sobre a real situação da Biblioteca, justamente
quando tínhamos como Governador um escritor”.
CONTRA O
ALAGAMENTO, SOMBRINHAS,
GUARDA-CHUVAS, BACIAS,
BALDES...
Você
então, como grande jornalista, escritor e editor que sempre foi, me disse que
estivesse lá no dia seguinte, numa hora combinada, que você enviaria um repórter
e um fotógrafo para levantarem os dados com vistas à matéria, orientando-os
também para que fizessem comigo uma entrevista, durante a qual eu falaria dos
planos que tinha para a Biblioteca.
Tive
tanta sorte que, no dia seguinte, o da entrevista e da visita dos repórter e
fotógrafo, chovia torrencialmente! O que mais se via no salão principal da
Biblioteca eram sombrinhas, guarda-chuvas abertos, baldes e bacias espalhados,
para evitar maior alagamento no prédio.
PAGUEI AO PORTEIRO
PARA ME
ARRANJAR UNS RATOS
MORTOS
Como
os ratos são sabidos e rápidos, ofereci um pagamento (de meu bolso) para que o
porteiro matasse alguns e os espalhasse pelo chão, sobre os livros, nas
estantes, em algumas prateleiras. Acho que o porteiro estava precisando de uma
“graninha” extra: ele matou tantos ratos que, além do prejuízo de ter que pagar
por todas as ratazanas mortas, ainda tive que mandar que ele se livrasse dos
camundongos excedentes, antes que chegassem os jornalistas.
Também
orientei o porteiro onde ele devia espalhar os bichos — e fui sentar-me à minha
mesa de Diretora, à espera da Imprensa...
AFINAL, COMO SAIU A
MATÉRIA
SOBRE A BIBLIOTECA
EM RUÍNAS
No
dia seguinte, já fui para a Biblioteca Pública do Estado com uma carta contendo
meu pedido de exoneração e na qual manifestava a firme decisão de retornar à UFPB.
Isso porque, Evandro, você fez, no jornal O
Norte, uma grande chamada de capa sobre o assunto.
E,
internamente, havia um texto seu (baseado em minha entrevista e nos dados que
fornecera ao repórter) e as fotos, impressionantes fotos, inclusive com os
ratos... Seu texto resumia ainda todos os meus planos para a reforma da
Biblioteca, que, ao invés de apresentar aquele quadro lamentável, deveria ser,
muito ao contrário, algo vivo, algo que fosse realmente atraente para os
pessoenses, em especial para os jovens que desejavam frequentá-la.
EU JÁ ESTAVA COM A
CARTA DE
EXONERAÇÃO EM MINHA
BOLSA
Para
resumir, toda a matéria tomava duas páginas. E a repercussão dela foi tremenda.
Na mesma manhã, fui chamada pelo Dr. José Carlos Dias de Freitas, um dos
melhores, senão o melhor Secretário de Educação que já tivemos. Ele disse que
estava me esperando no Gabinete do Governador Ernâni Sátyro. Fui para lá
imediatamente, mas, claro, sem me esquecer de levar na bolsa minha carta pedindo
exoneração.
Eu
não estava atrás de cargos; queria fazer meu trabalho, direito, mas tendo
apoio, evidentemente. Aliás, que me conhece é testemunha de que fiz sempre o
que devia ter sido feito, porque sempre quis trabalhar com algo que pudesse ser
útil aos outros. Ademais, aprendi com meus pais que sempre devemos dar o melhor
que pudemos para realizar, com dedicação total, qualquer tarefa que assumirmos
— e a lutar sempre com denodo por aquilo em que acreditamos. Mas voltemos ao
relato.
GOVERNADOR DISSE
QUE EU ERA
TÃO ATREVIDA QUANTO
MEU PAI
Ao
entrar no Gabinete do Governador, lembro-me até hoje da voz tonitruante,
estrondosa do Dr. Ernâni:
—
Menina, você é bem filha de Isaías [N. da R.: O combativo e valente deputado
estadual Isaías Silva, mui corajoso e sem papas na língua]!... Atrevida e
impetuosa como ele. Pois bem, vou fazer minha parte e você fará a sua. A
reforma deve ser feita do jeito como está no projeto. As obras serão
acompanhadas pelo autor do projeto. Mas quero a inauguração como presente de
meu aniversário, que será em tanto de setembro (não me lembro ao certo, mas ou
era 6 ou 11 de setembro, algo assim)...
INAUGURAÇÃO DA NOVA
BIBLIOTECA
OCORREU NA DATA
PREDETERMINADA
Estávamos
em março e tínhamos licitações para a construção de algumas paredes. Mas era
preciso também refazer todo o teto; adquirir o mobiliário apropriado etc etc etc. Não me recordo de haver
trabalhado tanto, em minha vida, como nesse período. Passava os dias (todos os
dias!) supervisionando os operários. Cheguei a me compara até com feitor de
engenho! Não podia ver ninguém parado.
Mas
só sei que a inauguração foi no dia predeterminado, como queria o Governador. Ainda
consegui, de quebra, que a Orquestra Sinfônica tocasse duas peças, durante o
ato inauguratório.
VOCÊ CONQUISTOU O
DIREITO DE
SER O PRIMEIRO
CONFERENCISTA
E
foi assim que você, Evandro — e nenhum outro intelectual, paraibano ou não — conquistou,
sem querer ou pensar nisto, o direito de ser o primeiro conferencista da nova
era da Biblioteca Pública do Estado da Paraíba.
Não
fosse seu valioso apoio, acho que ela já teria desabado, àquela época, ou até
desaparecido.
Está
aí, portanto, meus amigos paraibanos: este é o nosso grande editor, escritor,
jornalista e cidadão de caráter e de muitos méritos que honra a Paraíba: o por
todos querido Evandro da Nóbrega.
______________
No comments:
Post a Comment