Friday, September 11, 2015

SEGUNDO ITEM DA SÉRIE “O QUE HÁ EM UM NOME”




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A dileta prima Nereida Maira, numa de suas mais recentes fotos, no perfil do Facebook. 
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Foi das múltiplas e variegadas leituras clássicas do grande e saudoso intelectual paraibano Adalberto Barreto que saiu a inspiração para batizar a filha como Nereida Maira.
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MAS, AFINAL, POR QUE NOSSA QUERIDA PRIMA NEREIDA MAÍRA TEM ESTE NOME COMPOSTO?

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por Evandro da Nóbrega,
escritor, jornalista, editor
[druzzevandro@gmail.com]
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"Todos os dias, ele olha,
com as pálpebras enevoadas,
para os deuses que cindem o mar profundo
— e, à noite, ouve as nereidas cantando,
enquanto dormem seus selvagens corações."
MADISON JULIUS CAWEIN, in "Argonautas"



O primeiro item desta série
(a ser OPORTUNAMENTE divulgado)
abordou o sugestivo nome “Sinaida”,
num texto em prosa desataviada.
O texto que se segue, porém,
não está escrito nem em versos,
nem em prosa — muito pelo contrário!...
;-) ;-) ;-)

E começamos dizendo que
aqueles que têm a felicidade, diríamos até o privilégio,
de conhecer nossa dileta prima Nereida Maira
acham que este "Maira/Maíra" do nome composto dela
provém do tupi e/ou do guarani.
Mas, não: vem do grego mesmo.

Não haveria nada de mais se viesse do tupi:
é natural que as pessoas associem a palavra "Maíra"
ao termo que os tupis aplicavam à mulher francesa,
à loura, à branca que eventualmente acompanhasse os gauleses
em suas incursões pelo nascente Brasil.

Sim, porque o francês era chamado de "maýr"
pelos indígenas — e uma decorrência disto é que maýra
(o feminino regular de maýr)
passou a designar a mulher do francês,
a mulher vinda da França, a francesa, a branca, a loura,
em contraposição às portuguesas, aos portugueses.

Aproveite-se para lembrar que, aos lusitanos,
os indígenas chamavam "peró",
corruptela tupiniquim de Pero (Pedro).
Mas, de início, os portugueses chegados ao Brasil
receberam a curiosa designação de caraíbas,
do tupi "kara' ib", vale dizer, inteligente, sábio, homem sagrado,
coisa santa, espécie de profeta itinerante
que, a cada três ou quatro anos, visitava a aldeia...

Afinal, os habitantes originais de Pindorama
tinham por milagre grande e santo,
por coisa sobrenatural e até de outro mundo,
que esses sujeitos brancos, grandalhões e de barba,
viessem por cima das águas, de tão longe,
trazendo paus-de-fogo que derrubavam aves em pleno voo
e provocavam medonhos estampidos...

MAÝR, MAÝRA, MAÍRA, MAHYRA...

Até aí, todo mundo conhece mais ou menos a história
de os índios chamarem os franceses de maýr e as francesas de maýra.
Nem todos sabem, porém, o porquê mais profundo destas coisas.
É que os indígenas associavam os franceses
a um personagem de sua própria mitologia.
Nos mitos tupis e/ou guaranis de criação do mundo,
há a figura de Maýr, Maýra, Mahyra ou Maír,
o herói mítico, pai dos gêmeos Korahi (o Sol) e Sahi (a Lua).

Korahi e Sahi são importantes,
por causa de seu papel de separarem
o que é propriamente da Natureza
daquilo que pertence ao Homem, à Cultura.

Mais importante, porém, é o próprio Mahyra, pai deles,
o herói civilizador “par excellence”,
que tudo criou e que deu início ao árduo trabalho de
obrar tal separação entre as duas partes principais do mundo.

Mahyra, afinal, fez que nem Prometeu, na Grécia:
roubou o fogo sagrado do Monte Olimpo,
e, desobedecendo aos deuses, o entregou ao Homem
— tal e qual, Mahyra (ou Mahyra-Umuuan,
“o Mahyra mais antigo”,
enganara o urubu, tomando-lhe o fogo
e disponibilizando-o entre os guerreiros.
Esse mito vinha de tempos imemoriais,
mas os indígenas do Litoral brasileiro,
no século 16, associaram de imediato
a figura de Mahyra aos franceses que surdiam
nas costas de Pindorama em busca de pau-brasil
e de outras riquezas.

Maýra/Mahyra/Maíra quer dizer, portanto,
"branca estrangeira", "heroína mítica",
“mulher do maýr”, "mulher francesa", "estrangeira loura".
Não é impossível que até o nome da própria cidade de Mari,
na Paraíba, tenha origem, em última instância,
na abrangência semântica de “maýr”.


REMONTANDO À MAIRA/MAÍRA/MAERA GREGA

A palavra grega maira/maera/maíra está associada
a muitas realidades, no evolver mítico e histórico.
Interessa-nos, aqui, tão somente, aquela Maira que ajuda a compor,
na Mitologia greco-romana,
uma bela história que se passou com Dioniso (ou Diônisos),
o deus da colheita da uva, do vinho, da enologia,
do teatro, da epifania, da loucura ritual, do êxtase religioso,
da fertilidade etc — desde pelo menos os tempos micênicos.

Em grego antigo, Maira (Maíra)
escrevia-se também como Maera.
O nome não se aplicava apenas
à fidelíssima cadela do pastor Icário de Atenas
— que de modo algum pode ser confundido com
Ícaro, aquele do primeiro voo mítico.

Mas esqueçamos os demais usos do termo Maira/Maera,
fixando-nos apenas na afamada cadela de Icário
e, também, de sua filha Erígone.

DE COMO MAERA, A CADELA DE ICÁRIO E ERÍGONE,
TRANSFORMOU-SE EM ESTRELA DO FIRMAMENTO

Vamos conhecer portanto a bonita história
da mítica cadela Maera,
que, pertencendo a Icário e à sua filha Erígone,
chegou um dia a virar estrela de importante constelação,
pelo querer de Diônisos e ato dos demais deuses.

A história começa quando Diônisos,
o deus mais jovem e o último a ir para o Olimpo,
finalmente chegou à Ática, depois daquela longa
peregrinação pela Ásia.

Viu-se Diônisos muito bem acolhido pelo pastor Icário,
lendário habitante da região ática.
Afinal, Icário mimoseara
o mais hospitaleira e amistosamente possível
o jovem e poderoso filho de Zeus
e da belíssima mortal Sêmele.

Agradecido, Diônisos ensinou a Icário
a arte de produzir vinho.
Em sua bondade natural, Icário ofereceu esse vinho
em abundância a alguns pastores,
que terminaram embriagados.
Os companheiros desses, vendo-os sob os efeitos enológicos,
pensaram que Icário os havia envenenado
— e mataram o amigo do deus Diônisos,
enterrando o cadáver sob uma árvore.

Mas a fidelíssima cadela de Icário, Maira (ou Maera)
ajudou a filha de Icário, Erígone,
a encontrar o corpo do pai, sob a árvore.
Ao saber que o pai fora assassinado,
Erígone enforcou-se na mesma árvore
— e Vocês sabem que as árvores, todas as árvores,
são protegidas por Diônisos Dendrites,
a quase contrapartida helênica dos Wira’zar,
os sobrenaturais, hostis e temidos entes tupi-guaranis
que cuidam das florestas e das plantas...

A cadela Maira, sentindo-se sozinha no mundo,
com as trágicas perdas de Icário e Erígone,
pulou num fundo poço e morreu afogada.

O deus Diônisos ficou tão irritado
com essa sucessão de desgraças
que mandou uma praga àquela área grega,
de modo que todas as virgens de Atenas,
num acesso de loucura, também se enforcaram.

Icário já se tornara herói do "demos" de Icária,
nos subúrbios da Ática, região em que se situava Atenas.
E, logo, a pedido de Dioniso, os deuses do Olimpo
transformaram esse mesmo Icário morto
na Constelação do Boieiro,
cuja estrela mais brilhante é a de Arcturus.
De Erígone, fizeram os Imortais
a Constelação de Virgem ou Virgo.
Da cadela Maira ou Maera,
assim como de muitos outros cães e cadelas mitológicos,
constituíram Prócion, a estrela mais brilhante
da constelação de Canis Minor e
a nona estrela mais brilhante do firmamento.

MAS, DE ONDE FOI MESMO QUE VEIO
O SOBRENOME COMPOSTO NEREIDA MAIRA?

Há várias Maeras em mitologias diversas
e até no campo das Ciências.
Mas o termo MAIRA, no nome composto Nereida Maira,
foi certamente inspirado em fontes as mais clássicas,
vez que o saudoso intelectual Adalberto Barreto,
pai de nossa augusta prima, 
era leitor intérmino da “Ilíada”, da “Odisseia”
e de outras obras antigas, mas sempre atuais
— e era ele, também, um estudioso,
ainda que “en passant”, da Mitologia greco-romana.
Não se pode jamais associar, portanto,
o nome composto de Nereida Maira,
por exemplo, à terra de Mæra,
da saga nórdica de Egill Skallagrímsson...

É bem verdade que o ditongo ai/ay do grego arcaico
presta-se a diferentes interpretações,
podendo o nome da nereida original ser pronunciado
como Máira, Maíra, Maera etc...
Mas não há dúvidas de que foi aí onde o sábio Adalberto,
— tão bom em Economia quanto em Política,
História e... mergulhos mitológicos em Homero,
Apolodoro, Higino e outros luminares da Antiguidade —
foi buscar o nome composto da filha amada.  

Maira era uma das várias nereidas,
ou “ninfas do mar”, belas filhas de Nereu e Dóris.
"Com outras nereidas que moram nas profundezas do mar",
tal qual se lê no Livro XVIII da homérica 'Ilíada",
Maira/Maíra/Maera faz parte de uma lista
de mais de cinquenta outros nomes de nereidas,
como é o caso de Agave, “a nobre”;
de Anfitrite, “a nutrida de mar”;
de Ceto, deusa e mãe dos monstros marinhos;
de Cimódoce, “a amiga das ondas”;
de Cimótoe, “ligeira como a onda”;
de Dinamene, “a impetuosa”, com muita força
e o poder das ondas do grande oceano;
de Doto, “a doadora”; de Erato, “a que desperta o desejo”
(e que era também uma das Musas a reger as Artes);
de Eucrante, “a que traz a realização”;
de Eudora, “a dos bons presentes”;
de Eulimene, “a do bom porto”;
de Eunice, “a da vitória feliz”;
de Ferusa, “a de curso veloz”;
de Galena, “a do tempo calmo”;
de Glauce, “a do verde oceano”;
de Hália, “a de olhos bovinos e que mora no mar”;
de Ploto, “a nadadora”; de Proto, “a primeira”;
de Espeio, “a que mora em cavernas”;
e de muitas outras nereidas aqui faltantes
mas jamais esquecidas...

Mas estão aí em cima dados que, quem sabe,
talvez venham a ser novidade para a própria Nereida Maira
— provavelmente sem tempo de pensar nestas coisas
ou simplesmente pesquisá-las.


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