Wednesday, August 11, 2010

ONDE A TERRA PENETRA NOS CÉUS [2/5]





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Recente viagem feita ao “Teto do Mundo” por uma de minhas amigas indianas relembra o itinerário pioneiro seguido em 1624 por um missionário lusitano


Evandro da Nóbrega

ESCRITOR, JORNALISTA, EDITOR

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[druzz@reitoria.ufpb.br]

Fotos pela Dra. Arundhati Dighe Chafekar e pelo Dr. Chirag Chafekar, diretamente de Mumbai, Maharashtra, Índia


Abaixo, um resumo da viagem da Dr. Arundhati Dighe Chafekar ao Topo do Mundo. Ela tem Mestrado em Desenvolvimento e Gerência de Recursos Humanos pela Universidade de Mumbai. Além disto, é Consultora profissional, nestas especialidades, e professora visitante no campus de uma Faculdade de Gerência, ministrando cursos permanentes em RH.

Em 26 de junho passado, estando ela de férias em Mumbai, iniciou com o marido Chirag Chafekar a jornada à região do Himalaia. Num trem noturno, alcançaram primeiramente Délhi, capital indiana. Aí ficaram por um dia, em casa de amigos. Levavam bastante comida típica do Norte indiano, para enfrentar o frio. No dia 28, voaram de Délhi para Srinagar, capital do Estado de Jammu e Caxemira. Em utilitários alugados, partiram às 14 h para a cidade de Leh, capital do antigo reino de Ladakh. Passaram pelo lago Dal e, num dos restaurantes do caminho, já em Sonmarg, às 17 h, fartaram-se com chá e pakoda (ou pakora, dependendo dos ingredientes ou do dialeto). Pakoda é crocante lanche, parecido com nosso “peito de frango frito”, mas à base de massas, farinha de trigo, frango, cebolas, batatas e especiarias, tudo cozido em óleo, para nos deixar com calorias e disposição de enfrentar a frialdade.

Começaram então a travessia dos desfiladeiros do Himalaia, vencendo belos vales, enquanto a temperatura caía assustadoramente. Alcançaram o distrito de Kargil, célebre pelas hostilidades de 1999 entre Paquistão e Índia. Kargil, a não ser pela forte presença de tropas indianas, nada relembra aqueles incidentes bélicos, quando soldados paquistaneses invadiram a região, sendo repelidos. Embora tudo em Kargil apresente beleza natural para além da imaginação, os visitantes puderam compreender as durezas que os combatentes tiveram que enfrentar, em meio ao frio, à neve, à chuva... Existe aí um memorial em honra aos indianos que morreram no conflito.

Nas montanhas, o gélido vento forte dava asas à imaginação dos visitantes. Há por ali um local em que inexplicável fenômeno natural, provindo de uma “colina magnética”, exerce estranho poder sobre os veículos, tendo eles que serem estacionados em locais assinalados com tinta branca, sob pena de continuarem se locomovendo mesmo após desligados. É que, em algumas partes da Montanha Magnética, a lei da gravidade funciona “ao contrário”: o carro se vê “puxado” na direção oposta ao declive da montanha... A visita seguinte se deu ao Pathar Sahib Gurudwara — antigo templo religioso dos sikhs.

Em Kargil, acha-se Drass, o “Portão para Ladakh”. E foi para lá que nossos viandantes se dirigiram. É o local habitado mais frio da Índia — e a segunda localidade (com gente lá vivendo) mais gélida do Planeta: a temperatura varia de 22 a 45 graus abaixo de zero, nos rigorosos invernos de 36 centímetros de neve! O título de primeiro local habitado mais frio do Planeta continua em disputa entre Tomtor e Oymyakon, na auto-estrada de Kolyma, Rússia, onde a temperatura desce a... 71,2 graus negativos!

Teto do Mundo: ar rarefeito e a estrada mais alta do Planeta

Saindo de Drass, Aru & Chirag percorreram longa estrada até um local de acampamentos, em Waka, onde chegaram às 12h30, para o pernoite em tendas. O frio era de congelar. Às 10 h da manhã seguinte, depois de reconfortante café da manhã, todos partiram novamente, alcançando, desta feita, ao multissecular e famoso mosteiro Lamayuru.

A chegada à histórica cidade de Leh, capital do antigo reino de Ladakh, ocorreu por volta das 16 h desse mesmo dia. Todos estavam tão cansados que foram direto para a cama, inclusive para seguir a orientação cientifica: descansar umas 24 horas, porque, estando Leh no “Teto do Mundo”, o ar se torna rarefeito, o oxigênio diminui. Ainda bem que, na noite de 29 de junho, o hotel em que Aru & Chirag se hospedavam ofereceu ótimo jantar, com fogueiras ao ar livre e bons drinques, de modo que todos se aquecessem. Os viajantes aproveitaram para entoar velhas canções em hindi e riram muito — o que foi ótimo para reanimá-los.

No dia 30, todos descansaram bastante pela manhã, inclusive recebendo massagens recomendadas, na cabeça, pescoço e pés. À tarde, porém, já estavam fazendo passeios para conhecer melhor os locais de interesse em Leh — a exemplo de outro memorial referente à guerra indo-paquistanesa, vez que quase toda essa vasta área está sempre ocupada por tropas indianas, tendo em vista a proximidade das fronteiras com o Paquistão e a China.

Somente nessa parte do Globo se pode dirigir um veículo a tanta altura acima do nível do mar

Ainda em Leh, Aru visitou o mosteiro Thiksey; o histórico Palácio Real da cidade; o mercado local de antiguidades e souvenirs; e a estupa Shanti de Ladakh. O termo vem do sânscrito stupa, “montículo”, para designar a calota hemisférica de pedra, rodeada por balaustrada, características desses monumentos indianos típicos dos séculos IV a II a. C. É uma cápsula do tempo em cujo interior as relíquias budistas, os livros sagrados Dharma e as estátuas de Buda eram selados, para as futuras gerações. O termo shanti provém das raízes sanscríticas sam [= cessação, paz, tranquilidade] + hi, estendendo o sentido original para uma paz interior e sua integração com a paz universal. Dharma, por seu turno, representa a religião, a lei, a obrigação moral.

Nesta e na próxima página, no domingo que vem, ver-se-á que o grupo capitaneado por Aru visitou gigantescas estátuas de Buda; lojas de antiguidades (onde viram até multisseculares fogões compactos, construídos em bronze e ferro); criações de pôneis; grandes & pequenos lagos; campos de flores alpinas, a caverna sagrada de Amarnath (que historicamente já abrigou viajantes famosos, inclusive missionários portugueses & italianos, há quase 400 anos). Mas havia ainda outra magnífica visão a ser descortinada: o belíssimo lago Pangong, autêntico deleite para o espírito.

A 1o. de julho, a turma de Aru deixou logo cedo, pela manhã, a bucólica Leh e dirigiu-se ao notável lago, num trajeto total de 10 horas. Haviam quase chegado “o mais próximo possível dos Céus”, atingindo finalmente o “Topo do Mundo”, pois logo depois rodavam pela estrada do pico Khardung La [= "o passo de Khardung", em tibetano; pronunciando-se rrhardzõnn lah]. O pico tem quase 5,4 mil m de altura — e essa é também a mais alta rodovia do Mundo em que se pode dirigir um carro...

A passagem da cadeia de montanhas de Ladakh fica ao Norte da cidade de Leh. É a porta de entrada dos vales de Nubra e Shyok, um deles parcialmente tomado por glaciares, gelos eternos. A via foi construída em 1976, mas só aberta a veículos em 1988 — a partir de quando não faltaram mais veículos por ali. O passo de Khardong é também historicamente importante: fica bem na rota das grandes caravanas que saíam de Leh para Kashgar, na Ásia Central chinesa, com 10 mil cavalos e camelos fazendo esse caminho, todo ano.

A temperatura aí varia de 14 graus abaixo de zero a 25 graus acima de zero — mas não se trata de variação dramática, já que essa temperatura vai paulatinamente aumentando a partir de fins de dezembro e inícios de janeiro, até atingir a máxima em meados do ano, para depois voltar a descer, também de forma paulatina.

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