Sunday, December 11, 2005

LIVRO DE PETRA RAMALHO SOUTO SOBRE AS MULHERES NO TEATRO DE NELSON RODRIGUES

Petra Ramalho Souto,
a autora do livro sobre as
mulheres no Teatro de Nelson
Rodrigues. Abaixo, todas as
informações sobre o lançamento
desta importante obra, fruto de
seu Mestrado em Teoria Literária.


Esta não é propriamente a capa do livro de
Petra Ramalho Souto sobre as mulheres no
Teatro de Nelson Rodrigues. Mas a foto acima,
mostrando o convite para o lançamento da obra,
dá bem uma idéia de como ficou essa mesma capa,
uma das mais bonitas já realizadas pela
Editora Idéia.


LANÇAMENTO DE LIVRO DE

PETRA RAMALHO SOUTO

SOBRE AS MULHERES NO TEATRO

DE NELSON RODRIGUES

MARCA 25º. ANIVERSÁRIO

DA MORTE DO GRANDE DRAMATURGO


No Teatro Paulo Pontes, dupla homenagem ao teatrólogo Nelson Rodrigues: a) lançamento de um de um livro sobre ele, de autoria de Petra Ramalho Souto; e b) uma instalação cênica com trechos de suas peças, a cargo de Humberto Lopes


Neste dia 21 de dezembro de 2005 — uma quarta-feira, data em que se comemora o 25o. aniversário de morte do grande dramaturgo brasileiro Nelson Rodrigues e, também, por coincidência, dia do aniversário da Autora da obra, Petra Ramalho Souto — será lançado o livro “As mulheres de Nelson: representações sociais das mulheres em Os sete gatinhos de Nelson Rodrigues”.

Este livro é o resultado da pesquisa de Mestrado da professora, escritora, atriz, jornalista e articulista Petra Ramalho Souto, atual Diretora de Programação Cultural da Fundação Casa de José Américo e Coordenadora do Núcleo de Estudos Canadenses da Paraíba. Petra é Mestra em Teoria Literária pela Universidade Federal de Pernambuco.

O lançamento do livro de Petra sobre as mulheres de Nelson Rodrigues acontecerá às 19h, no Teatro Paulo Pontes, antecedendo a estréia da instalação cênica “Paixões urgentes”, dirigida por Humberto Lopes. A instalação é realizada a partir de fragmentos de peças de Nelson Rodrigues.

Informações adicionais? Ligue para o próprio Humberto Lopes (3221-6220 / 8811-7272) ou para a autora do livro, Petra Ramalho Souto (3224-6558 / 3226-6902).


O PREFÁCIO DO LIVRO DE PETRA


O livro de Petra Ramalho Souto sobre as mulheres no Teatro de Nelson Rodrigues tem o seguinte Prefácio da Dra. Sônia Lúcia Ramalho de Farias:


AS DIFERENTES CONFIGURAÇÕES FEMININAS DE
NELSON RODRIGUES, POR PETRA RAMALHO SOUTO


Sônia L. Ramalho de Farias


A essa altura, poder-se-ia supor que nada mais resta a dizer sobre a polêmica dramaturgia de Nelson Rodrigues, exaustivamente estudada nacional e internacionalmente sob os mais diversos ângulos e recortes.

O livro de Petra, As mulheres de Nelson: representações sociais das mulheres em Os sete gatinhos, originalmente sua dissertação de mestrado, defendida na UFPE em 2004, vem demonstrar o contrário.

Sem fazer tábula rasa da vasta fortuna crítica do escritor, mas, ao contrário, incorporando a contribuição dos estudos predecessores ao seu texto, a autora estabelece com estes um fecundo diálogo, que não só contribui para aprofundar aspectos já estudados, mas também busca rever questionadoramente outros, abordados ainda de forma insuficiente pela ensaística que a antecede.

A feliz escolha de Os sete gatinhos: divina comédia em três atos e quatro quadros (1958) como objeto de análise, quase sempre relegada a um segundo plano pelos estudiosos da obra do autor e pela crítica teatral do país, ou vista apenas em conjunto com suas demais produções, vem de certa forma preencher uma lacuna (parcial) nos estudos sobre o dramaturgo.

O recorte temático, a questão feminina, mais especificamente, a condição da mulher suburbana da classe média brasileira, também não poderia ter sido mais adequado. Motiva-se pelo próprio universo dramático do autor. Como diz a ensaísta, onze de suas dezessete peças têm a mulher como protagonista e nas demais as figuras femininas, embora secundárias, funcionam como elementos relevantes.

Justificados texto e tema, o trabalho de Petra tem o mérito de não isolar a produção literária rodriguiana, mas de vê-la em suas condições de produção, inserindo-a no panorama da sociedade brasileira de sua época e na história do teatro nacional, que Nelson ajudou a construir e modernizar.

Subsidiado por uma metodologia interdisciplinar e por uma bibliografia dedicada ao estudo da mulher na literatura brasileira, o ensaio focaliza simultaneamente a obra e o chão histórico que a informa. Busca, assim, responder a uma dupla questão: quais as representações sociais das mulheres veiculadas em Os sete gatinhos e como essas representações se articulam à sociedade brasileira de meados do séc. XX, contexto onde se insere a peça.

Através dessa dupla preocupação, o estudo destaca preliminarmente o estabelecimento de uma moral sexual relativa à mulher na formação social do Brasil, moral cristã “descrita e criticada já no teatro medieval de Gil Vicente”, tendo como esteio a religião católica legada pelo processo de colonização portuguesa e a influência desse processo moralizador nas representações sociais da mulher no Brasil dos anos cinqüenta do século passado E, ainda, em revistas e periódicos da época, veiculadores de uma postura conservadora acerca do feminino, e na literatura folhetinesca desse período.

O objetivo primordial é não só apreender as marcas desse solo literário e contextual na peça em estudo, mas verificar as alternativas que o texto oferece à situação feminina social e literariamente dramatizada. Em outras palavras, interessa ao trabalho apontar uma possível resposta textual em termos de manutenção ou transgressão do status quo, consubstanciado por instituições seculares como a Igreja e pela herança da ordem patriarcal colonialista.

O exame de tópicos como mulher, sexualidade, religião, representações femininas na vida social e literária do Brasil de 1950 converge para um modelo dual ancorado na tradição do cristianismo, ressaltando-se dois perfis de mulheres dicotomicamente delineados: o da santa e o da prostituta, cujo paradigma evangélico está nas respectivas figuras da Virgem Maria e de Maria Madalena ou ainda na imagem bíblica de Eva, as duas últimas associadas à tentação e ao pecado, ou seja, à percepção demoníaca da mulher na cultura cristã ocidental. Petra encontra esse paradigma redimencionado na dramaturgia de Nelson Rodrigues, que, segundo ela, interioriza criticamente os papéis sociais construídos para as mulheres desde o Brasil colonial: o da mulher virtuosa e recatada, e por isso mesmo destinada a assumir as funções de “rainha do lar”, esposa e mãe, e o seu antípoda, a mulher desfrutável, reservada ao prazer e à transgressão masculina fora de casa.

No contexto dos anos cinqüenta, com o aceleramento do processo de industrialização e urbanização das grandes cidades brasileiras e com as conquistas feministas em âmbito internacional, a mulher passa também no Brasil a ocupar algum lugar no mercado de trabalho, nas universidades e no espaço público, sem que, no entanto, se alterassem substancialmente a posição subalterna e os papéis a ela destinados na ainda rígida hierarquia da ordem patriarcal.

Os sete gatinhos dramatizam essa situação feminina tornando mais complexo o modelo dual da sociedade carioca que informa a peça. Ao invés da dicotomia assinalada, correspondente a perfis distintos de mulheres, tem-se a simbiose numa única figura feminina da dualidade santa/prostituta.

Aí, segundo aponta Boff, uma das intérpretes do escritor citada no estudo, “esse conflito tormentoso entre a virgindade e a ...prostituição [...] tem força e economia dramáticas bem mais realizadas do que nas suas peças anteriores”. Entre um pólo e outro, o livro de Petra Ramalho delineia, através do jogo de luz e sombra em que avultam as personagens, uma gama matizada de configurações femininas no núcleo familiar que protagoniza a peça: a família de “seu” Noronha.

Configurações que vão desde o perfil da prostituta romântica e carente, desejosa de integrar o elenco das mulheres “honestas” e respeitáveis, via casamento (Aurora), até a imagem paradoxalmente simétrica inversa da protagonista Silene, “a santa de vitral de igreja”, em defesa de quem todas as demais irmãs se prostituem para assegurar-lhe um bom casamento, mas que ao engravidar de um homem casado tem, de acordo com os valores morais hipocritamente mantidos pela família, o seu papel social redimensionado: de virgem à prostituta, de Nossa Senhora a Madalena.

Gravitando em torno dessas duas figuras antípodas e complementares, o elenco da peça forja ainda outras máscaras sociais para as personagens: a da homossexual Arlete, que recorre ao lesbianismo como forma de resistência à prostituição e à opressão masculina, a da médium vidente, Hilda, também prostituta como as demais irmãs e a da aparentemente recatada e virtuosa dona de casa e mãe de família, D. Aracy, cuja submissão ao marido e rejeição sexual por parte deste eclode nos desenhos pornográficos feitos por ela na porta do banheiro onde reside com a família.

Ao mesmo tempo em que focaliza essas representações, a pesquisa incide sobre o universo do trabalho feminino fora de casa, subalterno e mal remunerado, tematizado na peça.. Tema tardio, no dizer de Petra, mas nem por isso excluído da dramaturgia do autor, fazendo-se presente em duas de suas obras: a de 1958, ora estudada, e Bonitinha, mas ordinária (1961), ao lado da mais antiga forma de trabalho destinado à mulher: à prostituição, dramatizada desde suas primeiras peças.

As mulheres de Nelson: representações sociais das mulheres em Os sete gatinhos não é, entretanto, um estudo conteudista. A análise da condição social e dos dramas existências femininos, que termina apontando, na conclusão da pesquisa, para a denúncia dos papéis estereotipados delegados sobretudo à mulher, mas também ao homem, na sociedade burguesa/ patriarcal, corre pari passo ao enfoque dos procedimentos cênicos acionados na dramatização do texto. Procedimentos estes recorrentemente utilizados na dramaturgia rodriguiana, contribuindo para a inovação técnico-formal do teatro brasileiro.

Ao lado dos recursos cenográficos, estéticos e temáticos, o ensaio destaca ainda a singular posição do dramaturgo na história do teatro no país, onde surge no início da década de quarenta com a “farsa” A mulher sem pecados (1941), que, encenada em 1942, não logrou grande sucesso de público, só alcançado com a peça seguinte, Vestido de noiva (1943), marco do teatro moderno nacional, e cuja aceitação retumbante de crítica e público foi atribuída, conforme alguns polemistas, entre os quais se destaca Oswald de Andrade, ao seu diretor Ziembinski.

O texto de Petra examina detidamente a trajetória dessa dramaturgia, escrita entre 1941 e 1978. Assinala suas características, seu contexto de produção e recepção. Registra o deslocamento de foco que empreende em relação ao teatro em voga na década de cinqüenta: o revolucionário Teatro de Arena, de Gianfrancesco Guarnieri, com sua denúncia da exploração do proletariado urbano, das injustiças e desigualdades sociais (Eles não usam black-tie); o Grupo Experimental e a Oficina, de Zé Celso (A incubadeira), expressões da vanguarda teatral aclamada em 1958, ano da encenação de Os sete gatinhos. Peça, cuja mudança de perspectiva face àquela outra produção teatral do momento e cuja avaliação por parte dos especialistas — mediada pelo parâmetro de qualidade de obras anteriores do autor, a exemplo de Vestido de noiva — divide a opinião da crítica , embora tenha obtido “um sucesso estrondoso de público”.

Neste mês de dezembro em que se registram os vinte e cinco anos de morte de Nelson Rodrigues, nada mais celebrativo à vida e, sobretudo, à obra do autor do que apresentar para o público esse significativo estudo onde Petra Ramalho Souto, ao resgatar uma das peças menos estudadas do dramaturgo, ilumina por tabela toda a sua produção literária.

Em conseqüência, o livro que ora é aqui lançado, não constitui apenas um ritual de passagem na trajetória acadêmica da ensaísta. Destina-se a ocupar, desde agora, um lugar de destaque na bibliografia crítica daquele que, não obstante a controvérsia que envolve sua dramaturgia, é hoje reconhecido entre nós e internacionalmente como o fundador do moderno teatro brasileiro.

João Pessoa, dezembro de 2005.


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